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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Havia um rio a correr-lhe sobre os pés…

Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)


 Havia um rio a correr-lhe sobre os pés. Seria de água ou de vento?
Era um rio sem formas conhecidas, feito de segredo e de um silêncio onde não existia medo. Talvez trazido pelo suspiro antigo de uma montanha ou de uma saudade velha sem nome, de algo que não se vê mas que se sente no corpo.
Esse rio não sabia que era rio. Sabia, apenas, que precisava de correr e que tinha, por algum capricho, escolhido os pés de Almair. E este, calado, não entendia se o rio era de água ou de vento. Mas isso não importava. Sentia o frio do rio na pele e o rio, por sua vez, sentia o calor dos seus pés, e ambos se olhavam, sem pressa. Porque o rio era um espelho do homem.
Esse rio, que vinha de um lugar distante, era um rio que nascia com Almair. Era o rio da sua própria vida, que ele nunca soubera exatamente onde começara nem onde acabaria. O rio das suas lembranças, aquelas que fluem sem aviso, sem que Almair perceba que as guarda dentro de si, como líquidos secretos que lhe correm entre as veias. Memórias de todas as suas incertezas e dúvidas, dos sucessos e dos arrependimentos, dos amores e das dores. E das perguntas incessantes que se tornam névoa, fazendo com que ele se perca em todas as respostas de palavras não ditas. Tudo aquilo que ele não compreende e que, no entanto, o empurra para diante e que, invariavelmente, se vai desfazendo à medida que o novo tempo se apaga entre os braços das horas.
O rio que surgiu, subitamente, sobre os pés de Almair, como se trouxesse consigo uma carta de despedida, diz-lhe que é também a espera, a estrada que ele ainda não caminhou. Ou o futuro que se dissolve na chegada do presente, num convite para a aceitação do agora, e lhe devolve a certeza de que o que está à nossa volta não é o que nos define, mas simplesmente aquilo que nos permite ser.
Os seus pés, neste momento imersos neste rio invisível, hesitam entre o toque da água e a carícia do ar, como se o coração, por um instante, fechasse os olhos para conseguir respirar. E ele sabe que esse rio, que não vinha de lugar nenhum mas de todos os lugares, feito de nada e de tudo, é somente a transparência da vida que lhe corre pelos dedos da alma.
Foi assim que Almair se reencontrou. Não no rio. Mas na quietude daquela invulgar e excecional presença vestida de ausência que, ao ser escutada, lhe revelou a sua verdadeira voz.



Paula Freire
- Natural de Lourenço Marques, Moçambique, reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal.
Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas do Desenvolvimento Pessoal e do Autoconhecimento, bem como à prática de clínica privada.
Filha de gentes e terras alentejanas por parte materna e com o coração em Trás-os-Montes pelo elo matrimonial, desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, onde se descobre nas vivências sugeridas pelos olhares daqueles com quem se cruza nos caminhos da vida, e onde se arrisca a descobrir mistérios escondidos e silenciosas confissões. Um manancial de emoções e sentimentos tão humanos, que lhe foram permitindo colaborar em meios de comunicação da imprensa local com publicações de textos, crónicas e poesias.
O desenho foi sempre outra das suas paixões, sendo autora das imagens de capa de duas obras lançadas pela Editora Imagem e Publicações em 2021, “Cultura Sem Fronteiras” (coletânea de literatura e artes) e “Nunca é Tarde” (poesia), e da obra solidária “Anima Verbi” (coletânea de prosa e poesia) editada pela Comendadoria Templária D. João IV de Vila Viçosa, em 2023. Prefaciadora dos romances “Amor Pecador”, de Tchiza (Mar Morto Editora, Angola, 2021), “As Lágrimas da Poesia”, de Tchiza (Katongonoxi HQ, Angola, 2023), “Amar Perdidamente”, de Mary Foles (Punto Rojo Libros, 2023) e das obras poéticas “Pedaços de Mim”, de Reis Silva (Editora Imagem e Publicações, 2021) e “Grito de Mulher”, de Maria Fernanda Moreira (Editora Imagem e Publicações, 2023). Autora dos livros de poesia: Lírio: Flor-de-Lis (Editora Imagem e Publicações, 2022) e As Dúvidas da Existência - na heteronímia de nós (Farol Lusitano Editora, 2024, em coautoria com Rui Fonseca).
Em setembro de 2022, a convite da Casa da Beira Alta, realizou, na cidade do Porto, uma exposição de fotografia sob o título: "Um Outono no Feminino: de Amor e de Ser Mulher".
Atualmente, é colaboradora regular do blogue "Memórias... e outras coisas..."- Bragança e da Revista Vicejar (Brasil).
Há alguns anos, descobriu-se no seu amor pela arte da fotografia onde, de forma autodidata, aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza.

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