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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

As Fontes

A necessidade de abastecimento de água com qualidade e em quantidade para as necessidades do consumo de qualquer aglomerado cedo levou os que tinham poder e influência sobre as comunidades a organizar estaleiros para que a sua provisão se efectuasse com regularidade. Por isso, os autores das antigas corografias quase sempre reservavam espaço para tratarem das fontes, virtudes das águas e respectivos caudais. Em 1701, por exemplo, Carvalho da Costa louvava o Rossio da vila de Vinhais, «em que se correm touros, e fazem as festas de cavallo», para aclamar «o cano» que nele estava e a sua grande capacidade pois ainda permitia a rega de diversos prados e hortas. Repetindo a opinião de alguns, afirmava tratar-se da «melhor agua de toda a provincia de Trás os Montes». Dignas de tão celebrada fonte parecem ser as carrancas, datadas de 1808, que, continuadamente, debitam vários anéis de água no chafariz da praça.
Em 1708, outro memorialista louvava as propriedades de algumas fontes de Bragança: da de Afonso Jorge brotava um líquido cristalino com «com grande virtude para desfazer, e expellir as pedras, e ares da bexiga»; a do Conde era igualmente singular para os «achaques da pedra»; já a da quinta de Vale Flores, era eficaz «em excitar o appetite de comer, de tal maneira, que bebendo-a aos comeres, ainda que se coma muito, logo faz fome». Outras, beneficiadas com o sopro de virtudes especiais, estiveram na origem de edificações religiosas ou aumentaram o número de devotos eternamente agradecidos a um santo. Sirvam de exemplo a fonte da capela de S. João, em Algozo, e a Fonte do Angaranho de S. Tiago de Ribas. A mão que guiou o cinzel para grafar a data de 1745 nos topos do bocal redondo desta fonte mostrou alegria na animação concedida aos revoltosos ornatos.
O aproveitamento dos mananciais foi sempre uma preocupação das comunidades organizadas e os empreendimentos daí resultantes motivo de orgulho. Por isso, a monumentalização de empreendimentos como o aqueduto da Água da Prata, em Évora, a conduta que, em Vila do Conde, servia o convento das freiras, o aqueduto das Águas Livres, em Lisboa, ou o labirinto de túneis e arcas que se escavaram no Porto, ainda hoje despertam fortes sugestões. Em termos relativos, também as nossas cidades, vilas e aldeias foram palco de grandes empreendimentos para que a água não faltasse e para que a sua valia sanitária não fosse desnaturada. No mundo rural abrangido por este projecto, raras são as povoações que não preservaram uma ou mais das suas antigas fontes, verdadeiros pontos de sociabilidade dos antigos aglomerados e mananciais fartos do folclore. Mas também há casos de destruição e de transformação. Refira-se a Fonte da Silveirinha que tinha um tanque para bebedouro de animais com cerca de doze metros de comprimento e dois lavadouros. Ficava em Carção e mostrava ter sido construído em 1759. No rossio desta povoação, à fonte existente sobrepôs-se-lhe um coreto. No entanto, a importância do seu sítio ainda pode ser aquilatada pela circunstância de servir para exposição de uma pedra gravada em que se noticia a ordem de 1651 para se arrasar e salgar a casa de Francisco Mendes. Penalizado por não ter respeitado o Santíssimo Sacramento, seria, depois, enforcado na vila de Outeiro.

No campo da configuração, as fontes podem ser caracterizadas por diferentes surgidouros. Mas, mesmo assim, a determinação de afinidades tipológicas não é tarefa impossível. Nas povoações onde há mais do que uma unidade, pode acontecer que sejam todas diferentes porque às oscilações conjunturais associavam-se sempre factores que não se caracterizavam por uma evolução uniforme.
Em simples apontamento esquemático, poderá formar-se um grupo abrangendo as fontes de mergulho enquanto aquelas em que o ponto de saída da água é superior ao nível das paredes do reservatório poderão ser seriadas num outro bloco. Estes chafarizes, também designados como tanques, fazem parte do ambiente de todas as povoações e eram de enorme importância em comunidades com um quotidiano inseparável dos afazeres que a criação de maior porte representava. Nesta linha de orientação, evidencie-se o sistema implantado em Constantim. No entanto, pelas estruturas que complementam algumas fontes de mergulho, facilmente se podia desenhar um outro agrupamento.

Depois dos trabalhos de condução, a água era aprisionada numa arca de geometria quadrada ou rectangular e que, ao elevar-se podia configurar-se como uma caixa, fechada em três dos seus lados, ou então desenvolver quatro prumos para sustentação da cobertura. Como o nível da água tem uma cota inferior à linha-terra, estas fontes compõem-se, geralmente, de duas partes: o depósito e um espaço destinado a poder comportar as pessoas que desejavam encher os cântaros pelo processo de mergulho. Algumas vezes, a diferença de nível aconselhou a incorporação de degraus como forma de tornar o acesso mais cómodo.

Ao lado ou a curta distância podiam existir tanques ou bebedouros que se enchiam manualmente e que se destinavam primordialmente à dessedentação dos animais. Havendo grande cópia de exemplares edificados em xisto e argamaçados com cal, as fontes de mergulho mais notáveis recorrem sistematicamente à utilização do granito, por vezes sob a forma de grandes lajes afeiçoadas a cinzel. Como estrutura de cobertura, a abóbada de berço logrou uma acentuada preferência na área em estudo. No entanto na imensa lista deste tipo de construções também fazem parte coberturas de duas ou quatro águas que descansam as suas massas em pilares. O emprego da pedra não se arredou do revestimento exterior, devendo-se mesmo registar a persistência de técnicas com algum arcaísmo quando se tratava de cobrir as fontes. Consistindo na organização de camadas parcialmente sobrepostas, trata-se do método em escama de peixe.
 Diga-se que a tipologia destas fontes não eram exclusivas do mundo rural já que as suas vantagens também beneficiavam os moradores das vilas e das cidades. Em Bragança, diferentes posturas confirmavam as preocupações da edilidade em zelar pela higiene e conservação das que existiam na margem direita do Fervença e que eram de inegável utilidade pública.
Muitas vezes, a par com labores de intuitos decorativos, a aplicação nos ângulos de pináculos e fogaréus expressa uma vontade de monumentalização como forma de se salientar a importância que se lhes atribui localmente. Porém, estes elementos podem ser acompanhados de ambições mais transcendentais, traduzidas na colocação de cruzes, ao centro do prospecto principal ou no vértice quando a cobertura é de quatro panos, ou ainda sacralizadas com recurso a imagens devocionais pintadas na própria epiderme da pedra. Geralmente nas proximidades de caminhos muito concorridos, a primazia, como ainda se vê em Miranda do Douro, concedia-se à representação votiva das Almas do Purgatório.

Complementada com um tanque armoriado, esta fonte justificava um grande investimento e frequentes trabalhos de manutenção. Situada junto à ponte antiga do rio Fresno, alguns testemunhos denominam-na como a Fonte dos Canos pelo facto de existirem condutas que definem o seu percurso numa certa distância. 
Antes de nos determos, ainda que com brevidade, no processo de arrematação desta empreitada, pretendemos referir que, em 1758, Miranda do Douro, dentro dos muros apenas contava alguns poços de corda para uso de particulares. Contudo, no exterior das muralhas contabilizavam-se sete fontes de água potável: Terronha, Fonte Nova, Entrada, Fontaínha, S. João, Vilarinho e Canos. Esta amostragem serve como indicador do trabalho e das caminhadas que era preciso fazer para que a água não faltasse em casa. Sempre, no torreiro do Verão ou nos frios que a capa castanha de burel não evitava. Espíritos e corpos de homens e mulheres habituados a sacrifícios de toda a sorte, os quais pesavam como um castigo imposto aos moradores de todos os aglomerados com castelos. E, quando a voz do sino tangia a fogo, eram as solidariedades e as corridas angustiadas para se abafarem as labaredas.
Em 1587, António Anes, Rodrigo dela Puente e João Martinez concertavam-se sobre a obra dos Canos que, então, se tinha lançado em Miranda do Douro e para a qual deviam concorrer os membros de todos os estados sociais, visto ter sido lançada uma finta. Posteriormente, em anos sucessivos várias vezes o Cabido e a Mesa Episcopal auxiliaram monetariamente as obras que as condutas suscitavam. Mas em 16 de Novembro de 1612, Mateus Velez Barcena, natural de Valhadolid apresentava-se ao Corregedor de Zamora para que no quadro dos seus poderes, lhe mandasse traduzir para castelhano uma certidão passada em Miranda do Douro e assinada pelo juíz-de-fora. 
Trava-se de um documento relativo à arrematação de «los canos desta ciuidad (de Miranda) y conzertado dellos y tratado em dos mill e quinientos ducados», a favor do mestre de cantaria e de fontes, Velez Barcena. Em Zamora, este mestre fazia-se acompanhar de Falcote, importante pintor maneirista com obra no país vizinho. Esta empreitada foi divulgada em «muchos lugares del reyno de Castilla como de Portugal» e para o seu prosseguimento lançou-se a quantia de «un quento de marabedis» pelos moradores de Miranda e do seu termo. Todavia, não ficamos completamente esclarecidos se esta adjudicação compreendia a obra dos Arcos, ou seja um aqueduto que foi necessário erguer-se para que as carrancas da fonte ao pé da ponte pudessem lançar água. Seja como for, em Espanha, o mestre de fontes foi ao escritório do tabelião Baptista Fernandes de Camos, acompanhado por importantes construtores da região de Leão e Castela: Hernando de Nates, Juan de Alvarado, Juan de Avelar, Juan de Rubayo, mestres canteiros, e Bartolomeu de Oviedo, mestre carpinteiro. Tal como estes, também Juan de Villabocilha assinou a escritura na qualidade de fiador.
A presença destes mestres justifica-se pelo tipo de parcerias que mantinham em várias frentes. Pouco depois, Mateus Barcena associava-se a Juan Ortiz de Villallave, canteiro com residência em Toro, para andarem com a obra de Miranda. Solicitação de maior envergadura, convocava Ortiz para a elaboração dos apontamentos da ponte maior de Zamora, sobre o Douro. Então trespassou a sua parte na obra dos canos a Juan de Senderón que viria a morrer em 1637.
Posteriormente, outros sucessos, trariam para primeiro plano a figura de Francisco Ribeiro, mestre pedreiro de Malhadas, que, em 1755, arrematou a «reformação dos canos», sendo também lançada uma finta de 600.000 réis pelos moradores da cidade e do termo. Apesar do clero ter contribuído voluntariamente com 40.000 réis, foi necessário recorrer ao Monte de Piedade para se juntarem os 770.000 réis da arrematação.


Alguns anos antes, em 1734, para combater a crónica escassez de água, arrematava-se em Algoso a obra de uma fonte de mergulho. Era a fonte da Pereira, recentemente destruída. A arca da água foi entregue a Manuel Ribeiro e Francisco Ribeiro, mestres pedreiros, naturais de Travanca. Mas, em 1742, já a Câmara de Algoso mandava apregoar nova intervenção nesta fonte. Dos trabalhos encarregar-se-ia Manuel Domingues, mestre pedreiro oriundo do Minho.
Os segmentos do aqueduto de abastecimento de água a Miranda não colocavam aos práticos as exigências que estavam em causa quando o objectivo era o lançamento de plataformas que unissem as margens dos rios.


in:rotaterrafria.com

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