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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 5 de março de 2014

«Esta gente nova não se acredita»

Ti Mané, antigo pastor no Douro, Ângelo Arribas, mestre da gaita-de-foles em Miranda do Douro, Ti Fernando que andou no contrabando para os lados de Vinhais. Todos contam ao jornalista Nuno Ferreira histórias de vidas duras. Homens que não escondem um sorriso quando ouvem falar da crise de hoje. «Dizem que a vida está má...e no nosso tempo?»
Nos meses de Inverno, Manuel Fidalgo dos Santos, conhecido como «Manuel do Pau» ou Ti Mané, largava Folgosinho (Gouveia) com mais quatro homens a pé acompanhando um rebanho de mais de 200 cabras e ovelhas até ao Douro, Régua, Sabrosa, Alijó, Vila Real. Levava cinco a seis dias para lá e no final das invernias regressava. «Chegava a levar as crias, borreguitos pequenos, elas a parirem. Para cá, os borregos já vinham grandes». Uma rez com três a quatro anos já sabia o caminho de olhos fechados. «Tão bem como eu». Durante os 20 anos em que andou nessas andanças, o Ti Mané dormia à chuva e à neve, embrulhado na manta. «Agora, como podem dizer que a vida 'tá má? Nunca viram o qu' é mau? Querem é fados...»
Nas minhas caminhadas pelos buracos mais escondidos do país, tenho encontrado muitos Ti Manés, homens idosos, que viveram um tempo e uma crise cem vezes pior que a de hoje e que se riem quando lhes falo das dificuldades actuais. Alguns já se acostumaram a que os mais novos achem as suas histórias exageradas: «Dizem que estou a inventar».
Austero e empedernido como as pedras das arribas do Douro Internacional, Ângelo Arribas, mestre da gaita-de-foles, contou-me em Freixiosa, Miranda do Douro, como foi entre muitas dificuldades e pobreza que construiu a sua primeira gaita: «Éramos pastores, eu e os meus irmãos, andávamos aí ao frio, à neve. A música era a nossa única distracção. O meu primeiro tamboril foi feito com pele de coelho aparada com uma lâmina de barbear e os aros foram feitos a partir de uma lata de conservas. A minha primeira gaita-de-foles foi feita com palhetas de canas de centeio e pele de rato. Se não acredita pergunte aqui ao meu irmão...»
Em Abril deste ano, em Moimenta da Raia, Vinhais, foi-me apresentado um rijo e desassombrado ex-contrabandista, o Ti Fernando de Casares. O Ti Fernando falava sem pejo da realidade daquele tempo, de quando colocavam pedras no rabo dos burros para eles passarem a fronteira sem fazer barulho ou de quando (imagine-se) punham aguardente nos ouvidos dos porcos para eles não chiarem no caminho.
Passava fardos de 40 a 50 quilos entre o cair da noite e o raiar da aurora, tabaco, bacalhau, burros, porcos, cobre, numa época em que grande parte da população se dedicava ao contrabando.
No final de cada história, Fernando virava-se para a pessoa que mo tinha apresentado e comentava: «Agora, nós estarmos a falar do que era aquele tempo, esta gente nova não se acredita...»
Na Amareleja, a 80 quilómetros de Beja e 9 de Espanha, na terra onde os termómetros chegam no Verão aos 47 graus, os mais velhos encolhiam os ombros sempre que lhes falava em crise. A expressão usada era sempre a mesma: «Oh, nos tempos da miséria...». Entre jogatanas de dominó, xito (malha) na praça da Torre do Relógio à tarde, entre um copo de tinto e pedaços de porco preto espetados em palito de madeira, os idosos relembravam tempos muito mais duros.
«Dizem que a vida está má...e no nosso tempo?», perguntava José Cantarinho, ex-guardador de vacas, ex-empregado de café. «Fui à ceifa para aquelas barreiras de Bucelas que aqui era fraco». António José Ferreira, companheiro de dominó, fez podas, ceifas, labutou numa fábrica de automóveis em Amiens, na França e aguentou 16 abaixo de zero na Suíça a trabalhar em estufas. Agostinho Caetano, andou nas obras em Lisboa, na beterraba em França e jardinagem na Suíça. «Agora é tudo máquinas. Nos tempos da miséria, uh...»


(Nuno Ferreira)
in:cafeportugal.net

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