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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 18 de março de 2014

Um Relato do Nordeste

Abutre do Egito
Na primeira viagem pelos trilhos serpenteantes da orografia do Nordeste Transmontano, a contemplação da fauna selvagem nesse grandioso cenário natural torna-se numa experiência memorável.
No Verão, ao final da tarde, nalgum local perdido junto a um grande rio, é o momento indicado para se sentir, verdadeiramente, o misticismo deste espaço natural. Em cima de uma fraga ao sabor da aragem que vai arrefecendo as rochas, com o sossego de toda aquela paisagem gigantesca, observam-se as escarpas a ficar sombrias à medida que o Rio lá em baixo se vai tornando num mar de silêncio. Nesse instante em que o sol se prepara para deixar o horizonte, a paisagem mostra que está viva pois uma corça aparece espreitando entre o zimbral e no céu despedem-se os últimos abutres.
Nesse instante aparece um casal de águias reais que atravessa serenamente o ocaso, estamos em no maravilhoso reino natural do Nordeste.
Para quem lida quase diariamente e desde há vários anos com a fauna do Nordeste Transmontano, esse tema tende a constituir um largo volume de dados técnicos distribuído entre relatórios, mapas, artigos, etc. No entanto, as paisagens espectaculares tão férteis em histórias e lendas de bichos, homens, rochas não permitem que o espírito contemplativo do investigador se submeta à rotina profissional do dia-à-dia.
Águia de Bonelli
Foto: João Cosme
Dessa forma, numa página da Internet como esta, mais de divulgação do que uma dissertação científica, a informação técnica acerca da avifauna desta região, está envolvida por alguma dose de subjectividade. Retira-se o rigor mas espera-se adicionar alguma criatividade que possa atrair novos adeptos para a causa da conservação do património natural desta região.
A característica mais relevante da área vulgarmente conhecida como Nordeste Transmontano é sem dúvida a vasta amplitude dos espaços abertos, planaltos que se sucedem a cerros, meandros de linhas de água, vales encaixados e escarpados rochosos.
Por razões geomorfológicas relacionadas com os processos erosivos do principais rios (Douro, Sabor, Maçãs, Angueira, Tuela, Tua, Côa, Águeda), os vales assumem muitas vezes entalhes profundos, selvagens e extensos, que localmente são conhecidas como arribas e ladeiras. Essas encostas encontram-se muitas incrustadas de imponentes afloramentos rochosos, ora graníticos, ora xistosos ou quartzíticos, que proporcionam a protecção, a tranquilidade e o refúgio para flora e fauna,nomeadamente a avifauna rupícola.
Por se tratar de uma região periférica e fronteiriça, com baixa densidade populacional, existem amplas zonas despovoadas propícias à manutenção de espécies de elevado estatuto de conservação, como é o caso de alguns grandes predadores. Por outro lado, a população humana residente, ainda pratica uma agricultura e pecuária extensivas que têm preservado a fauna e que, em muitos casos, assegura o seu sustento. A policultura agrícola, onde se destacam a cerealicultura, a olivicultura, a criação de raças autóctones de ovinos, caprinos e bovinos tem sido um dos pilares da conservação da natureza nestas paragens.
Nesse contexto as condições ecológicas próprias do Nordeste Transmontano proporcionam que um dos grupos faunísticos de maior representatividade seja o das aves. Essa relevância manifesta-se pela elevada diversidade de espécies e pela ocorrência de várias espécies ameaçadas, que guardam nesta área, uma grossa parcela das suas populações nidificantes a nível nacional e ibérico.
Dentro do grupo das aves destaca-se um pequeno conjunto de espécies que por ocuparem as abundantes escarpas rochosas do Nordeste Transmontano, constituem um dos grupos emblemático da fauna, da natureza e da paisagem desta região. São as espécies rupícolas ou rupestres cuja ocorrência é uma constante ao do Nordeste. As de maior porte são facilmente detectáveis pois é comum avistar as suas silhuetas negras circulando ao sabor das correntes de ar quente, mas também as manchas brancas que pintalgam o fraguedo, indicando a sua presença pois resultam da acumulação de urina em redor de seus poisos e ninhos. São 18 espécies, entre as quais as mais raras são: Cegonha-preta, Britango, Grifo, Águia-real, Águia de Bonelli, Falcão-peregrino, Andorinhão-real, Chasco-preto, Bufo-real e Gralha-de-bico-vermelho.
Apesar de não estarem assinaladas nas gravuras paleolíticas da região, caso do santuário arqueológico do Côa, pensa-se que essas espécies ou suas parentes próximas já ocorriam na região nesses tempos pós-glaciares. No caso dos abutres, sabe-se com base em dados paleontológicos que existiam várias espécies na área, aproveitando os cadáveres dos abundantes ungulados selvagens, mortos por doença, acidente ou mais provavelmente vítimas dos grandes predadores da época etc, retratando cenas que se assemelham às que ainda hoje acontecem em África. As condições existentes também seriam favoráveis às grandes águias, nomeadamente as que nidificam em árvores, pois aproveitariam as extensas manchas de bosque, hoje escassas. Com o surgimento da agricultura e pastorícia, iniciou-se o declínio das manchas florestais e sua substituição por pastagens e de matagais. Essas alterações, que decorreram ao longo de séculos, aliadas ao aumento da presença humana, por todo o lado, terão levado ao desaparecimento e rarefacção de algumas espécies, casos do Quebraosssos e da Águia-imperial, e ao aparecimento ou aumento de outras, caso das aves estepárias, nomeadamente os sisões, alcaravões, tartaranhões, lavercas e cotovias.
Apesar da escassez de referência antigas é possível afirmar com base em elementos da etnografia e da toponímia, que diversas aves rupícolas actualmente existentes no Nordeste, são conhecidas desde há muito nesta região. A ocupação simultânea dos mesmos habitats, por parte das espécies selvagens e do Homem criou fortes relações culturais cujas manifestações chegaram até aos nossos dias. Por exemplo, a toponímia oferece-nos fortes indícios desse contacto secular, sendo uma importante ferramenta metodológica para o jovem naturalista, nas suas primeiras prospecções pelas Arribas. Os nomes: Buitreira, Poio da Abrutida, Penha do Abutre, Penha do Corvo, Picão dos Corvos, Sebadal; são referências nítidas a uma antiga presença de abutres. Enquanto que Penha de Águia, Penaigue, Poio da Falcoeira, Falcoeira, Aila, devem relacionar-se com as águias, real ou de Bonelli, que a um dado momento terão ocorrido ou nidificado nesses locais. Referências mais gerais como Poio (Poio Amarelo, Poio da Moeda), Fraga (Fraga Ruiva, Fraga Ventureira), Faia (Faia Brava, Faia da Hedera, Faia da Água Alta), Picão ou Picões, Penedo (Durão, Negro), dizem, quase sempre, respeito a locais escarpados com elevado potencial para a existência de espécies rupícolas.
Águia Real
Foto:Carlos Carrapato
Apenas em meados deste século surgiram os primeiros trabalhos científicos sobre a fauna da região. As referências daí resultantes são os relatos dos primeiros ornitólogos e naturalistas que atravessaram esta região, que era bastante inacessível até à poucas décadas atrás. Uma região com forte presença agro-pecuária, onde a espectacularidade da paisagem e das observações de aves de grande porte, fazia as delícias desses naturalistas pioneiros: Henry Coverley, Santos Junior, Reis Juniór foram alguns deles. O último dos quais tinha raízes familiares na região, e realizou diversas visitas deixando descrições emocionantes sobre as relações entre homens e aves de rapina. Em 1934, escrevia acerca dos grifos as seguintes passagens: “... Numa das primeiras explorações que realizámos na Barca de Alva, em Maio de 1898, visitando os altos fraguedos que dominam, ao norte, a povoação da Barca, tivemos ocasião de observar pela primeira vez, o voo do Abutre, ....” ou “ ... contudo, parece-nos que o lugar da sua predilecção, no país, é Barca de Alva com a sua temperatura tropical, os seus grandes rebanhos, que lhe fornecem alimento certo e farto, e as suas medonhas penedias que lhe garantem refúgio tranquilo e seguro....”
Só mais tarde, na década de 80, se iniciam prospecções e estudos mais aprofundados e surgem as primeiras preocupações acerca da conservação das espécies rupícolas. Destacam-se os trabalhos iniciados pela associação ambientalista Quercus, nomeadamente os recenseamentos de Águia-real e Águia de Bonelli (Serafim Riem, Eduardo Pombal, António Granado, João Rocha, Adérito Gomes), a Faculdade de Ciências do Porto desenvolveu inventários faunísticos no terreno, o então SNPRCN (Serviço Nacional de Parques Reservas e Conservação da Natureza) organizou o primeiro Atlas Nacional de Aves Nidificantes mobilizando dezenas de ornitólogos para a região e realizou o primeiro censo nacional de Grifo (António Araújo, Rui Rufino, Renato Neves). Em Espanha iniciam-se nesse período os trabalhos de investigação sobre avifauna, com o biólogo Nicolas Sanchez (Universidade de Salamanca) a realizar um Atlas de aves para as “arribes del Duero salmantinas”. De todos esses trabalhos e naturalistas é digno de menção o Eduardo Pombal, velho Lobo das Arribas, foi o primeiro a conhecer a região “a palmo”, tendo começado os primeiros censos fiáveis de Águia-real e assegurado a continuidade desse importante seguimento até aos dias de hoje, num percurso de constante salvaguarda e vigilância a esta maravilhosa ave e ao património natural do Nordeste Transmontano.
Presentemente os trabalhos de investigação acerca da avifauna rupícola do Nordeste Transmontano, mobilizam presente um maior número de especialistas e entidades, entre os quais o ICN, as universidade, institutos politécnicos e associações ambientalistas.
Uma das espécies que tem merecido a maior preocupação por parte dos responsáveis da conservação da natureza, nesta região é a Cegonha-preta. Esta ave, que os andaluzes designam carinhosamente por gitana negra, nobre na sua postura e de uma beleza discreta, constitui uma verdadeira jóia faunística dos vales do Douro e afluentes. Sendo uma ave muito rara, a sua presença só é confirmada nos locais mais recônditos e selvagens, em geral em proximidade das margens dos cursos de água, onde encontra a tranquilidade e o alimento aquático, essenciais para o bom sucesso da nidificação. Essas suas preferências aquáticas distinguem-na claramente da sua prima Cegonha-branca, ave que é muito mais sociável e visível, daí que seja muito bem conhecida pelos aldeões. Os hábitos esquivos e timidez da Cegonha-preta fazem que seja uma ilustre desconhecida no meio rural, praticamente só os frequentadores do rio a conhecem, em especial os pescadores profissionais, que a designam por Ave peixeira. Apesar desse desconhecimento generalizado, há um dizer popular relacionado com os hábitos migratórios destas duas espécies, que refere que se a Cegonha-branca vier antes da Cegonha-preta o leite nesse ano ser bom, e se for a preta a chegar primeiro o leite virá estragado. Não sabemos se há algum fundamento neste adágio, no entanto, deve referir-se que nos últimos anos a Cegonha -branca tem chegado sempre antes da preta havendo indivíduos que permanecem, na área, durante quase todo o ano. A tendência recente tem sido de chegarem cada vez mais cedo, sendo normal observa-las a partir de Dezembro, facto que se relaciona com uma certa alteração nos hábitos migratórios da população ibérica desta espécie. Por essas razões as perspectivas são favoráveis para os produtores de leite desta região!.
Após a sua chegada, cada casal de Cegonha-preta selecciona um ninho, em geral já existente, reparando as falhas e cobrindo-o com nova camada de vegetação. Este procedimento ao ser repetido ao longo de anos e anos, levou a que existam ninhos com mais de 1 m de altura e com uma larga plataforma onde cabe um homem deitado. No círculo central do ninho é colocado um manto de musgo fresco onde serão depositados os ovos. A postura ocorre a partir de fins de Março, normalmente 3 a 4 ovos brancos do tamanho dos de pato doméstico. A incubação dura cerca de 30 dias e a partir de Maio começam-se a ver as primeiras crias brancas com os seus frágeis bicos amarelos fazendo lembrar o Pato Donald quando bebé. Saem do ninho passados 70 dias de estadia no ninho, se não tiverem sido comidos por alguma Geneta ou se houve alimento suficiente na área. Na melhor das hipóteses resultam 4 juvenis, 5 só excepcionalmente, mas mais normalmente 2 ou 3 crias que se deslocarão para Sul ainda antes do mês de Setembro. A população desta espécie no Nordeste Transmontano é de cerca de 20 casais, 7 dos quais nidifica nos alcantilados espanhóis na fronteira do Douro internacional.
Para além desta espécie, as aves mais conhecidas e que toda gente associa às arribas do Nordeste Transmontano são sem dúvida os abutres, em especial o Grifo. Essas aves tornaram-se emblemáticas devido à elevada envergadura que lhes permite planar durante horas a fio, mas também pelos hábitos alimentares necrófagos, que as faz consumir e eliminar os cadáveres putrefactos. Essas características concederam-lhe uma boa reputação perante a população humana local que os respeita e acarinha, reconhecendo-lhe uma importância na limpeza sanitária dos campos. Ao vê-los voar em círculos sobre a paisagem é habitual o povo dizer: “à volta à volta que já cheira a carne morta”.
Essa relação entre Homens e abutres, conduziu ao longo dos tempos a que nas freguesias ribeirinhas do Douro, onde existem grandes desníveis no relevo próprios das Arribas, se criasse o hábito de depositar os animais moribundos ou mortos em locais escarpados, longe das propriedades agrícolas e da actividade humana, onde os abutres facilmente pudessem aceder. Nesses locais as pessoas sabem que não serão incomodadas com o cheiro e que as carnes infectas em decomposição rapidamente desapareceram. Por outro lado, há mais de 20 ou 30 anos, o enterramento das carcaças dos grandes animais de tracção era tarefa árdua pois não existiam máquinas para o efeito. Por essas razões criou-se esse hábito e apesar das normas sanitárias actuais obrigarem ao enterramento das carcaças de animais domésticos, persiste a deposição de cadáveres no campo, em ambos os lados da fronteira, por parte das populações locais.
A este procedimento respondem os grifos “grandes como perús”, com um rápida afluência ao local, voando ou pousando em proximidade até que vençam a desconfiança e timidez e se precipitem, em grande número e de forma ruidosa, sobre os cadáveres, banqueteando-se com a matéria muscular, a pele e alguns pequenos ossos. As restantes aves, de menor porte, como as gralhas, o corvo, os milhafres, o Britango, aproveitam as aparas e fragmentos de ossos. No final desse festim, resta um amontoado de ossos reluzentes e dobras do couro mais duro, enquanto que os farrapos de pelo e algumas penas ficam espalhados em redor, presos nas ervas e arbustos.
São cenas que continuam a repetir-se desde há milénios, com a alteração de que os cadáveres de animais selvagens foram progressivamente substituídos por cadáveres de animais de criação, à medida que os rebanhos substituíram as manadas. Presentemente os abutres estão quase totalmente dependentes das actividades pecuárias tradicionais, em especial a pastorícia. Com o apoio comunitário que em anos recentes passou a ser atribuído aos ovinos, caprinos e bovinos, houve um certo incremento do seu efectivo, que aparentemente têm as populações de necrófagos.
Essa tendência favorável não justifica o fornecimento adicional de alimento através da criação dos denominados campos de alimentação de abutres, que apesar de terem estado de moda nos anos setenta e oitenta, nunca funcionaram nem atingiram resultados apreciáveis. Em vez disso a gestão das populações de aves necrófagas poderá passar pela legalização dos locais tradicionais de depósito de cadáveres, onde os agricultores locais possam continuar a depositar os cadáveres de animais de criação vítimas de acidente, velhice ou doença, que não representem perigo para a saúde pública. Mais importante ainda será a correcção do contra censo legal das exigências sanitárias em vigor, por serem desajustadas da realidade rural e por inviabilizarem a existência de aves necrófagas. Por exemplo, deveria ser equacionada a possibilidade de ser permitido o abandono dos cadáveres de ovinos e caprinos, por parte dos pastores, respeitando determinadas condições a definir, nos concelhos em redor dos locais de nidificação de abutres.
Contando com o Grifo, existem 4 espécies de abutres na Península Ibérica das quais apenas 3 ocorrem no Nordeste Transmontano, duas delas aí nidificam.
Não há qualquer informação fidedigna de que, em tempos recentes, tenha existido Quebraossos, Gypaetus barbatus, nesta região, Alguns investigadores espanhóis referem uma provável ocupação desta área no início do século, donde terá desaparecido com o processo regressivo que a espécie sofreu em toda a Península e que a acantonou ao maciço montanhosos dos Pirinéus.
Quanto aos abutres que ainda ocorrem na zona, refira-se o famoso Grifo, de nome científico Gyps fulvus que é conhecido como Abutre na metade norte do Nordeste Transmontano e como Abutardo ou Abitardo na metade Sul. Em algumas aldeias do planalto mirandês o povo refere também, os nomes de Alcaforro ou Aila Burreira. Quanto a números, a população actual de Grifo no Nordeste Transmontano é composta por cerca de 320 casais, distribuídos por ambos os lados da fronteira, 2/3 deles nas encostas espanholas do Douro e Águeda fronteiriços. A tendência recente tem sido de ligeiro aumento no número de casais nidificantes, acompanhado por um normal aumento da densidade em determinados sectores meridionais e uma rarefacção na região Norte da área, zona onde, num espaço de 10 anos, desapareceram as maiores colónias aí existentes.
Sendo uma espécie colonial esta vive em núcleos com um máximo de 40 ninhos no mesmo sistemas de rochas. Os ninhos situam-se em patamares, fissuras e cavidades rochosas, muitas vezes situados a escassa distancia uns dos outros. As colónias estão, em geral instaladas nos maiores afloramentos rochosos das arribas do Nordeste Transmontano, onde a inacessibilidade assegura o sossego e a protecção contra predadores. Cada casal tem apenas uma cria, as posturas ocorrem a partir dos primeiros gélidos dias de Janeiro saindo o juvenil do ninho nas tórridas tardes de Julho perfazendo uma média de cerca de 150 dias no ninho. Após esse período os juvenis entram em dispersão, afastando-se muitos quilómetros dos locais de nascimento, o regresso pode acontecer uns meses ou anos mais tarde, podendo vir a nidificar nas mesmas zonas onde nasceram. A essa tendência de regresso chama-se de filopatria. Um Grifo pode atingir mais de 20 anos de vida em cativeiro, no entanto, em estado selvagem a esperança de vida é substancialmente menor.
Grifo
O Abutre negro, Aegypius monachus, que é a maior ave de rapina da Europa com os seus, quase, 3 m de envergadura também é observável no Nordeste Transmontano, ainda que raramente. Os seus hábitos de nidificação em árvores diferem dos outros abutres. As colónias mais próximas situam-se nas serras meridionais da província de Salamanca, caso das serras de Quilamas, Batuecas e Gata. Provavelmente é a partir daí e por razões alimentares, que alguns indivíduos deverão realizar incursões periódicas ao Nordeste Transmontano. Há também o caso de aves jovens ou imaturas que chegam a esta área no seguimento de movimentos dispersivos.
Quanto ao Britango (também denominado por Abutre do Egipto), Neoprhon percnopterus de nome científico, que é uma espécie de menor dimensão que as anteriores, nidifica em grande parte do Nordeste Transmontano, encontrando-se entre nós entre Março e Setembro, período após o qual emigra para a África central. A sua silhueta característica com um nítido contraste branco e negro, as preferências alimentares necrófagas e os hábitos migratórios fazem com que seja uma ave bem conhecida pelas gentes das arribas, em particular os pastores.
Em resultado disso o imaginário popular atribui-lhe uma larga diversidade de nomes que quase variam de aldeia para aldeia, consoante a interpretação das suas peculiaridades biológicas. Na zona mais a Sul do Nordeste Transmontano, entre Freixo de Espada à Cinta e Figueira de Castelo Rodrigo ele é conhecido por Britango, Britanglo ou Britaossos numa clara alusão à obtenção de alimento dos ossículos e restos de carne que sobejam do manjar dos grandes abutres. Enquanto que em algumas aldeias do concelho de Miranda do Douro usam-se as designações: Corvo branco, Corvinho branco, Milocho, Alcaforro branco, que fazem referência à sua fisionomia e parecença com outras aves. No entanto, na maioria das aldeias da região o povo ao observar que esta ave migratória chega à região nos primeiros dias de Março, passou a atribuir-lhe a responsabilidade pelo transporte de haveres de outra ave migratória de chegada mais tardia, que é o Cuco. Desse modo o Britango é amplamente conhecido por Correio do Cuco, Almocreve do Cuco, o Moço do Cuco, o Fato do Cuco, o Fateiro do Cuco, Criado do Cuco, entre outros nomes do género.

Outra característica muito própria desta espécie relaciona-se com a sua preferência para nidificar em cavidades rochosas, como fendas ou pequenas grutas, estratégia que segundo certos autores se destina a evitar os calores extremados de Julho e Agosto durante os quais as crias ainda permanecem no ninho. Os ninhos são compostos por paus secos sobrepostos e forrados na sua parte superior por um grosso tapete de pelos de ovelhas. Com o passar dos anos o ninho tende a ficar argamassado com a urina branca produzida por crias e adultos, passando a constituir uma estrutura inconfundível de fácil identificação à distância. A partir de meados de Abril esta espécie coloca um a dois ovos que incuba durante 40 dias. Na maioria dos casais apenas uma cria atinge o desenvolvimento completo, ainda que em anos favoráveis, em termos alimentares, essa tendência seja menos acentuada. Os filhotes são totalmente diferentes dos adultos, com uma plumagem castanha escura, dourada nas asas e cauda e a cara acinzentada clara, começam a sair das cavidades de nidificação a partir de meados de Julho permanecendo os exemplares, mais tardios, até às últimas semanas de Agosto, mesmo nas vésperas do regresso para África.
A população de Britango no Nordeste Transmontano ronda os 100 casais fronteiriços (60 dos quais dispostos na linha fronteiriça do Douro e Águeda). Em certos troços do Douro Internacional os casais nidificam em grande proximidade, constituindo as áreas de maior densidade de nidificação de toda a Europa continental. Também os afluentes Huebra e Águeda possuem troços de levado interesse para a espécie.
Passando agora para as águias, aves de hábitos predatórios, elas também são bem conhecidas pela população residente na zona das Arribas, no entanto, apesar da grande diversidade de espécies de aves de rapina que existem na região, estas são vulgarmente confundidas umas com as outras e o povo pensa que existe apenas uma ou duas espécies a que designam por gaviões, gavilans ou por vezes águias. Na realidade as grandes águias, em linguagem técnica, são bem mais raras, enquanto que as outras aves de rapina vulgarmente observáveis no planalto e áreas circundantes às aldeias, correspondem a outros géneros, casos dos milhafres, tartaranhões, Buteos e Circaetus.
Em Portugal, as grandes águias são apenas três espécies: a Águia-real, a Águia de Bonelli e a Águia-imperial, esta última não ocorre no Nordeste. As duas primeiras espécies são aves rupícolas, ou seja seleccionam as rochas, fragas ou escarpas para instalar ninho. São de grande porte, superam os 2 m de envergadura, podendo caçar presas de maior tamanho que todas as outras rapinas. Essas características conferiram-lhes, durante muito anos, uma imagem de destruidoras da caça e ganharam muitos inimigos junto dos caçadores, o que levou a uma intensa perseguição em décadas recentes. Como exemplo dessa aversão há quem diga, na zona de Vimioso, que “ave caçadoira come-la ou caçoi-la”. Essa campanha de controlo deste e de outros predadores conduziu ao declínio das populações dessas águias que só foi atenuada, a partir dos anos 80, com a implementação de medidas de protecção em todo o território nacional.
Raposa
Actualmente, a moderna gestão cinegética tem uma perspectiva diferente, pois reconhece-se o papel importante destes predadores alados como agentes de saneamento de doenças dentro das populações de presa. Hoje em dia sabe-se que o grosso do efectivo de presas é regulado, pela disponibilidade de alimento e água e fundamentalmente pelas epidemias. No caso do Coelho-bravo, pilar da teia trófica do ecossistema mediterrânico, as epidemias, nomeadamente a mixomatose e a doença hemorrágica viral, têm sido os principais responsáveis pela drástica rarefacção dessa espécie. Deste modo, a permanentemente acção das águias retirando os indivíduos doentes, fracos e velhos permite um melhoramento natural desses núcleos populacionais. Por outro lado, as grandes águias são superpredadores, que situadas no topo da pirâmide ecológica controlam o número de outros predadores, casos da raposa e dos corvídeos.
Apesar dessa importância, uma outras razão fundamental para as conservarmos nos nossos céus tem uma justificação romântica ou estética. De facto, até mesmo aqueles que dizem odiá-las não conseguem negar a sua beleza e invejar a liberdade do seu voo. Esse factor não será de menosprezar em virtude da quantidade de turistas e visitantes que se deslocam a esta região na esperança de observar as grandes aves de rapina, pela qual as arribas são famosas. Ao conservarmos as espécies mais emblemáticas deste espaço natural, estamos a contribuir para promover este tipo de turismo, que se encontra em crescendo por toda a Europa.
Nas aldeias das arribas a Águia-real é conhecida por Ave caçadeira, pelos seus hábitos predadores ou por Vergadinha, por inclinar, ou vergar, a extremidade das penas para cima. Nuns poucos locais, um amigo informou-me que há quem simplesmente a apelide de a Ave, o que diz tudo sobre ela e sobre o respeito que os homens do campo lhe têm.
Quanto mais velha mais dourada e imponente vai ficando, em especial, as fêmeas que são maiores que os machos, por 10 ou 15 cm em envergadura, diferença que só um olho treinado consegue detectar. Dizem que algumas dessas águias atingem os 20 anos, o que para uma ave em estado selvagem é uma proeza. Quando tenho o privilégio de observar uma dessas velhas e sabidas aves, ao vê-la passar perto em voo planado, com o dorso e nuca quase brancos e com o seu olhar tranquilo e atento, imagino alguns dos momentos que marcaram a vida desta sobrevivente das Arribas. Desde o seu primeiro Inverno, quando a inexperiência a levou a distância de tiro de uns caçadores que quase a atingiram, e quantos imprudentes acidentes ela teve durante as suas primeiras caçadas, uma vez ficou enredada num silvado por causa de uma perdiz, noutra quase foi sufocada por Cobra-rateira que se lhe enrolou ao pescoço. Apesar disso os anos foram passando até que encontrou companheiro e ocuparam um belo território no vale selvagem de um grande rio. Nesse mesmo ano foram quarenta e poucos dias deitada no ninho, incubando, com neve, geada e vento “cieiro”, mais tarde foi o calor tórrido em Junho que trouxe um fogo pela fraga acima tendo obrigado as duas crias a lançarem-se precocemente do ninho. Em muitas outras primaveras ela assistiu a esse género de voos e “tombos” dos seus aguiotos, pelas ladeiras abaixo. Ela também viu o cabreiro que com a sua farta piara, diariamente e durante anos e anos descia e subia aquelas arribas. Era praticamente a única pessoa que para ali se deslocava e por vezes abeirava-se das fragas só para lhe ver quantas crias tinha no ninho. Até que um dia esse velho homem não apareceu, nem ele nem a cabrada, nem mais ninguém, ficando tudo entregue ao denso e silencioso giestal.
De facto, a história da velha águia tem muito a ver com a história do homem rural. Ambos compartilharam o mesmo espaço durante séculos, mas com o abandono desse espaço por parte do agricultor e do pastor tem ocorrido uma regressão do mosaico de habitats de que necessitam uma série de espécies faunísticas muito importantes. A médio longo prazo, o desaparecimento do homem pode levar à perda das águias e do encanto destas bravias paisagens.
Presentemente existem cerca de 45 casais de Águia-real no Nordeste Transmontano que corresponde à grande maioria da população nacional Nesta região a situação é favorável, em resultado da diminuição das campanhas de envenenamento e controlo de predadores, mas principalmente devido à área oferecer boas condições ecológicas, com alimento suficiente e muitas fragas. Por outro lado, vem-se verificando uma situação estável nas populações ibérica (mais de 800 casais) e europeia.
Essa situação positiva contrasta com a situação da sua prima de menor tamanho que é a Águia de Bonelli, localmente denominada de Águia caçadeira ou de Pardinha devido à sua coloração acinzentada. Esta ave de peito branco que apenas os verdadeiros conhecedores das arribas já presenciaram, é uma ave predadora como a Águia-real, ainda que seja mais eficaz e especializada em caçar coelhos, perdizes e pombos. Por outro lado a real tem preferência por coelhos e lebres mas caça abundantemente répteis, lagartos e cobras, e não é raro vê-la alimentar-se de animais mortos num comportamento necrófago semelhante ao dos abutres.
A Águia de Bonelli possui 24 casais na região que estamos a considerar como Nordeste Transmontano, número inferior ao que outrora terá ocorrido nesta região. Em décadas recentes grande parte desta zona, com o seu clima mediterrânico, a abundância de caça, nomeadamente o Coelho e a Perdiz, e as dezenas de pombais repletos de pombas, reuniria condições excelentes para esta espécie. O decréscimo da Águia “perdicera” tem-se feito sentir a nível ibérico estando relacionado com a elevada mortalidade de juvenis e imaturos nas áreas de dispersão, causada por electrocussão em postes de média-tensão e morte por disparo.
A nível local, o maior problema de conservação dessa população parece assentar na escassez de alimento durante os períodos pré-nidificante e nidificante. Em anos recentes tem-se verificado, que as taxas de natalidade e a produtividade da população tem sido muito baixas, tendo-se assistido à perda ou mudança de três territórios de casais desta espécie. Esses territórios foram ocupados por Águia-real e noutros casos, por grifos, situação que não deverá ser a causa do abandono da Águia de Bonelli, mas antes uma consequência. O melhoramento da gestão cinegética nas Zonas de Caça Associativas, a investigação dos aspectos alimentares e das epidemias do Coelho, o repovoamento de pombais, a vigilância e monitorização da população são tarefas que poderão contrariar a tendência regressiva dessa espécie.
Toutinegra
O grupo das aves rupícolas não fica por aqui, pois o visitante das arribas pode assistir ao espectacular voo do mais nobre representante da família dos Falconideos, que é o Falcão-peregrino, Falco peregrinus em científico. Falcão-real ou Gavião-real são designações locais raramente usadas. Esta ave que está considerada como o ser vivo mais rápido à face da terra, pois pode superar os 300 Km/h em voo picado, nidifica nas altas escarpas ao longo dos vales dos grandes rios e cerros montanhosos, sendo um especialista na caça de pombos e de outras aves, como corvídeos, estorninhos, tordos, melros. A sua população nesta área supera os 10 casais, encontrando-se estabilizada ou em ligeiro incremento demográfico.
Outra espécie muito característica das arribas é o Bufo-real, trata-se de um superpredador adaptado a caçar durante a noite e nos períodos crepusculares. Os hábitos nocturnos fazem com que seja uma ave de difícil detecção, o que tem impossibilitado uma quantificação exacta do número de casais existentes, que se estima exceder os 10 casais. Estes distribuem-se pelas escarpas ribeirinhas dos grandes rios, geralmente em pequenos afloramentos rochosos com cavidades naturais onde faz o ninho. O processo reprodutivo inicia-se logo em Janeiro e Fevereiro com uma fase de chamamentos nocturnos muito característicos que constam de piares, emitidos periodicamente, que ecoam pelo vale podendo ouvir-se a vários quilómetros de distância. Após esse período dá-se a postura, num máximo de 5 ou 6 ovos que eclodem cerca de um mês de um mês mais tarde. Acerca do processo nidificante desta espécie, o falecido Dr. Reis Junior relata no seu Catálogo Sistemático das Aves de Portugal , de 1934, o seguinte episódio: “:..Em Trás-os-Montes, aonde esta espécie é vulgar, a descoberta do seu ninho representa para os pastores uma felicidade. Todos os dias de manhã levantam desse ninho as lebres, as perdizes e os coelhos que aí são depositados durante a noite, pelo bufo, para alimentação dos filhos; tendo o cuidado, porém, de todas as tardes prender os bicos dos bufos novos com um fio, para os impedir de comer durante a noite. De manhã, quando levantam a caça, soltam-lhe o bico e distribuem-lhe as partes que não utilizam, para que eles não morram de fome....”. Em relação a essa tradição são conhecidos muitos relatos de antigos pastores e cabreiros que “embotilhavam” as crias, ou seja colocavam-lhes um pau atado dentro do bico, tipo freio, que lhes impossibilitava a deglutição, e havia ainda quem, na impossibilidade de chegar ao ninho utilizasse uma vara comprida com que deitava as peças de caça pela escarpa abaixo indo recolhê-las posteriormente. Esses hábitos “parasitícos” foram muito comuns até anos recentes, tanto com bufos como com as águias real e de Bonelli, e permitiam aos pastores e cabreiros contar com um“açougue” recheado ao longo de quase toda a Primavera.
Três espécies de menor dimensão, o Andorinhão-real, a Gralha-de-bico-vermelho e o Chasco-preto, completam o lote das aves rupícolas de estatuto ameaçado, existentes no Nordeste Transmontano.
O Andorinhão-real, a que localmente atribuem o nome de Zilro, devido ao som produzido pelo seu voo rápido e sibilante, é uma ave migratória, de asas compridas e estreitas, barriga e gargantilha brancas, fazendo lembrar uma andorinha em ponto grande. Nidifica em colónias, em geral, instaladas em locais fortemente escarpados. Em Agosto, já com as crias fora dos ninhos, veêm-se bandos com numerosos indivíduos percorrendo o vale e emitindo um trinado peculiar que constitui um dos sons mais característicos das arribas.
Também a Gralha-de-bico-vermelho, da família dos corvideos, lança um grito inconfundível, dai que em terras de Miranda a designem por “(t)Chóia”, desta maneira forma ela denuncia a presença das águias que são os seus principais predadores. É uma ave sedentária que nidifica nas escarpas ribeirinhas, actualmente apenas no Douro internacional. É frequentemente acompanhada pela Gralha-de-nuca-cinzenta, perfazendo bandos conjuntos que deambulam pelos terrenos de pastagem de gado e nos matos existentes no planalto, à procura de insectos no solo.
O Chasco-preto, ou Melro barroqueiro, pequeno passeriforme de corpo negro e de cauda parcialmente branca, constitui uma das aves mais raras e localizadas do Nordeste Transmontano. Nidifica em pequenas cavidades onde constrói um ninho à base de pedras, que são trazidas durante a parada nupcial na qual o macho as oferece à fêmea. É uma ave típica da Terra Quente (Douro Vinhateiro), ocorrendo em zonas áridas com escarpas ou ladeiras pedregosas.

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