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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Tradições Culturais: O Entrudo de Podence

Careto de Podence
Consideramos ser nas tradições culturais que Podence tem uma das suas maiores riquezas. De entre todas as que existem na aldeia, a tradição dos Caretos é a que reúne uma maior representatividade, dado tratar-se de uma tradição secular.
Estamos perante uma forma insólita de ritual carnavalesco, onde o binómio “Careto/rústico transmontano” é garantia para uma fascinante experiência, ímpar na sedução e mistério. Mas, o que são afinal os Caretos? Os Caretos são personagens que representam figuras diabólicas e misteriosas, que todos os anos, desde tempos que se perdem na história, saem à rua no dia de Entrudo, aparecendo em magotes barulhentos, espalhando o terror, excitação e riso.
A aparição dos Caretos de Podence, no Carnaval, simboliza a despedida do Inverno e louva a chegada da Primavera. O Carnaval é, assim, um rito entre o pagão e o religioso. Por um lado, temos os excessos do vinho, comida, etc., como nas antigas saturnais romanas e, por outro lado, o início da Quaresma, um período de contenção no calendário religioso.
Grande parte do fascínio dos Caretos, provém das suas curiosas indumentárias confeccionadas na própria aldeia, a partir de grandes colchas de lã ou linho, trabalhadas em teares caseiros e do equipamento que carregam, ou seja, os barulhentos chocalhos e as bandoleiras.
O espectáculo dos Caretos nas suas loucas debandadas pelas ruas, acompanhadas por forte gritaria e pelo barulho ensurdecedor dos chocalhos – característica de qualquer entidade demoníaca que se preze – não conhece ordem nem chefias, deslocando-se em grupo.
Estas trupes não estão sujeitas a qualquer tipo de organização tendo, cada elemento, autonomia suficiente para levar a cabo as provocações que bem entender, não estando ninguém livre de se tornar alvo das suas investidas. As vítimas principais das suas tropelias são as mulheres, principalmente novas e solteiras.
Manda a norma que a rapariga cercada por uma das trupes seja sujeita ao ritual do chocalhar. No “chocalhar” a rapariga solteira é abraçada lateralmente e o Careto, com movimentos rápidos de semi-rotação da cintura, faz com que os chocalhos que transporta à cinta lhes batam repetidamente nas nádegas, transformando-os em verdadeiros chicotes.
Morais, refere alguns pormenores, referentes a este ritual afirmando que os Caretos «ensaiam estranhas danças com um conteúdo erótico, agitando a cintura e batendo com chocalhos nas ancas das vitimas que, para bem do corpo acompanham a dança.» (Manuel Morais 2002: p.1)9
Os Caretos, nesta região, saem à rua nas festas solsticiais de Inverno e na altura do Carnaval assumindo, actualmente, funções meramente profanas, bem distintas das que estão na origem do seu aparecimento. Relembram de facto as suas origens, mas já não com o intuito de saudar a Primavera e pedir um bom ano de colheitas e sim com um intuito mais turístico, chamar turistas a esta região.

Luperco
O mascarado é um ser superior, que goza de uma força e liberdade ilimitadas, estando acima de toda a lei humana. É como se se tratasse de um ente sagrado, mas possuído pelo diabo, que se liberta de todos os entraves e dá largas às suas faculdades de destruir e de castigar, de troçar e de acariciar, de dançar e de gritar, a seu bel-prazer.
O Carnaval em Podence é festejado de forma a fazer lembrar as suas remotas origens. Neste ritual são visíveis as raízes que ligam o Carnaval de Podence às antigas festas dos Romanos, as Lupercais, efectuadas no dia 15 de Fevereiro, segundo uns em louvor de Pan, deus dos rebanhos, dos pastores e da fecundidade, enquanto outros sustentam que seriam realizadas em honra de Luperco, também ele deus pastoril da protecção dos rebanhos contra os lobos.
Os Caretos são as figuras principais da festa, os seres quase fantásticos destes rituais pagãos, transmitidos de pais para filhos, a quem tudo é permitido.
As raparigas, nestes dias, preferem ficar em casa, vendo os Caretos da janela. Contudo, mesmo assim, acontece que os mascarados trepam muros, sobem telhados, entram pelas janelas e portas, sem pedir licença a ninguém, sempre com o intuito de irem atrás das raparigas, que nem em casa conseguem ficar a salvo de serem chocalhadas.
As “Marafonas” ou “madamos”, são os únicos elementos que são poupados das fúrias e dos ataques dos Caretos, dado que ao taparem a cara, tal como os Caretos, são considerados elementos da mesma sociedade. Os Caretos prefiguram seres demoníacos, que utilizam a arte das chocalhadas, são invasores e causadores de toda a desordem e abuso instaurados na aldeia, a que não é possível pôr termo.
Os Caretos não importunam só as raparigas. Surgem sempre em grupo e em qualquer lugar, agindo cada um por si nas suas atitudes libertárias, não desdenhando o oferecimento das portas abertas das adegas dos conterrâneos, postas à sua disposição, onde entram para saborear o fumeiro, que sempre que podem surripiam das adegas e das casas, e o vinho que os irá tornar, ao longo do dia e noite, mais atrevidos e infernais.
Contudo, os Caretos têm duas regras que cumprem rigorosamente. A primeira é dar-se a conhecer, descobrindo o rosto, sempre que se encontrem dentro de uma casa ou de uma adega, embora não lhes seja autorizado fazê-lo, nunca, em plena rua. A segunda, é poupar dos seus ataques e atrevimentos as “marafonas” (homens vestidos de mulher), visto não lhes ser permitido, em caso algum, importunar aqueles que se apresentam igualmente mascarados, de rosto coberto, ocultando a sua identidade.

Marafonas
Na peugada dos Caretos adultos seguem as suas réplicas, a uma escala reduzida, ou seja, os “facanitos”. Isto, porque manda a tradição que as crianças do sexo masculino se devem mascarar e comportar de forma semelhante à das figuras tutelares, o que prova a vitalidade da tradição transmontana. Estamos, assim, perante a aplicação prática do provérbio: “É de pequenino que se começa a torcer o diabinho…”

Mariana Especiosa do Rosário
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

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