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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

A Estela e o Meu Entendimento

Passado o primeiro desassossego da cabeceira da estela, abafados o primeiro espanto e riso envergonhados depois de tudo relido – e que sempre se manifesta na incredulidade –, instala-se o cepticismo e o abatimento dentro de mim. Dói-me por dentro. Por isso, evito passar neste local: dá-me dores e maus pensares.
A verdade, é que a arte da ciência epigráfica foi revisitada em Pinelo há uns anos atrás – quase 11, já, pelo escriturado –, e para lá da má epigrafia e da linguística duvidosa e mal paginada, evidenciam-se-me a má estilística e a má sintaxe. Passando por cima de todas estas adversidades, algumas posteriormente corrigidas e reformadas ou revigoradas, o monumento epigráfico manifesta-se em duas mensagens bem evidentes: uma notícia honorífica oculta mas bem precisa, rigorosa e sem máculas linguísticas a assinalar – uma informação tipicamente lapidar: concisa e exacta –, e uma informação factual desnecessariamente longa – teriam muito a aprender com a concisão e exactidão da epigrafia romana de há dois mil anos atrás... – e cronologicamente errada – este decreto foi elaborado em Granada a 31 de março de 1492 e não 1481 – sobre o percurso dos judeus após a sua expulsão de Castela por parte dos Reis Católicos e a sua ida para o Bairro de Baixo de Argozelo, conforme reza a tradição, de facto.
É claro que todos os textos epigráficos são públicos e para informação pública e constante, perene, transformando-se num documento político-social autêntico, credível e verosímil – o que não é o caso. Também claramente se vê que, se não desconhecermos que em Outubro de 2005 havia eleições autárquicas, podemos vislumbrar as motivações da efeméride e a necessidade da mensagem da benemerência ser bem realçada: à cabeça da estela, jaze o autor que está na origem do facto, o homo politicus por excelência e, no pé, preto no branco, são mencionados, na hierarquia bem definida, o homo economicus e o homo faber... Tudo é claro na mensagem política da lápide, se bem que não seja uma lápide honorífica típica, mas torna-se honorífica pela criação, dádiva e oferta gratuitas evidenciadas. Os interventores nomeados, pelo sacrifício pessoal que fazem na oferta suportada por dividendos próprios, são compensados política e socialmente com um estatuto honorífico que a benemerência proporciona e hierarquizando mesmo essa diferenciação: política, económica e técnica.
Já todos percebemos que estamos no universo da economia simbólica em que se descobre que a benemerência não é gratuita; apesar de simuladamente gratuita tem, pelo contrário, custos sociais elevados e não compensados. Para além da retribuição social aos egos envolvidos e da sua glorificação nominal e individual per saecula saeculorum – visando eternizar o agradecimento da sociedade – o facto lapidar é, em suma, uma propaganda política camuflada e de curto prazo mas com eficácia na permanência temporal histórica, candidatando-se, ainda, ao estatuto de imemorialidade com que o património, mais ou menos ancestral, é agraciado. Em suma, os autores, com acerto e convicção, já antes da decisão eleitoral pugnam e encontram a imortalidade social, para além dos eventuais ganhos políticos momentâneos na economia do poder.
É claro que se os mesmos intervenientes tivessem sentido a simples necessidade, incipiente ou premente, de informar o passeante, bastar-lhes-ia ter enterrado uma simples placa com a menção de Carreirão dos Judeus, evitando toda aquela algaraviada linguística e cronológica que só os diminui. Mas esse não era o objectivo final. Aquilo que eles buscaram foi, preferencialmente, o estatuto social e político que a escrita na pedra e a benemerência proporcionam, bem evidenciado aqui na nomeação individual completa e na sua diferenciação hierárquica, revelando uma situação de clientelismo político em que os intervenientes se cotizam e beneficiam mutuamente: um, construindo e vendendo o propósito aos amigos que doam a pedra e a epigrafam... É claro que não conheço nenhum dos intervenientes e não tenho nenhuma relação, próxima ou afastada, com este universo para além da proximidade da moenda. E também é claro que eu não tenho poder para colocar uma epígrafe na via pública...
É, ainda, evidente que esta leitura proposta é extensiva ao domínio da urbanidade, bragançana ou nacional. A colocação de uma epígrafe, com ou sem dislates, nunca é inocente, e nas urbes manifesta-se também esta singularidade política mais ou menos próxima, mais ou menos afastada. Até parece que nenhum político quer morrer anónimo... E o Farrusco, pois o James ressonava, ao ouvir esta frase solevou a cabeça do ladrilho e franziu os beiços em trejeito de entendimento e desapreço...
Estávamos nisto, e uma deputada nacional e europeia, em dislate opinativo, afirma que o Trump era anarquista! Que o que propunha ao mundo era a anarquia e o anarquismo! Por via do rigor que os canídeos sempre me exigem, traduzi a anarquia aos perros em versão rápida de dicionário credenciado, e eles riram, riram – mas atenderam ao meu pedido pungente de não se rebolarem, e contiveram-se a custo, sufocando o rir. E em mim demorou-se-me uma dor no coração e no entendimento.

João Manuel Neto Jacob

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