A verdade, é que a arte da ciência epigráfica foi revisitada em Pinelo há uns anos atrás – quase 11, já, pelo escriturado –, e para lá da má epigrafia e da linguística duvidosa e mal paginada, evidenciam-se-me a má estilística e a má sintaxe. Passando por cima de todas estas adversidades, algumas posteriormente corrigidas e reformadas ou revigoradas, o monumento epigráfico manifesta-se em duas mensagens bem evidentes: uma notícia honorífica oculta mas bem precisa, rigorosa e sem máculas linguísticas a assinalar – uma informação tipicamente lapidar: concisa e exacta –, e uma informação factual desnecessariamente longa – teriam muito a aprender com a concisão e exactidão da epigrafia romana de há dois mil anos atrás... – e cronologicamente errada – este decreto foi elaborado em Granada a 31 de março de 1492 e não 1481 – sobre o percurso dos judeus após a sua expulsão de Castela por parte dos Reis Católicos e a sua ida para o Bairro de Baixo de Argozelo, conforme reza a tradição, de facto.
É claro que todos os textos epigráficos são públicos e para informação pública e constante, perene, transformando-se num documento político-social autêntico, credível e verosímil – o que não é o caso. Também claramente se vê que, se não desconhecermos que em Outubro de 2005 havia eleições autárquicas, podemos vislumbrar as motivações da efeméride e a necessidade da mensagem da benemerência ser bem realçada: à cabeça da estela, jaze o autor que está na origem do facto, o homo politicus por excelência e, no pé, preto no branco, são mencionados, na hierarquia bem definida, o homo economicus e o homo faber... Tudo é claro na mensagem política da lápide, se bem que não seja uma lápide honorífica típica, mas torna-se honorífica pela criação, dádiva e oferta gratuitas evidenciadas. Os interventores nomeados, pelo sacrifício pessoal que fazem na oferta suportada por dividendos próprios, são compensados política e socialmente com um estatuto honorífico que a benemerência proporciona e hierarquizando mesmo essa diferenciação: política, económica e técnica.
Já todos percebemos que estamos no universo da economia simbólica em que se descobre que a benemerência não é gratuita; apesar de simuladamente gratuita tem, pelo contrário, custos sociais elevados e não compensados. Para além da retribuição social aos egos envolvidos e da sua glorificação nominal e individual per saecula saeculorum – visando eternizar o agradecimento da sociedade – o facto lapidar é, em suma, uma propaganda política camuflada e de curto prazo mas com eficácia na permanência temporal histórica, candidatando-se, ainda, ao estatuto de imemorialidade com que o património, mais ou menos ancestral, é agraciado. Em suma, os autores, com acerto e convicção, já antes da decisão eleitoral pugnam e encontram a imortalidade social, para além dos eventuais ganhos políticos momentâneos na economia do poder.
É claro que se os mesmos intervenientes tivessem sentido a simples necessidade, incipiente ou premente, de informar o passeante, bastar-lhes-ia ter enterrado uma simples placa com a menção de Carreirão dos Judeus, evitando toda aquela algaraviada linguística e cronológica que só os diminui. Mas esse não era o objectivo final. Aquilo que eles buscaram foi, preferencialmente, o estatuto social e político que a escrita na pedra e a benemerência proporcionam, bem evidenciado aqui na nomeação individual completa e na sua diferenciação hierárquica, revelando uma situação de clientelismo político em que os intervenientes se cotizam e beneficiam mutuamente: um, construindo e vendendo o propósito aos amigos que doam a pedra e a epigrafam... É claro que não conheço nenhum dos intervenientes e não tenho nenhuma relação, próxima ou afastada, com este universo para além da proximidade da moenda. E também é claro que eu não tenho poder para colocar uma epígrafe na via pública...
É, ainda, evidente que esta leitura proposta é extensiva ao domínio da urbanidade, bragançana ou nacional. A colocação de uma epígrafe, com ou sem dislates, nunca é inocente, e nas urbes manifesta-se também esta singularidade política mais ou menos próxima, mais ou menos afastada. Até parece que nenhum político quer morrer anónimo... E o Farrusco, pois o James ressonava, ao ouvir esta frase solevou a cabeça do ladrilho e franziu os beiços em trejeito de entendimento e desapreço...
Estávamos nisto, e uma deputada nacional e europeia, em dislate opinativo, afirma que o Trump era anarquista! Que o que propunha ao mundo era a anarquia e o anarquismo! Por via do rigor que os canídeos sempre me exigem, traduzi a anarquia aos perros em versão rápida de dicionário credenciado, e eles riram, riram – mas atenderam ao meu pedido pungente de não se rebolarem, e contiveram-se a custo, sufocando o rir. E em mim demorou-se-me uma dor no coração e no entendimento.
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