Natural de Bragança; capitão, governador do distrito de Tete; viúvo, de trinta e oito anos de idade, filho de Francisco Maria de Gouveia; morreu barbaramente assassinado em Tete, distrito de Quelimane, África Oriental, a 6 de Julho de 1867, pela gente de António Vicente da Cruz, chamado em língua cafre Bonga, que quer dizer Gato do mato.
As causas desta guerra de Tete ou, melhor, da Zambézia, eram: o Bonga, negro poderoso e cruel, haver atacado «as propriedades de colonos de prasos da corôa, e as terras de outros potentados indígenas, seus visinhos, roubando-os e matando gente ou escravisando-a» e sacrificar os indivíduos que supunha feiticeiros e aos quais atribuía malefícios recebidos.
No intuito de o prender, partiu Miguel Gouveia à frente de sessenta praças regulares, cinco oficiais e setecentos a oitocentos indígenas auxiliares armados de espingardas ou de arcos e flechas. A notícia do desastre só chegou a Lisboa a 20 de Novembro de 1867. O governador e os oficiais que o acompanhavam foram mutilados e mortos depois de lhe infligirem cruéis tormentos.
Sobre os motivos que levaram Gouveia a empreender esta expedição correram diferentes versões: diziam uns que o governador, «attrahido por negocios commerciaes que tinha com o Bonga, fizera aquella infeliz guerra de que fôra victima; outros que o Bonga, tendo-lhe fugido muitos pretos e pretas para Tete, em consequencia dos flagicios que lhes dava, fizera guerra aos moradores de Tete, devastando tudo quanto ficava fora da fortaleza; d’ahi a necessidade de o combater; e ainda outros: que ficando o Bonga na margem direita do rio Zambeze, margem aonde fica Tete, e que sendo aquelle um obstaculo poderoso para o concurso entre o mar, Quelimane e o sertão, todos os moradores estavam assustados, porque o Bonga lhes roubava todas as fazendas que iam rio acima, rio abaixo», sendo este o motivo da expedição.
A versão de que Gouveia fora levado a empreender a campanha contra o Bonga «por motivos menos nobres e legitimos, já de indisposição pessoal que tinha com o Bonga, já de obter d’elle o pagamento de sommas que lhe devia», correu também na Zambézia, e o governador de Quelimane transmitiu-a ao governador geral da província, Canto e Castro, e este ao governo de Portugal; mas depois reconheceu-se, por informações insuspeitas, que tal suposição era destituída de fundamento e injusta para a memória dum oficial que sempre gozou dos melhores créditos.
Ocupando-se do caso na câmara dos deputados, disse Joaquim Pinto de Magalhães, eleito então por Moçambique: «Devo dizer, em abono da justiça, que quando estive em Moçambique como governador geral desde 1851 a 1854 conheci Miguel Augusto Gouveia e posso affirmar que era um dos officiaes mais honrados, mais disciplinadores e mais valentes que havia na província; era um official honrado e brioso. E até o ultimo governador de Quelimane, Delfim José d’Oliveira, official intelligentissimo e insuspeito, que acaba de chegar á Europa, tambem diz que não foram os maus motivos que obrigaram aquelle governador a fazer a guerra, mas sim os bons, porque queria livrar o sultão de um regulo que lhe era tão nefasto».
Na freguesia da Sé, em Bragança, encontra-se o assento de casamento de uma, ao que supomos, irmã de Miguel Gouveia, celebrado em 1852, e por ele se vê que era filho de Francisco Xavier de Gouveia e de D.Maria Madalena, naturais de Bragança. À margem do assento há uma nota do pároco em que declara ter passado certidão desse termo para fins dos interessados se habilitarem à herança de onze contos e tantos réis depositada no ministério da Marinha e pertencente ao espólio de Miguel Augusto Gouveia, falecido no ultramar. No jazigo de mármore que a sua família (Gouveia) lhe mandou erigir no cemitério público de Bragança lê-se o seguinte:
Meu Deus, meu Deus / Porque me desamparastes.
Eis como um contemporâneo narra o facto: «O Bonga sabe diariamente o que se passa em Tete, sabe que o governador (capitão Gouveia) se aproxima. Abandona a aringa. Os de Tete tomam posse d’ella. Contentamento geral. Comem e bebem talvez demasiadamente. Ao mesmo tempo annuncia-se a chegada do auxilio de duzentos pretos que o Belchior do Nascimento, capitão-mór do Guengue, havia prometido.
Entraram.Mas, desgraçadamente, é a temivel guerrilha, que não foi reconhecida. Em ocasião propria, que não tardou, lança-se aos de Tete, cortando-os a golpes de faca e machadinha. Não escapou um official, morador ou soldado europeu. Escaparam muitos pretos. É conservada a vida ao governador. Depois de o martirisarem durante alguns dias, cortam-lhe as orelhas e concedem-lhe a liberdade, liberdade que elle recusa aceitar.
Então o Bonga, lançando mão de uma espingarda caçadeira de dois canos, dispara á queima-roupa sobre o desgraçado».
No primeiro arruamento, à esquerda de quem entra, do cemitério público de Bragança há uma sepultura pelo sistema de vaso, formado por guarnição rectangular de granito, cheio de terra para plantação de flores, sobre o qual se eleva uma coluna cilíndrica de mármore encimada por uma cruz assente sobre plinto do mesmo material, com talvez três metros de altura, no todo. Numa faixa que envolve a coluna ostenta-se uma coroa de carvalho (?) em relevo, atravessada por uma espada e por cima desta a legenda: Meu Deus /porque / me desamparaste.
Na face sul do plinto lê-se: Aqui jaz / D. Maria Magdalena / da Veiga Cabral de Gouvea / a sua saudosa memoria / alevantarão esta pedra / seus extremosos filhos / Miguel Augusto de Gouvea / Carlos Luiz de Gouvea / Christina Carolina de Gouvea / Anna Carolina de Gouvea / Anno de 1868.
No lado oposto havia a inscrição referente ao trucidado Miguel Augusto Gouveia, que há pouco apagaram cobrindo-a de cimento (!!), no intuito provável de ali gravarem o epitáfio de outro personagem, o que ainda não fizeram, limitando-se a mandar pintar a tinta de óleo os seguintes dizeres:
Jazigo da / Família Gouveia N.° 65.
Que tristeza!... A própria família a tentar apagar a memória do seu representante máximo, a memória de quem foi alguém na Pátria!!!...
Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança
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