sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Bragança como região ou cabeça dos povos bragançanos e seu termo como cidade

Segundo vimos pela escritura de Astorga, na qual o bispo desta diocese reclamava, em meados do século IX, como pertencendo-lhe a região ao oriente do rio Tuela até desaguar no Douro, a que correspondia o nome geral de Bregancia, somos levados a concluir que a nossa cidade, pela sua importância, era a cabeça dos povos deste nome, numa extensão tão grande como a do seu actual distrito, tirada a estreita faixa do terreno que, nos concelhos de Vinhais e Mirandela, fica ao ocidente daquele rio.
A sua limitação, pelo que diz respeito ao lado norte e nascente, seria com pouca diferença a actual, como o mesmo documento deixa ver e Herculano confirma. Será, talvez, aqui ocasião oportuna de corrigir uma afirmação menos exacta deste grande escritor.
Diz ele que: «Desde Montalegre até Bragança nenhuns documentos nos autorizam a supor que os limites do país fossem subsequentemente alterados, devendo-se por isso crer que são os mesmos desde princípio da monarquia». Mas o foral dado por el-rei D. Afonso IV, em 29 de Julho de 1325, aos «moradores das aldeias darçadigas de Tarroso de Regesende de souto chaão de verrandy de meyalde de santa comba de Castrellos e de mourisco e doutro Castrellos e da Veiga», hoje pertencentes a Espanha, confinando com os concelhos de Chaves e Vinhais pelas alturas do seu ponto de junção, deixa ver que então pertenciam a Portugal, sofrendo, portanto, alteração aqui a raia divisória.
De passo observaremos que Pinho Leal diz erradamente, de onde vários outros escritores têm tirado a notícia, que o Castrelos mencionado no foral é a povoação deste nome ao poente e não longe de Bragança; é, porém, bem manifesto o erro a quem ler o foral.
Se do conceito geral de região passarmos ao particular de divisão administrativa, vemos que o foral dado a Bragança por el-rei D. Sancho, em 1187, escreve: «damus etiam civitati Bragantie, et populatoribus ejus, totam Braganciam, et Lampazas», de onde concluímos que, neste sentido, a nossa cidade e a região denominada Lampaças constituíam o seu território concelhio que, a julgar por um documento de 1461, adiante transcrito, estava dividido em quatro secções determinadas pelos sistemas orográfico e hidrográfico chamadas comarcas, mas não no sentido judicial da palavra. Tais eram:

COMARCA DE LAMPAÇAS

Com estes povos:
Sortes.
Vale de Nogueira.
Fernande.
Podence.
Amendoeira.
Castelãos.
Grijó.
Morais.
Lagoa.
Talhas.
Salsas.
Talhinhas.
Izeda.
Gralhós.
Macedo do Mato.
Vinhas.
Castro Roupal.
Vila Boa de Carção.
Serapicos.
Pinela.
Quintela.
Vale Benfeito.
Bagueixe.
Bornes.
Vale da Porca.
Gradíssimo.

Com estes povos:
Meixedo.
Rabal.
Soutelo.
Donai.
Cova de Lua.
Vilarinho.
Terroso.
Espinhosela.
Parâmio.

Com estes povos:
Parada de Infanções.
Grijó.
Freixedelo.
Alfaião.
S. Julião.
Babe.
Sacoias.
Baçal.
Vale de Lamas.

COMARCA DE TRÁS BACEIRO

Fontes.
Maçãs.
Zeive.
Mofreita.
Dine.
Moimenta.
Fresulfe.
Carragosa.
Samil (?).

COMARCA DE TRÁS MONTE

Com estes povos:
Castrelos.
Conlelas.
Nogueira.
Formil.
Zoio.
Gondesende.
Portela.
Lagomar.
Alimonde.
Carrazedo.
Vila Boa.
Ousilhão.
Vilar de Peregrinos.
Edrosa.
Penas Juntas.
Melhe.
Celas.
Mós.
Espadanedo.
Ferreira.
Martim.

Estas povoações não dão a soma das existentes no território de Bragança, apontado pelo foral; é, porém, natural que algumas deixassem de cooperar na causa, onde também não figurariam as que gozavam de liberdades, privilégios e isenções municipais, e outras, estando anexadas, seriam representadas pela cabeça principal; mas deixam ver qual era a extensão do território bragançano, debaixo do conceito de concelho.
Além destas quatro regiões, em que estava dividido o território bragançano, era-lhe comum, com Miranda do Douro, a denominada «Lombo de Carvalhais», cuja existência se deduz da carta foralenga dada a Paçó de Outeiro, em 1408, que se inscreve «Pallaçoyllo de Monte de Carvalhaes»; e numa sentença dada em Gimonde, concelho de Bragança, a 25 de Novembro de 1454, pelo duque da mesma cidade, D. Afonso, vê-se que Paçó e Rio Frio, lugares do termo da vila de Outeiro, estavam situados na região denominada «Lombo de Carvalhais».
Como vemos, o termo da cidade de Bragança era então muito mais extenso do que hoje. A nordeste da cidade abrangia parte do território incorporado depois pelo foral de D. Manuel, dado a Outeiro em 11 de Novembro de 1514, no concelho desta vila, cujo território se formou à custa do de Bragança e Miranda.
De passo, advertiremos que não parece ser D. Dinis quem fez construir as fortificações de Outeiro, como diz Pinho Leal (115), pois na Câmara de Bragança há um pergaminho, hoje depositado no Museu Municipal, passado aos 28 de Agosto de 1355, onde se vê que os moradores de Outeiro pediam a el-rei «que mandasse cercar e ffazer bila cercada no dito logo douteyro... e lhy desse termho agressado das bilas e comarca da redor». Mas, sendo consultados os procuradores de Bragança e Miranda do Douro, como partes interessantes, responderam que tal pretensão não devia ser atendida, se bem que em 1438 já o seu castelo existia.
Além disso, pelo Sul e Poente, os pequenos concelhos, hoje incorporados no de Macedo de Cavaleiros, Alfândega da Fé e Vinhais, foram sucessivamente, à maneira que iam adquirindo foros de autónomos, cerceando o território de Bragança como região concelhia.
Demais, a tendência evolutiva dos princípios de emancipação, cuja alma mater eram as instituições municipais, desde as fórmulas simples de privilégios, isenções e reguengos até aos concelhos mais ou menos perfeitos, sendo a fervente aspiração da Idade Média, fazia irromper, no vasto escorço do concelho bragançano, soluções de continuidade pelo que toca a jurisdição administrativa, eriçando-a de sumidades intangíveis, e assim vemos territórios concelhios encravados no termo de Bragança [17], como:
Rebordãos, em 1208.
Milhão, em 1227.
Vale de Prados de Milhão, em 1227.
Vinhais, em 1253.
Frieira, em 1282.
Vila Franca, em 1286.
Vale de Prados, em 1287.
Ervedosa, em 1288.
Gostei e Castanheira, em 1289.
Rio Frio, em 1299.
Palaçoilo de Monte de Carvalhais, hoje Paçó de Outeiro, em 1408.
Vila Franca, Frieira, Bousende e Moimentinha, Pombares, Failde e Carocedo, Rio de Onor, Guadramil e Petisqueira obtiveram instituições municipais, mais ou menos completas, consignadas em cartas foralengas que lentamente as foram isentando da jurisdição de Bragança. Os nossos reis, durante muito tempo, não por convicções próprias ou mediato interesse dos povos, mas por razões de egoísmo especial, favoreceram o incremento das liberdades municipais para contrabalançarem a rapacidade e insolência dos grandes fidalgos e senhores, no que, sem querer, prestaram grandes serviços àquelas, levando assim o contingente do terceiro estado a cooperar, como é de justiça, na evolução da fórmula social; mas, desde que se encontraram servidos, trataram de centralizar, despótica e ingratamente, todo o poder em suas mãos, para o que influíram poderosamente as ideias da Renascença: muitos concelhos foram suprimidos a propósito ou despropósito de medidas de economia, e os que ficaram, vasquejando nas agonias da impotência, arrastam a miserável vida que vemos, mas o de Bragança ainda até hoje não atingiu a extensão territorial que lhe dera o grande D. Sancho I.
E, porque algo faz ao nosso propósito e dá um pequeno contingente para esclarecer uma dúvida de Herculano, que muito nos interessa para aqui, transcrevemos o seguinte do grande historiador: «O distrito de Ledra intestava com Bragança e pertencia a Portugal (Livro II de Afonso III, fol. 70 v.); mas onde ficava situado? Devia ser contíguo ao de Lampazas e ambos ao sudoeste de Bragança e ao nordeste de Mirandela; pelo menos este último concelho pretendia exercer aí jurisdição (Nova Malta, tomo I, § 115 ad fine). E em 1196 doava Sancho I a Fernando Fernandes a vila de Sesulfe, na terra de Lædra (Archivo Nacional, G. 3, M. 7, nº 2)».
Eis o que se nos oferece dizer a tal respeito: O Tombo dos Bens do Cabido de Miranda, feito por ordem de Justiça em 1696, em sua segunda parte, confirmada em 1696, fol. 16, manuscrito existente no Arquivo do Cabido em Bragança, mais de uma vez por nós citado, tratando de marcar os limites do termo de Ervedosa, diz: «Commeçam os confins do dito termo em o marquo que chamão do Couto a donde se divide o termo de Bragança e Ledra e se achou que o dito termo d’esta villa (Ervedosa) para aquella parte do dito marquo que chamão do Couto hia em direitura ao alto do Cabbeço a que chamam dos Alagãos a donde
parte o termo de Villarinho e Lamalonga e dhai direito a Escaura passando em direitura pela Borda da quinta da Argana ficando esta fora do dito termo e da Escaura direito a marra que esta no fundo daquelle Cabbo das Vinhas do logar de Fornos e dhai direito ao rio de Tuella, e dhai veia dagua assima até o direito do serro de Penas Juntas pello fio do serro e mais alto delle athe pedra da Esculqua que esta na estrada de Bragança e dhai toda a estrada abaixo, digo thoda estrada Velha abaixo athe o marquo do Couto, adonde começou esta demarcação, e nesta forma fica demarquado o termo d’esta villa na forma do foral della».
Esta demarcação vai de harmonia com o foral da vila de Ervedosa, que damos nos documentos; mas quisemos transcrevê-la por fornecer alguns elementos de certo interesse onomástico.
Pelo que toca ao termo da cidade, veja-se adiante os documentos n.os 60 e 77, que damos na íntegra, e principalmente o último, onde há notícias de muito interesse sobre o assunto, e outros.



Memórias Arqueológico-Históricas
do Distrito de Bragança

Sem comentários:

Enviar um comentário