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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 27 de janeiro de 2018

O vinho bom tem que ser velho. Tretas!

Tirando aquelas raridades que podem valer fortunas em leilões, ou alguns vinhos fortificados tipo Porto e Madeira que conseguem sobreviver a várias gerações, faz pouco sentido guardar vinhos “eternamente”, como se fossem relíquias arqueológicas.

Há uns 20 anos, quando vivia em Bragança e dava umas escapadas a Zamora para comprar vinhos espanhóis, entrei pela primeira vez em contacto com um tinto da Rioja que hoje pertence à Sogrape: Bodegas LAN. As garrafas inspiravam confiança, em particular o contra-rótulo. Foi a primeira vez que vi um contra-rótulo com um gráfico que estimava a vida útil do vinho e a sua plenitude. Numa curva de evolução de 15 anos, o produtor situava o auge do vinho nos 10 anos, por exemplo.

Para mim, era uma informação preciosa. Fui comprando algumas garrafas, mas, que me lembre, nunca esperei pelo seu auge. Não tinha paciência. Fiz mal? Não sei. Em novos, os tintos da Rioja são um pouco duros de taninos, mas há 20 anos um leigo como eu queria era beber vinhos extraídos e poderosos, com longos estágios em barrica. Estávamos em plena era Parker. Se tivesse guardado as garrafas, podia ter desfrutado mais do vinho. Mas também podia ter tido um desgosto, porque os vinhos nem sempre evoluem como nós esperamos.

O produtor pode estimar o momento óptimo de um vinho, mas desde que a garrafa sai da adega é uma bebida, digamos, à deriva. O seu percurso passa a depender da forma como o guardamos (para envelhecerem bem, os vinhos precisam basicamente de um lugar limpo, escuro e fresco) e também da mesma aleatoriedade que acompanha qualquer ser vivo. À partida, só existe uma certeza: mesmo o melhor vinho, vai morrer um dia. O único destino garantido de um vinho ou é o vinagre ou é, no fim da linha, a água, quando toda a matéria se precipitar.

Sabendo isso, e tirando aquelas raridades que podem, pelo nome e ano de colheita, valer fortunas em leilões, ou alguns vinhos fortificados tipo Porto e Madeira que conseguem sobreviver a várias gerações, faz pouco sentido guardar vinhos “eternamente”, como se fossem relíquias arqueológicas. Claro que também podemos ter mais a perder do que a ganhar se bebermos um vinho cedo de mais. Um grande tinto de Bordéus, por exemplo: se o bebermos muito novo, podemos até gostar, mas dificilmente ficaremos emocionados e diremos que vale o que custa. Os bons vinhos, mesmo aqueles que parecem nascer perfeitos, precisam de tempo para se elevarem a um outro nível sensorial, mais preciso e refinado. Com o vagar dos anos, o vigor frutado da juventude vai-se desvanecendo e dando lugar a aromas e sabores mais delicados e complexos de evolução. A plenitude chegará algures entre a irrequietude da nascença e a agonia da velhice. Adivinhá-la, antes que o vinho se torne numa “imponente ruína”, para citar Machado de Assis (Memórias Póstumas de Brás Cubas), é o grande desafio que se coloca ao enófilo.

Definir o tempo certo do vinho requer alguma sabedoria e paciência, mas depende sempre do vinho. Em geral, os tintos do Douro ou do Alentejo são mais agradáveis em novos do que os tintos da Bairrada, por exemplo. Estes precisam de mais tempo para mostrarem o que valem. E depende também do gosto de cada um. Há pessoas para quem o tempo certo é ao fim de um ou dois anos, quando os sabores primários predominam. Ninguém as pode criticar por isso. Nem toda a gente tem de gostar de vinhos mais evoluídos. De resto, a maioria dos vinhos velhos tem pouco interesse. A idade não garante nada. E, mesmo que garantisse, seria pura arrogância dizer que quem não gosta de vinhos velhos não percebe nada de vinhos.

Na semana passada bebi um extraordinário tinto Gonçalves Faria Tonel 5 de 1988. Foi feito por uma lenda da Bairrada, um produtor amante da caça e de uma boa borga com os amigos. Os seus vinhos são dos mais longevos da Bairrada. Ou melhor: são dos que duram mais tempo em boa forma. Mas Gonçalves Faria, o próprio, gostava era de vinhos novos, com três ou quatro anos, no máximo.

Em novos, os vinhos da casta Baga costumam ser algo ríspidos. Pelos vistos, Gonçalves Faria não usava só Baga. Quem lidou mais de perto com ele garante que também incorporava outras castas regionais mais macias e alguma Touriga Franca do Douro. Gonçalves Faria era amigo de Luís Roseira, da Quinta do Infantado, e num ou noutro ano trocariam vinhos entre eles. Mesmo que isso tenha acontecido, seria ofensivo insinuar que o segredo dos seus vinhos estava na Touriga Franca do Douro. Os seus tintos, onde imperava a Baga, eram do mais bairradino que se possa imaginar. Vinhos de recorte clássico, com garra tânica e grande acidez. Os melhores, como o famoso Tonel 5 de 1990, são hoje hoje verdadeiros ícones da Bairrada. Quem guardou garrafas desse vinho ou do 1988, por exemplo, acertou. Os vinhos continuam inteiros e vibrantes e estão ao nível dos melhores do mundo.

Neste caso, correu bem ( e depende sempre da garrafa), mas podia correr mal. Por vezes, perdemos grandes vinhos e grandes momentos porque esperamos de mais por eles. A quem não aconteceu já ter guardado uma garrafa com tanto empenho, a pensar no tal dia especial, e chegado esse momento constatar que o vinho já tinha morrido? Teríamos feito melhor se a tivésssemos bebido cedo de mais.

Vamos então começar a desbastar as nossas garrafeiras e a beber apenas vinhos novos? Não precisamos de ser tão radicais. Do mesmo modo que sofremos dissabores com muitos vinhos velhos, também nos acontece abrirmos garrafas esquecidas que estão extraordinárias. Pode, por isso, valer a pena esperar um tempo razoável por alguns vinhos (agora mais do que nunca, pois os vinhos nacionais estão a chegar cada vez mais cedo ao mercado. A necessidade de liquidez pode justificar esta pressa por parte de muitos produtores, mas há outros que, pelo seu poder económico e pelo prestígio que os vinhos já alcançaram, não têm grande desculpa. Faz algum sentido que vinhos como o duriense Chryseia, por exemplo, comecem a ser vendidos logo ao fim do segundo ano?). Um tempo razoável, nunca uma vida inteira.

Vinte anos depois de ter descoberto os vinhos das Bodegas Lan com gráficos no contra-rótulo estimando a sua vida útil, estou um pouco mais paciente. E gosto mais de vinhos velhos do que gostava. Mas o tempo certo do vinho continuo a defini-lo pela ocasião. O tal dia especial pode ser já amanhã, se as circunstâncias e a companhia o justificarem. Que adianta ir guardando vinhos a esmo se não sabemos se vamos estar cá para os beber? Ficam para os filhos, os netos, os genros, as noras... Sim, sim. Chamem-me egoísta.


Pedro Garcias
Jornal Público

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