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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

O VÉIO

Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)

VÉIO CAIPIRA PICA-FUMO
Eu tava bão inté aquela hora. Inda intentei chamá minha fia, mais ela num mi iscuitô! Inté pensei que podia pelejá  co´as dô,  passano um café forte ô fazeno um chazim de capim santo. Mais a dô num passava. Era uma dô no peito que só veno! Inda agorinha ela mi bateu aqui nas paqüera; num pudia nem toma fôrgo!
Oiei nu patacão pindurado adetrais da porta: era duas hora da madrugada. Pros lado do quarto da fia num se iscuitava nada; deviam de tar durmino! Saí do meu catre de jirau cum cochão de páia. Pensei de í no quintár tomá ar fresco. Distramelei as duas parte da porta e me irrompi no quintár. Lá fora tava crarinho; parecia que um farolete tava alumiano a casa, os teiado, os chiquero coás marrã i os marrão gordo; os pulero cheio de ligorna e ródia; tudas ela quietinha! Só o galo índio deu um cocorocô quarqué, bem de mansinho. A lua táva linda, cheia, intêra. Lembrei que fazia muitos ano que num arreparava que a lua era tão bunita! Senti saudade da finada minha muié, que tinha a mania de decramá verso quando a noite era de lua cheia.

Eu tava cô´a cara moiada. Me admirei um pôco. Já tenho quase setenta ano nas costa e inda sinto saudade darguém, que já se foi faiz cinco ano! Sintí uma mão nos ombro. Minha fia foi vê o que o véio foi fazê lá fora numas hora dessa. Ela me abraçô cuma há muito tempo nem queria pensá. E moiô a brusa co’as minha lágrima. Falei pra ela que táva cum saudade  da Maria. Ela me disse que tamém táva, mais que a vida tinha de continuá. Eu disse pra minha fia que amava ela, i que amava a Maria tamém! Falei que achava  uma pena que nunca tinha tido coráge pra contá pra Maria, do meu amor por ela. Eu só pensava em trabaiá. Das veiz o cansaço da lida era tanto que durmia em seguida de comê um prato de comida.
Eu dormia co’as galinha! Nos domingo táva sempre sem disposição de í assistí a missa ô visitá um cumpadre. Falei pra minha fia tuda essas coisa, i ela ó dizia: - tá bom pai, tá bom pai! E eu chorei como nunca tinha chorado na vida! Nóis entremo. Tudo os neto acordáro; uns disséro que távam cum fome, ôtro que doía um dente. Demo de comê pra unsunzotro, fizemo chá de capim santo, - inté eu tomei um poquim! Minha fia me pois na cama, tar e quar faz co´s bacurim dela, me cobriu, me deu um bejo e disse que me amava. Naquele resto de noite meu espírito deu revestrés! Sonhei que táva oiano a casa de cima do teiado, depois de mais encima, dispois tudo azulô. Eu intão vi um enorme jardim, muito bunito, com muitos banco e bacurim pra tudo que era lado. E vi a Maria num banco rindo pra mim. E ela era cuma eu conheci nas flor dos seu quinze ano.


Foto da Maria aos 15 anos de idade
Ela me abraçô cum força i me disse que a fia e os neto iam ficá bem. E se riu do boné que eu tinha na cabeça; boné que a mãe dela me deu no dia em que fui pedi ela em namoro. Oiei o boné. Percebi que eu usava suspensór e táva de carça curta. Eu tamém era menino.
Se fez noite de lua cheia. Lembrei dos tempo passado e dos meu deslexo co’as coisa do amor. Disse pra Maria que eu amava ela! E ela correspondeu e inda recitô uma poesia pra mim.
- Só intão eu me dei conta: eu táva no Paraiso!

(Texto Criado em 15.12.2011)
GLOSSÁRIO À LA ANTÓNIO TORRÃO
Acordáro = acordaram.
Bacurins = crianças.
Chazim = pequena quantidade de chá.
Chiqueiro = espaço reservado para criação e/ou ceva de porcos; pocilga.
Distramelá = destravar (portas e/ ou janelas). As taramelas são travas rústicas, mormente feitas de madeira, retangulares, com furo central, donde é fixado um parafuso que serve de eixo. A taramela na posição vertical significa que a porta/janela está destravada; na posição horizontal, estão travadas.
Durmí co´as galinha = ir dormir cedo, tão logo escureça.
Suspensór = suspensório.
Paqüera = região do pescoço.
Passá um café = Coar o café; ato de despejar água fervente sobre o café moído, dentro do coador.
Patacão = relógio com mostrador de grande diâmetro.
Pelejá = lutar.
Pulêro = poleiro.
Táva = estava.
Unzunzôtro = uns e outros.

REFERÊNCIAS

- Pintura em óleo do “Caipira Pica-Fumo”, de autoria de um dos mais importantes pintores brasileiros de todos os tempos: José Ferraz de Almeida Júnior (Séc. XIX)-Viveu apenas 49 anos. Era caipira de Itu (SP).
- Imagem da Maria colhida na internet, sem autores definidos.

Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.

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