São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)
VÉIO CAIPIRA PICA-FUMO |
Oiei nu patacão pindurado adetrais da porta: era duas hora da madrugada. Pros lado do quarto da fia num se iscuitava nada; deviam de tar durmino! Saí do meu catre de jirau cum cochão de páia. Pensei de í no quintár tomá ar fresco. Distramelei as duas parte da porta e me irrompi no quintár. Lá fora tava crarinho; parecia que um farolete tava alumiano a casa, os teiado, os chiquero coás marrã i os marrão gordo; os pulero cheio de ligorna e ródia; tudas ela quietinha! Só o galo índio deu um cocorocô quarqué, bem de mansinho. A lua táva linda, cheia, intêra. Lembrei que fazia muitos ano que num arreparava que a lua era tão bunita! Senti saudade da finada minha muié, que tinha a mania de decramá verso quando a noite era de lua cheia.
Eu tava cô´a cara moiada. Me admirei um pôco. Já tenho quase setenta ano nas costa e inda sinto saudade darguém, que já se foi faiz cinco ano! Sintí uma mão nos ombro. Minha fia foi vê o que o véio foi fazê lá fora numas hora dessa. Ela me abraçô cuma há muito tempo nem queria pensá. E moiô a brusa co’as minha lágrima. Falei pra ela que táva cum saudade da Maria. Ela me disse que tamém táva, mais que a vida tinha de continuá. Eu disse pra minha fia que amava ela, i que amava a Maria tamém! Falei que achava uma pena que nunca tinha tido coráge pra contá pra Maria, do meu amor por ela. Eu só pensava em trabaiá. Das veiz o cansaço da lida era tanto que durmia em seguida de comê um prato de comida.
Eu dormia co’as galinha! Nos domingo táva sempre sem disposição de í assistí a missa ô visitá um cumpadre. Falei pra minha fia tuda essas coisa, i ela ó dizia: - tá bom pai, tá bom pai! E eu chorei como nunca tinha chorado na vida! Nóis entremo. Tudo os neto acordáro; uns disséro que távam cum fome, ôtro que doía um dente. Demo de comê pra unsunzotro, fizemo chá de capim santo, - inté eu tomei um poquim! Minha fia me pois na cama, tar e quar faz co´s bacurim dela, me cobriu, me deu um bejo e disse que me amava. Naquele resto de noite meu espírito deu revestrés! Sonhei que táva oiano a casa de cima do teiado, depois de mais encima, dispois tudo azulô. Eu intão vi um enorme jardim, muito bunito, com muitos banco e bacurim pra tudo que era lado. E vi a Maria num banco rindo pra mim. E ela era cuma eu conheci nas flor dos seu quinze ano.
Foto da Maria aos 15 anos de idade |
Se fez noite de lua cheia. Lembrei dos tempo passado e dos meu deslexo co’as coisa do amor. Disse pra Maria que eu amava ela! E ela correspondeu e inda recitô uma poesia pra mim.
- Só intão eu me dei conta: eu táva no Paraiso!
(Texto Criado em 15.12.2011)
GLOSSÁRIO À LA ANTÓNIO TORRÃO
Acordáro = acordaram.
Bacurins = crianças.
Chazim = pequena quantidade de chá.
Chiqueiro = espaço reservado para criação e/ou ceva de porcos; pocilga.
Distramelá = destravar (portas e/ ou janelas). As taramelas são travas rústicas, mormente feitas de madeira, retangulares, com furo central, donde é fixado um parafuso que serve de eixo. A taramela na posição vertical significa que a porta/janela está destravada; na posição horizontal, estão travadas.
Durmí co´as galinha = ir dormir cedo, tão logo escureça.
Suspensór = suspensório.
Paqüera = região do pescoço.
Passá um café = Coar o café; ato de despejar água fervente sobre o café moído, dentro do coador.
Patacão = relógio com mostrador de grande diâmetro.
Pelejá = lutar.
Pulêro = poleiro.
Táva = estava.
Unzunzôtro = uns e outros.
REFERÊNCIAS
- Pintura em óleo do “Caipira Pica-Fumo”, de autoria de um dos mais importantes pintores brasileiros de todos os tempos: José Ferraz de Almeida Júnior (Séc. XIX)-Viveu apenas 49 anos. Era caipira de Itu (SP).
- Imagem da Maria colhida na internet, sem autores definidos.
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.
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