Primeira página do 5.º número de O Nordeste |
Em 1888, A Luz: “Lançando de chofre a vista para o estado atual das nações europeias e americanas, quase todas empórios da indústria e do comércio, considerando-lhe, por um momento, a organização política e administrativa, e volvendo-a depois para o nosso malfadado País, ficamos espantados por vermos que uma Nação que possui um País colonial esplêndido e ferocíssimo, uma população económica por essência e trabalhadora por inclinação, com um torrão como não há melhor no mundo e num clima sem rival, ficamos espantados, repetimos, por ver também o supremo grau de rebaixamento social a que estamos reduzidos”.
“Possuindo nós produtos da indústria fabril e agrícola suficientes para o nosso consumo e exportação, importamos, por serem mais baratos, esses produtos de estranhos. E a quem devemos a competência desses produtos com os nossos? Ao péssimo tato político dos nossos homens de Estado que quase sempre são revestidos duma ignorância tal de economia política que as consequências de tal ignorância são o nosso aniquilamento.”
“É incontestável que outros homens têm aparecido com todas essas qualidades, mas ordinariamente são sufocados à nascença pela ambição duns e ignorância doutros, e muitas vezes pela malvadez de ambos. Nestas condições, que nação há de progredir? É totalmente impossível a sustentação dela.”
Do mesmo modo, O Democrata, em 1896: “Infelizmente hoje nem ao menos nos é dado ver as ruínas desse passado ativíssimo, devido aos governos da realeza que nada mais têm feito do que amesquinhar Bragança, esquecendo que, como sentinela avançada em frente da vizinha Espanha, que até em constantes pesadelos os seus naturais nos cobiçam, ela, a mártir no abandono, era credora dos melhores carinhos, como mostraremos”.
“A sua indústria completamente morta, visto que na mais recôndita das suas ruas se ouve já o bater compassado dum único tear; o comércio, esse está nas mesmas condições, e, exceto os que vendem géneros alimentícios, não pode já satisfazer as pesadas contribuições dia a dia agravadas, e muito menos ocorrer às despesas da mais frugal alimentação. A agricultura, que muito propositadamente deixamos para agora, essa enferma da mesma causa”.
Face a esta situação, os jornais bragançanos exigem do Governo os necessários investimentos na região, tanto ao nível das rodovias e outras infraestruturas, como ao nível da agricultura, da indústria e do comércio.
Assim, A Luz, em 1888, dirá: “Ao Governo compete, pois, empregar todos os meios ao seu alcance, tais como o do prolongamento da linha férrea de Mirandela, devendo daqui partir um ramal com términus em S. Pedro da Silva, criando um curso especial para o fomento da indústria marmórea, etc.” O Nordeste fará reivindicações no mesmo sentido: “Assim como sem semear ninguém colhe senão frutos silvestres e bravios, sem despender capital ninguém aufere do trabalho outra riqueza que não seja o cansaço e a fadiga. Se o Governo, pois, quer fomentar, como é seu dever, a produção de riqueza nacional, tem de espalhar muitos capitais por sobre as províncias, que, como a de Trás-os-Montes especialmente, vão definhando à míngua deles”.
“No desenvolvimento de uma região é solidária a Nação inteira; e conforme no passado as províncias menos favorecidas dos benefícios do Estado concorreram para o progresso das outras, hoje não podem estas sem injustiça deixar de cooperar para o levantamento daquelas. Todos temos igual direito aos benefícios do Estado, e os dinheiros públicos não podem por isso ser despendidos unicamente nas zonas centrais do País. E assim, porque é necessário levantar a produção agrícola deste Distrito, porque é mister criar-lhe indústrias adequadas, porque é indispensável fomentar-lhe o comércio, para que ele não venha a ser um sertão africano enxertado no continente europeu, porque os capitais se têm retraído por falta dos melhoramentos públicos que lhes dariam garantia de boa remuneração, é de necessidade inadiável que o Estado faça uma sementeira de ouro em toda esta região transmontana, para a levantar ao ponto a que a exportação do seu solo feracíssimo, mas abandonado, a pode erguer.”
“Fala-se muito nas charnecas alentejanas, como exemplo de abandono, e por vezes já os poderes públicos têm voltado para ali as suas atenções; porém, se se comparar o número de quilómetros quadrados dessas charnecas em relação à área alentejana com o número de quilómetros quadrados dos incultos trasmontamos em relação à superfície da Província, a comparação é desfavorável a esta região do norte e muito especialmente depois que a vinha foi abandonada à filoxera.”
“A primeira região, pois, que deve atrair a atenção do Governo, porque é a mais desgraçada, a mais abandonada, e aquela que melhor pode compensar os capitais que no seu levantamento se empreguem, é por sem dúvida esta que fica a nordeste no mapa do País. Em Trás-os-Montes não há grande propriedade, aqui faltam completamente os landlords que se impõem aos governos para os obrigar até ao cometimento de crassos erros económicos, que causam o depauperamento do País mas o engrandecimento desses grandes senhores da terra”.
“Além de diversas disposições legais que se tornam indispensáveis, e que têm de ser excecionais para esta Província porque excecionais são também as circunstâncias em que se encontra, é urgente que o Governo, para cooperar no nosso desenvolvimento, dê incremento à viação neste Distrito, tanto ordinária como acelerada, e é indispensável que chame capitais à Província, já pela constituição de companhias exploradoras de suas riquezas, já pela criação de estabelecimentos de crédito rural.”
”Corre o boato entre as pessoas que bebem do fino, que vai mui brevemente proceder-se à construção do prolongamento do caminho-de-ferro de Mirandela a esta Cidade. Parece-nos um petardo de dimensões razoáveis, para não dizermos uma fantasmagoria de vidente. Aí fica a título de curiosidade… arqueológica.”
O Norte Trasmontano, a propósito do caminho-de-ferro a Bragança: “Cá voltamos de novo, queridos leitores e gentis leitoras, ao nosso tema favorito, ao nosso dileto Decauville [sistema de caminho-de-ferro de via ultraestreita], que tanto barulho fez em números anteriores do nosso modesto semanário.”
“Temos pugnado aqui por este melhoramento, que julgamos vital e suficiente por muitos anos, com todas as veras da nossa alma e sem reservas mentais de espécie alguma, e ninguém nos tem querido ouvir, à exceção, está claro, dos peticionários, que nada poderão fazer sem o auxílio e boa vontade de toda a coletividade brigantina e do Governo em especial”.
“Porque se há de esgotar toda força e energia em dissolver concelhos, que não têm culpa alguma dos desastres do País e que entram em tudo isto como Pilatos no Credo, e se há de ser tão remisso para o que é de verdadeira e incontestável necessidade, já não diremos para o nosso engrandecimento, mas para irmos entretendo a existência, que se vai tornando fardo demasiado até para pessoas ainda ontem abastadas?...”
“Pois hão de se gastar tão levianamente centenas e milhares de contos de réis em terras que os não precisam e pouco falta para lhe terem concedido o exclusivo … da água, se pudesse, e deixar correr à revelia tudo o que diga respeito a este Distrito, tratando-nos com inferior consideração à dos párias da antiguidade?”
“Desinteressem-se dessa política facciosa e reles que tudo envenena e vamos pedir, reclamar, sendo preciso, do Governo, que acuda a esta depauperada região, já garantindo o juro de cinco por cento à companhia que se organizar para a construção e exploração do Decauville, já construindo-o o Governo por si mesmo, no que não gastaria evidentemente quantia superior ou igual sequer a qualquer viagem real, perfeitamente dispensável, ainda que só seja de dois meses…”
Ataques à administração local Não é só a administração central que os jornais de Bragança culpam pela situação em que se encontrava o Distrito de Bragança. A Câmara da Cidade também era responsabilizada inúmeras vezes pelas questões que tinham a ver com as deficientes infraestruturas existentes, a ausência de um planeamento urbanístico, a falta de limpeza das ruas e praças, etc..
A título de exemplo, refira-se A Luz, em 1888: “Com referência aos melhoramentos, digam nos: não é vergonhoso que um estranho penetre nos muros de Bragança, quer por um lado quer pelo outro, e se lhe ofereça logo à vista o quadro do mais atroz desleixo?! Loreto e S. Sebastião são passeios ou que são? O que é isso que denominam de Praça de Camões? Uns e outros, a darmos ouvidos às más-línguas, são couto de horizontais, onde ao escurecer se vão mercadejar e praticar mesmo ações que a mais absoluta licença não admite. Cuidar desses lugares, tornando-os toleráveis e frequentáveis pela gente honesta é um dever dos que têm a seu cargo o zelo dos interesses públicos. … A Praça Camões está naturalmente talhada para um jardim público e nunca praça de venda, porque lhe faltam todas as condições que requer um mercado.”
Defesa dos interesses de grupos sociais específicos embora não sejam muito frequentes os artigos que defendem interesses corporativos, há no entanto três grupos socioprofissionais que merecem um tratamento privilegiado por parte de alguns jornais. Estamos a referir-nos aos funcionários públicos, ao clero e aos professores primários. Estes dois últimos são defendidos sobretudo porque a administração se atrasa no pagamento, respetivamente, das côngruas e dos vencimentos.
Dirá O Brigantino: “Pleitearemos aqui perante a sociedade inteira a causa duma classe infeliz, tão infeliz quanto respeitável, a causa do clero paroquial, que está tendo entre nós uma sorte pior do que a dos idiotas de Esparta, a causa do baixo clero.”
O Nordeste, com uma forte carga de ironia e em verso, faz até referência à festa que os professores primários fizeram ao celebrar o pagamento dos seus vencimentos:
“Os professores primários
Já de gordos, estão inchados!
Pudera!... se receberam
Três meses de ordenados!
Há mais de um ano que todos
Faziam cruzes na boca.
Para celebrar este facto,
Vão dar uma festa louca.
Vão dar um banquete à Câmara,
(Os parvos destes Maneis!...)
Quotizando-se já todos,
Cada um… com trinta réis!...”
No caso do clero, a defesa vai mais longe, tendo aparecido um jornal com o curioso título de O Baixo Clero (1899-1902), que tinha como função primeira defender os párocos das alegadas prepotências do seu bispo, como se pode ver no seguinte excerto, que nos demonstra a tensão existente em finais do século XX, entre o clero e o bispo da Diocese: “Esta publicação era de há muito reclamada pela opinião pública da Diocese; era imposta pela necessidade urgente, pelo dever inadiável de combater uma opressão pungentíssima; de trazer para a tela da discussão os sofrimentos de muitos que têm sido flagelados em nome da disciplina duma religião de paz e de caridade, inocentes ovelhas, inofensivas e pacientes que não podem já com o horror dos tratos”.
Primeira página do 2.º número de O Baixo Clero |
“Há muito que se sofre; e há muito que se sofre em silêncio: hoje é preciso falar com desassombro e denodo.
Os poderes da terra, tanto civis como eclesiásticos, que têm o dever de remediar estes males, de acudir por nós, e de dar o remédio para tamanhos sofrimentos, nada sabem do que se passa, e por isso nenhuma culpa têm de o não ter feito”.
“Tem-se sofrido muito nesta longa agonia de 13 ou 14 anos: ele sempre a bater desapiedada mente no pobre do rebanho; e este sempre a levar submisso, por julgar que o revoltar-se contra os castigos, que não merecia, seria pôr as mãos no ungido do Senhor, e isso não quereria ele fazer. E ele batendo cada vez mais, à proporção que o rebanho se mostrava cada vez mais submisso e mais sofredor”.
“Um dia era o abade da Sé, um pobre octogenário, muito que rido e respeitado de todos, que levava pancada.
Outro dia era o bom do cónego Lopo, um ornamento do Cabido, que se via obrigado a deixar a cadeira do Seminário, porque lhe exigiam mais que as suas forças lhe permitiam. Outro dia era o cónego Moz que fazia o mesmo, porque o cobriam de desgostos e desconsiderações. Noutro dia era o dr. Rodrigues, o homem de mais saber e ilustração do bispado, que emigrava para fora da Diocese por não poder aturar o bispo. Noutro dia era o padre António, de Parada, vice-reitor do Seminário, um ancião cheio de saber e de virtudes, que levava na sacristia da Sé uma reprimenda tal que se não daria a um moço dos sinos”.
Este jornal dividiu o clero da Diocese de Bragança-Miranda entre o grupo dos sacerdotes que apoiavam o bispo, D. José Alves Mariz, e os que estavam contra este. A polémica foi despoletada a partir de um conflito que surgiu a propósito de três sacerdotes da Diocese que, sendo capelães militares, julgavam estar fora da alçada da autoridade episcopal. O padre João Manuel Almeida Pessanha foi o rosto visível desse conflito, mas outros sacerdotes estiveram do seu lado, ainda que os motivos nem sempre fossem os mesmos. Foi neste contexto que surgiu o jornal O Baixo Clero, que teve uma primeira fase entre 1899 e 1902, com publicação irregular, e uma segunda fase durante alguns meses, em 1905, cuja existência foi interrompida com a morte do seu fundador e diretor, João Pessanha.
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
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