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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Corona vírus / Covid-19

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


Já lá vão 15 dias de Clausura, primeiro aconselhada e depois decretada pelo P.R. e neste intervalo tão curto de tempo, foi-me oferecida a oportunidade de pensar, na minha e nossa condição de animais gregários.
Tive já tempo suficiente para puxar o filme das minhas memórias atrás, para poder estabelecer comparações com aquilo a que assisti nos 70 anos que levo de vida e que em alguns casos já é pouco nítido.
Confesso, encontro três ou quatro ocasiões em que algo de semelhante pairou no ar que me transporta para um tempo em que como hoje me perguntava, porquê? 
Há uma passagem que recordo do tempo em que andávamos na Escola, penso que na segunda classe (1957/1958)  e a Escola esteve uns dias fechada porque no Bairro da Mãe d'Água havia um foco de Febre Tifóide, vulgo Tifo. Não sou capaz de descrever o espectro quase mórbido que o assunto destapava para nos chamar à atenção quando a higiene era ainda um assunto tabu para a população das ditas classes inferiores. Havia como que um estigma que se pegava aos que pelas razões sobejamente conhecidas, viviam em bairros de construção clandestina, como era o caso e onde o sistema de recolha de lixo e a rede de esgotos eram inexistentes.
A verdade é que aí viviam muitíssimas crianças que naquele tempo, já eram obrigadas a ir à Escola . Pode parecer falácia dado que a obrigatoriedade de frequentar o Ensino Primário já tinha sido decretada nos fins do século XIX (D. Maria II), que eu refira este pormenor, mas é certo que o absentismo na Escola Primária era uma constante.
Dada as minhas particularidades de garoto, quase sempre que um dos meus condiscípulos, dos que moravam na zona compreendida entre a Caleja, Boavista, Ilha do Rei, Bairro dos Pobres, faltava às aulas eu era enviado à sua casa para o avisar que deixasse tudo e viesse para a Escola, porque a Lei era clara e o Professor (a) teria que informar a Polícia caso esta não fosse cumprida. Não seria curial mencionar nomes, mas continuam entre nós muitos de quem sou amigo do peito, aos quais trouxe comigo, contra a vontade normalmente das mães, pois eram elas que precisavam deles para lhes tomarem conta dos irmãos mais pequenos para elas levarem a cabo as tarefas que lhe estavam destinadas, como, lavarem a roupa no rio ou nos tanques públicos, irem à lenha ao monte, ou tão só cozinharem e irem ao Mercado.
Recordo que no Bairro de S. João de Deus morava um meu condiscípulo que tinha uma catrefa de irmãos. Era ele que tratava e passeava todos os mais novos, o que para nós era inconcebível mas que tiranicamente a mãe o obrigava. Nós, confesso que eu próprio, não podia ser doutra maneira, garotos cruéis, como só os garotos em grupo conseguem sê-lo, lhe chamávamos Pega -em- mim-ao-colo. Como lastimo hoje esse meu pecado do qual há muito tempo me penitencio. Mas vamos adiante e voltemos ao Tifo.
Era nosso companheiro um rapaz que não vejo desde esse tempo de infância chamado Adelino que contraiu, juntamente com a restante família, a Febre Tifóide. Tinha um outro irmão mais velho uns dois anos que também ia à Escola, creio na quarta-classe também infetado. O Delegado de Saúde mandou encerrar a Escola, não sei quanto tempo, pois eu era muito criança, mas julgo ter sido uma semana que seria o tempo necessário para fazerem a desinfecção. Quando regressámos o Adelino não voltou e o irmão continuou doente por muito tempo. Perdi-os, pois não me recordo de os ter visto de novo. A família, creio, era de Stª. Marta de Penaguião e deve ter regressado à sua origem.
Foi esta a primeira experiência que tive de algo a que chamavam Epidemia e que agora me vem constantemente à lembrança.
Mais tarde lembro também épocas em que a Tuberculose dizimou muitos homens e rapazes, mais daqueles menos afortunados, dos que sendo operários ou gente sem condições nas suas habitações e que não se alimentavam como seria desejável. Quanto a esta epidemia o Estado Novo realizou uma obra grandiosa nos anos 50/60/70 com a construção de Sanatórios e a criação do Instituto de Assistência aos Tuberculosos que foi talvez a maior obra que se concretizou como possuindo Conhecimento Científico e Meios Médicos e Hospitalares, assim como meios humanos e de rastreio que conseguiram erradicar a doença em relativamente poucos anos. Outras pragas e aqui uso o vocábulo que minha mãe usava para definir a Meningite que lhe quase levou uma filha a quem deixou marcas evidentes, a Poliomielite que tanta desgraça causou na humanidade e não menciono mais por ser fastidioso.
Há nesta a que chamam Covid-19, algo de mais sinistro, qualquer coisa de diabólico que nos faz tremer. No espaço de um mês, mês e meio, já dizimou mais gente do que alguém nos últimos 50 anos poderia prever que uma Epidemia pudesse ocasionar, de tão virulenta. Aqui há muita coisa para ser analisada. Devemos partir do desinteresse de alguns Estados não terem dado muita atenção aos avisos dos cientistas e deixarem sem prevenção este assassino só comparável à bomba que destruiu Hiroshima. Depois deve fazer-se uma reflexão séria à solidariedade na E.U. no que a nós europeus diz respeito. E por último, ao governo da Nação compete olhar com olhos mais abertos para o SNS, seus médicos, enfermeiros e outro pessoal auxiliar, pois todos eles têm sido de uma entrega que nos faz sentir orgulhosos e até envergonhados das vezes que por esta ou aquela razão os criticamos por coisas de lana caprina.
Toda esta prosa que vos endereço não é mais do que o meu desabafo sentido por aquilo que estamos a sofrer. A confinação continuada a casa 24 horas por dia já me deu azo a vários estados mentais, alguns mais obscuros que outros mas, todos eles de índole reflexiva. Entre eles há um sentimento de culpa que é tarde para poder eliminar mas que tem ocupado parte deste tempo de confinamento.
Quando miúdo eu vivia fascinado pela beleza, leveza e agilidade de todos os pássaros. Nunca cheguei a ser um entendido neste assunto mas sempre gostei de os ver e ouvir, havendo uma espécie da qual continuo enamorado; Os Pintassilgos! Sendo garoto da Caleja sempre tive campo para os apreciar. Havia-os no Trinta, lembram-se das Covas do Trinta? Na Quinta do Calaia em S. Lourenço e onde quer que eu fosse. O Calheca e os Guichos eram mestres em os apanhar. Com esparrelas ou com visgo, não só eles como muitos outros os apanhavam para os meterem nas gaiolas. E eu que nunca apanhei nenhum por inaptidão, adorava vê-los saltar e cantar quando pela manhã eles trinavam e ao findar a tarde havia sossego para os poder apreciar.
Chegou o momento de pensar em qual era o meu (nosso) direito de os metermos na prisão só para nosso prazer.
Quando eu hoje me chego à varanda da minha casa e os meus olhos vêem até à linha do horizonte as árvores, as montanhas, o castelo, o S. Bartolomeu e todas estas maravilhas que a Natureza nos oferece e reflito que estou aqui preso sem sequer poder ir à rua, penso no sofrimento que infringimos aos pintassilgos e a tantos outros bichos aos quais roubámos a liberdade apenas para nosso deleite.
De uma forma alargada poderei imaginar que a Natureza está a cobrar a dívida que temos para com ela… Chegou o tempo de a respeitarmos a ela e à sua Criação .




31/03/2020
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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