e as ruas da aldeia cobriam-se de palha centeia
que o Sol dourava mais no princípio do Outono.
Bebé,
Bebé!)
Pulando, rebolando, guinchando,
brincando quase a modos de brincar à sobreposse,
que as primeiras chuvas de Outubro não tardavam a pôr fim à brincadeira.
Bebé,
ali o dia inteiro:
como os pais dos nossos pais
(A reparar, sempre a reparar.)
de coração na boca nos tratavam.
ali pelas Trindades,
a recolha dos rebanhos ditava o fim do dia.
de unhas afiadas como lobos sorrateiros à espera das ovelhas,
dando-lhes corrida para ripar às mãos cheias a lã emaranhada.
tanta chuva,
Bebé,
que mal despegava tanta chuva o Inverno todo.
Bebé,
tamanha paixão aquela palha,
brincando quase a modos de brincar à sobreposse,
a chuva, tanta chuva, tinha sabor a fim de festa.
todos os anos era assim o que se passava depois,
fica para mim,
Bebé:
era tanta a chuva que a palha apodrecia,
esfumegando ao sol, que abria em São Martinho,
em lenta combustão, já estrume no caminho.
todos os anos era assim o que se passava depois,
fica para mim,
Bebé:
havia quem deitasse culpas à estrumeira
de tantos que partiam, meninos ainda.
Eram os “anjinhos”, deles se eu me lembro,
partiam de branco, em casa branquinha…
e a palha apodrecida, dos Reis ao Entrudo, por ali ficando.
meados de Fevereiro, princípios de Março,
ficávamos cegos de olhos atrás delas.
E nessa cegueira,
(Oh, doce ilusão!)
Deixava-se a roça, rodava o pião,
vinha a Primavera, a seguir o Verão…
Bebé!)
Passada a cegueira, juntas as famílias, prontas a largar, era já Setembro.
de novo a palha da nossa paixão que o Sol dourava mais no princípio do Outono,
e os pais dos nossos pais a reparar, sempre a reparar,
e a chuva tanta chuva que mal despegava tanta chuva o Inverno todo.
Dali em diante até mil anos antes o que se passava depois dali em diante,
as nossas coisas.
Bebé,
de por ali…
Carlos Pires
PS – Durante sete ou oito anos, das sete às nove, segundas, quartas e sextas, dois transmontanos da mesma idade – um, doutor; outro, jornalista - calcorrearam milhares de quilómetros por caminhos das Linhas de Torres. Numa das nossas incontáveis conversas matinais, ele, José Maria Alves, o médico, de São Pedro dos Sarracenos, contou-me um episódio impossível de esquecer, retrato fiel do Portugal de Salazar, na década que se seguiu à II Guerra Mundial. “Num dia qualquer, lá na aldeia, ali pela primeira classe”, conta ele, “ dei pelo ti Manel (nome fictício), ao romper do dia, nos nossos arrumos, a juntar umas tábuas de um caixote do sabão, que meu pai havia comprado tempos antes”. Estranhando, “será para acender o lume?”, ficou à espreita até o pobre homem sair. Ouvindo dizer que ao ti Manel morrera um menino, o garoto passou ao fim da tarde à sua porta, onde viu umas tábuas pintadas de branco. Desvendava-se o mistério. O episódio marcou tanto o garoto de São Pedro dos Sarracenos que, sessenta anos depois, já avô, tivemos de parar em plena caminhada, para o Doutor puxar do lenço, a lembrar-se do dia seguinte a caminho do cemitério. Da igreja ao lugar onde o “anjinho” foi sepultado, o pequeno Zé Maria não tirara os olhos da minúscula caixa, branquinha, feita pelo pobre pai com as tábuas da caixa do sabão, que pareciam já não prestar para nada…
Em Bragança, colaborou no semanário "Mensageiro de Bragança" (1970-72), tendo sido co-fundador do semanário "ÈNÍÉ - uma voz do Nordeste Português" (1975) e da publicação "Domus", da Casa de Cultura da Juventude de Bragança (1977-78).
Foi assessor de imprensa de Maldonado Gonelha, ministro da Saúde (1983-85).
Entrou para o Infarmed em fins de 2000, depois de ter sido assessor de imprensa da ministra Elisa Ferreira, nos dois governos de António Guterres, primeiro no Ministério do Ambiente, depois no Planeamento (1995-2000).
No Infarmed criou o Gabinete de Imprensa, tendo sido porta-voz da instituição durante mais de uma dúzia de anos.
Alguns aspetos marcantes: a iniciativa da realização de um curso para jornalistas (2001), ministrado por peritos do Infarmed, em que os principais órgãos de informação estiveram representados, sobre o ciclo de vida do medicamento; a elaboração do jornal da instituição, "Infarmed Notícias", trimestral (de que é coordenador/editor/redator), tendo publicado já 78 números; a edição especial de Janeiro de 2018, com 120 testemunhos sobre o INFARMED na altura conturbada da ideia controversa da sua deslocalização para o Porto (depois editada em livro); e ainda a publicação de um livro, editado pela Âncora, "Redondilhando", que nasce no seio da instituição e cujo prefácio foi assinado por Ernesto José Rodrigues.
Pois bem! Meu caro Amigo Pires,
ResponderEliminarQuão agradável é para mim, um eterno aldeão , de génese provinciana sempre patente nas memórias de infância - quão agradável, dizia eu - ler um texto que tão natural e puramente, me remete para esses ambientes de um quotidiano, por vezes árduo; mas, sempre rico e grato.
Grande abraço, Amigo.
És um génio. És trabalhador, inteligente, serio, inteligente emocional, és judeu....és Lopes...**.AMOR, sempre. **
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