Por: Manuel Eduardo Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
De um ponto de vista biológico é natural que a luta pela sobrevivência o explique e nos desculpe, mas o ser humano não é flor que se cheire. Nas palavras do escritor andaluz arturo pérez-reverte, “el ser humano es un hijo de puta muy peligroso”. A nossa agressividade não é nova nem está a aumentar, ideia que qualquer manual de história do oitavo ano afasta de raiz. Ela está-nos na massa do sangue, ou nos genes, ou lá o que se lhe queira chamar e não depende de género, idade, raça, etnia, instrução, classe, crença, predileção sexual ou clubística. Quanto a isso, sejam quais forem os rótulos que possamos colocar, a natureza animal fez-nos a todos bastante parecidos.
Muitos preceitos religiosos partem desse pressuposto, a que chamam pecado, e o conceito de salvação não é mais que a salvação da nossa malvadez que, curiosamente, e embora não pareça, provoca tanto dano em quem a sofre como em quem a faz. Nem sequer é de espantar que sejamos maus para os outros, quando a ciência da mente nos diz que também podemos fazer grandes patifarias a nós próprios. O masoquismo é isso mesmo, a pulsão de agredir voltada para dentro, fenómeno tão poderoso quanto vulgarizado. É provável que a única maneira de não sermos agressivos ou, melhor, de o sermos menos, é ter consciência de que o podemos ser. É provável que um paz-de-alma tenha aprendido a conhecer e dominar os seus impulsos e um desordeiro não.
A agressividade e a violência que dela decorre existem, são factos com que temos que lidar. Mesmo que quiséssemos ignorá-las, aí estão os jornais, as televisões e agora a internet para nos lembrar os seus muitos graus e formas. Ainda bem que se divulgam para que se possam condenar. Diminuir o valor da violência ou ignorá-la é tão indesculpável quanto ela própria. Mas há que desconfiar. Estamos envolvidos por um nevoeiro mental que entre outras coisas nos leva a ver o mundo a preto e branco, passar ao lado das nuances da realidade, excluir o incerto e o duvidoso que estão em toda a parte: as pessoas ou são boas ou são más, virtuosas ou viciosas, vítimas ou agressoras. Mas por que não as duas coisas? Por que razão não podemos ter um anjo num ombro e um demónio noutro?
Isto por um lado. Por outro, os meios de comunicação estão pouco interessados na verdade, na objetividade e na reflexão sobre elas. Tendo em conta que a realidade é complexa e ambígua, colocam-se entre nós e ela (por isso se chamam media) fazendo o favor de no-la interpretar. À primeira vista pode parecer simpático, e de certo modo é. O problema surge quando a filtram de forma simplista e no-la dão em espetáculo para causar impacto, o que hoje em dia é a regra, e em vez de informados somos desinformados.
O número de mulheres maltratadas ou mortas às mãos de homens inseguros, ciumentos, ressabiados é trágico para todos os efeitos. Nem que fosse só uma já o era. Por acaso, na nossa espécie (ao contrário de outras) o macho é geralmente mais forte do que a fêmea, podendo servir-se dessa superioridade para arrear na parceira quando a vida não lhe corre bem. Mas, sempre que o arcaboiço lho permite, a mulher pode também ser agressora. Em sete por cento dos casos, segundo as estatísticas, não sendo difícil calcular que o número peque por defeito se pensarmos que muitos desgraçados que as chupam se calem por vergonha.
Depois não se trata só de espancar ou assassinar. É do senso comum que a violência psicológica pode ser tão ou mais destrutiva do que a física. Acontece que neste campo as forças entre os sexos se apresentam bastante mais equilibradas, se é que não se pode considerar que a mulher leva vantagem. Muitas vezes, no recato das vidas caseiras, ela exerce um poder real através da astúcia, da intriga e da manipulação; presta um culto continuado a conflitos, dificuldades, complicações, e não costuma ser escassa quando se trata de esgrimir o impropério.
Suponho por isso que nalguns casos de violência doméstica a comunicação social nos dá a conhecer apenas a ponta visível de um icebergue. Um produto em cuja manufatura participaram ativamente dois artífices. O resultado de uma guerra em que cada combatente lutou com as suas armas. O desfecho infeliz de um drama em que dois protagonistas agiram e se condicionaram e não existiria se uma das partes, qualquer delas, negasse o seu contributo ou, uma vez iniciado, arranjasse forma de se distanciar.
Muitos preceitos religiosos partem desse pressuposto, a que chamam pecado, e o conceito de salvação não é mais que a salvação da nossa malvadez que, curiosamente, e embora não pareça, provoca tanto dano em quem a sofre como em quem a faz. Nem sequer é de espantar que sejamos maus para os outros, quando a ciência da mente nos diz que também podemos fazer grandes patifarias a nós próprios. O masoquismo é isso mesmo, a pulsão de agredir voltada para dentro, fenómeno tão poderoso quanto vulgarizado. É provável que a única maneira de não sermos agressivos ou, melhor, de o sermos menos, é ter consciência de que o podemos ser. É provável que um paz-de-alma tenha aprendido a conhecer e dominar os seus impulsos e um desordeiro não.
A agressividade e a violência que dela decorre existem, são factos com que temos que lidar. Mesmo que quiséssemos ignorá-las, aí estão os jornais, as televisões e agora a internet para nos lembrar os seus muitos graus e formas. Ainda bem que se divulgam para que se possam condenar. Diminuir o valor da violência ou ignorá-la é tão indesculpável quanto ela própria. Mas há que desconfiar. Estamos envolvidos por um nevoeiro mental que entre outras coisas nos leva a ver o mundo a preto e branco, passar ao lado das nuances da realidade, excluir o incerto e o duvidoso que estão em toda a parte: as pessoas ou são boas ou são más, virtuosas ou viciosas, vítimas ou agressoras. Mas por que não as duas coisas? Por que razão não podemos ter um anjo num ombro e um demónio noutro?
Isto por um lado. Por outro, os meios de comunicação estão pouco interessados na verdade, na objetividade e na reflexão sobre elas. Tendo em conta que a realidade é complexa e ambígua, colocam-se entre nós e ela (por isso se chamam media) fazendo o favor de no-la interpretar. À primeira vista pode parecer simpático, e de certo modo é. O problema surge quando a filtram de forma simplista e no-la dão em espetáculo para causar impacto, o que hoje em dia é a regra, e em vez de informados somos desinformados.
O número de mulheres maltratadas ou mortas às mãos de homens inseguros, ciumentos, ressabiados é trágico para todos os efeitos. Nem que fosse só uma já o era. Por acaso, na nossa espécie (ao contrário de outras) o macho é geralmente mais forte do que a fêmea, podendo servir-se dessa superioridade para arrear na parceira quando a vida não lhe corre bem. Mas, sempre que o arcaboiço lho permite, a mulher pode também ser agressora. Em sete por cento dos casos, segundo as estatísticas, não sendo difícil calcular que o número peque por defeito se pensarmos que muitos desgraçados que as chupam se calem por vergonha.
Depois não se trata só de espancar ou assassinar. É do senso comum que a violência psicológica pode ser tão ou mais destrutiva do que a física. Acontece que neste campo as forças entre os sexos se apresentam bastante mais equilibradas, se é que não se pode considerar que a mulher leva vantagem. Muitas vezes, no recato das vidas caseiras, ela exerce um poder real através da astúcia, da intriga e da manipulação; presta um culto continuado a conflitos, dificuldades, complicações, e não costuma ser escassa quando se trata de esgrimir o impropério.
Suponho por isso que nalguns casos de violência doméstica a comunicação social nos dá a conhecer apenas a ponta visível de um icebergue. Um produto em cuja manufatura participaram ativamente dois artífices. O resultado de uma guerra em que cada combatente lutou com as suas armas. O desfecho infeliz de um drama em que dois protagonistas agiram e se condicionaram e não existiria se uma das partes, qualquer delas, negasse o seu contributo ou, uma vez iniciado, arranjasse forma de se distanciar.
Nordeste - abr. 2019
Manuel Eduardo Pires. Estes montes e esta cultura sempre foram o meu alimento espiritual, por onde quer que andasse. Os primeiros para já estão menos mal, enquanto a onda avassaladora do chamado progresso não decidir arrasá-los para construir sabe-se lá o quê, mas que nunca será tão bom. A cultura, essa está moribunda, e eu com ela. Daí talvez a nostalgia e o azedume naquilo que às vezes digo. De modo que peço paciência a quem tiver a paciência de me ir lendo.
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