sexta-feira, 27 de julho de 2018

PROFESSORES, OS TREINADORES DE PORTUGAL

Se nós, professores, continuarmos agarrados aos ambientes em que nos habituámos a trabalhar, à sala de aula clássica, aos manuais escolares já cansados, aos métodos de ensino tradicionais, aos dois testes por período, aos conteúdos obsoletos e sem qualquer aplicabilidade ou interesse prático, a escola e a aula estarão destinadas ao fracasso.
Marcos Borga / Arquivo VISÃO

Não tenham dúvidas! É cada vez mais difícil ensinar. E é também cada vez mais difícil aprender. Pelo menos, nos moldes em que a instituição chamada escola e esse espaço - que deveria ser de excelência – conhecido como aula, se apresentam ainda hoje. É com estas ideias a atormentarem-me a mente que tenho passado estas últimas semanas, consciente de que não me lembro de quase nada do que aprendi na escola. Grave? Sim, muito grave. Fui uma boa aluna, nunca reprovei e tive sempre boas notas mas não me lembro de quase nada do que me ensinaram na escola. Porquê? Porque - verdade seja dita - pouco do que aprendi na escola me serve hoje. É claro que foi na escola que aprendi a ler e a escrever. Refiro-me aos conteúdos teóricos das diferentes disciplinas que quase nada acrescentaram à minha vida. Por tudo isto, andei a reler alguns autores e houve um deles que me chamou a atenção. Não é que Mark Prensky nos traga muita informação nova. Tudo o que ele defende nos seus livros já nós dizíamos há muitos anos nos mestrados e doutoramentos em Ciências da Educação. Mas é sempre bom recordar que o desafio de ensinar, hoje, é desmesurado e que nem todos os professores – por diferentes razões - estão preparados para esta dimensão.


Segundo Prensky, professores e alunos de hoje habitam mundos diferentes no que à era digital diz respeito. Nós, os que nascemos antes da internet, que fizemos toda a escolaridade e ensino superior sem um computador ou acesso à internet, encontramo-nos a anos luz dos nossos alunos, nascidos em plena era digital, alimentando-se diariamente de vitaminas chamadas gigas, vivendo em rede permanente. Os imigrantes digitais, por sua vez, vivem quase sem rede e muitos sobrevivem ainda segundo métodos rudimentares, ou seja, sem estarem permanentemente em linha. Eles, os nativos digitais (termos de Mark Prensky), como sabemos, precisam tanto de estar em linha como de almoçar ou de jantar. Onde é que estas gritantes diferenças geracionais mais se fazem sentir? Sim, é na escola e mais especificamente, na nossa sala de aula.

Se nós, professores, continuarmos agarrados aos ambientes em que nos habituámos a trabalhar, à sala de aula clássica, aos manuais escolares já cansados, aos métodos de ensino tradicionais, aos dois testes por período, aos conteúdos obsoletos e sem qualquer aplicabilidade ou interesse prático e não aos projetos significantes para a vida dos alunos, a escola e a aula estarão destinadas ao fracasso. É cada vez mais difícil encontrar uma base de trabalho comum entre gerações que se alimentam de formas tão diferentes.

O mundo mudou! É um lugar comum que tudo mudou e muda a cada momento na vida dos nossos alunos mas a escola não acompanha esta mudança. E a sala de aula está destinada ao fracasso se o professor não empreender esta adaptação. Não falo apenas de usar a tecnologia na aula porque essa já todos nós, de forma mais ou menos consistente, utilizamos. Falo, isso sim, de utilizar a tecnologia como apoio da pedagogia e não o oposto. Falo de desenvolver a empatia, de conhecer os alunos, de partilhar com eles os verdadeiros problemas e tentar encontrar soluções criativas para os mesmos. Falo de repensar os modelos em que temos vindo a trabalhar e apresentar novas propostas de atividades para a aula. Falo de ajudar o aluno e o grupo de alunos a encontrar os seus interesses e a desenvolvê-los. E falo, sobretudo, de fazer da sala de aula um espaço de felicidade, uma fábrica de ideias criativas que sirvam para criar um mundo melhor.

Como fazer tudo isto com professores cansados, tristes e desmotivados, perguntar-me-ão? Com efeito, é uma tarefa difícil. Mas os professores de Portugal estão habituados a carregar com o sistema de ensino às sua costas e irão continuar a lutar pelos seus direitos ao mesmo tempo que apostam diariamente no FUTURO. Pela parte que me toca, estou decidida a fazer todas as mudanças necessárias para que as minhas equipas aprendam a ser responsáveis pelo uso da tecnologia e conjuguem como prioritários os verbos pesquisar, analisar, resumir, sintetizar, interpretar, partilhar, partilhar, partilhar... E se não houver ligação à internet ou se o computador da sala estiver, como habitualmente, avariado, permitirei que pesquisem com os seus próprios telemóveis.

As aulas tradicionais já não me interessam. São secantes para mim também. Adaptar-me-ei aos novos contextos, comprarei rodinhas para as secretárias, ouvir-se-á música nas aulas, leremos Camões e Pessoa em voz alta sem noções de versificação à mistura, cantaremos Os Lusíadas em rap e a Mensagem em fado, faremos apresentações com guitarra, máscaras de teatro e fantoches, percorreremos Lisboa aos fins de semana sem a burocracia assustadora das visitas de estudo e descobriremos Saramago devagarinho, muito devagarinho, ao som do Tejo, estendido lá em baixo, ao Sol, na linha do horizonte.

Vou ser a treinadora da minha própria equipa, e cada aluno será um jogador capaz de, no final do ano, elevar bem alto a sua própria taça. A taça do pensamento estratégico, da solução de problemas e da fruição das palavras. E tudo isto sem VAR. Não permitirei que digam como eu, citando

Handy (1992): Mais tarde cheguei à conclusão de que não aprendi nada na escola de que me lembre agora.

Carmo Miranda Machado
Revista Visão
Carmo Miranda Machado é formadora profissional na área comportamental e professora de Português no ensino público há vinte e sete anos, tendo trabalhado com alunos do 7º ao 12º anos de escolaridade. Possui um Mestrado em Ciências da Educação (Orientação das Aprendizagens) pela Universidade Católica Portuguesa e tem como formação base uma Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade Nova de Lisboa. Tem dedicado a sua vida às suas três grandes paixões: o ensino, a escrita e as viagens pelo mundo. Colabora na Revista Mais Alentejo desde Fevereiro de 2010 como autora da crónica Ruas do Mundo, tendo ganho o Prémio Mais Literatura atribuído por esta revista nesse mesmo ano. Publicou até ao momento, os seguintes títulos pela editora Colibri: Entre Dois Mundos, Entre Duas Línguas (2007); Eu Mulher de Mim (2009); O Homem das Violetas Roxas (2011) e Rios de Paixão (2015).

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