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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Um inverno


Saí de São Paulo, Brasil, no dia 26 de dezembro, depois de ter passado o Natal com os meus pais, irmãos, tios, primos e alguns amigos. 
Menina ainda, inocente e pura, deixava pela primeira vez, o meu ninho familiar e enfrentava o mundo, um mundo do qual já não tinha lembranças, que desconhecia totalmente. Alimentava uma ideia romântica envolta em saudade e, envolta nesse envoltório, dei o passo que se impunha.
Cheguei ao Porto, Pedras Rubras a meia tarde, assustada, expectante, pronta para a aventura, ansiosa por ver alguém que supostamente me iria buscar.
A bagagem era imensa. A minha vida estava ali, resumida em duas malas, dois sacos e alguns volumes com máquinas que eu julgava indispensáveis à minha sobrevivência. Tive alguma dificuldade em encarrapitá-las no carrinho, sozinha, fazendo uso da minha pouca força física.
Saí para a gare e, no meio da pequena multidão que se aglomerava reconheci a minha tia pelas fotografias que tínhamos em casa. Acenou-me, sorri... Ia acompanhada por um amigo, Óscar, de Samil. 
Mal agasalhada, senti um ar invernal na minha pele quente de verão paulista e estremeci. Nos pés levava umas sandálias que, de um momento para o outro se revelaram grandes demais para os meus pés e insistiam em dificultar-me o caminhar. Um abraço, um beijo fugaz, uma inspeção demorada da minha figura... outro beijo "Ela é parecida com o teu irmão, Isaura. Tirei-a pela pinta".
"Então, fizeste boa viagem? Este é o Óscar, um grande amigo. Viemos buscar-te. Sabias que nevou? Já vais ver".
Tudo era novo, estranho, o linguajar, os gestos, os feitios, o ar gelado...
"Vamos embora. Vamos por as malas no carro. Deixa que eu levo o carrinho."
"Temos de te comprar calçado. Umas botas. Aqui não podes andar assim. Os teus pais não te deviam ter deixado vir com essas sandálias."
"Tens fome?"
"Não, comi no avião." - menti timidamente. Não conseguia comer. O nó que me apertava a garganta era grande demais. A dor era grande demais. As saudades que já sentia entorpeciam-me.
Chegámos ao carro e o Óscar lá se encarregou de enfiar as malas na pequena mala, não sem algum trabalho.
Já na estrada, a cidade do Porto ultrapassada, alguns pinheiros cobertos de branco... "O que é aquilo? Parece algodão!" 
"É neve! Nevou ontem."
Não mais tirei os olhos das árvores e o olhar ganhou o seu brilho habitual, a sua intensidade única e natural.
Sorri. A viagem era longa e tivemos de parar para jantar. Ainda não havia o IP4 e as curvas do Marão e de Murça eram imperativas. Os meus pés gelavam. Tinha frio.
A chegada a Bragança fez-se sem percalços para além do meu cansaço emocional e físico. Nos dias antecedentes à minha vinda, havia chorado muito, tanto que os olhos deixaram de ter lágrimas. Apenas a alma chorava. 
Nunca havia visto o meu pai chorar até ao dia da minha partida quando todos nos preparávamos para ir para o aeroporto. As lágrimas corriam-lhe pela cara abaixo e soluçava... não sei o que senti... não sei porque não fiquei...
A neve havia derretido deixando uma cidade enlameada e suja. Dormimos em casa do tio João Caetano. Tive frio. Não conseguia aquecer. Manhã cedo, chama-me a minha tia. "Anda, vamos à cidade comprar calçado para ti. Depois vamos para a aldeia ver os avós."
Levantei-me, pronta para o meu banho e descobri que não podia tomá-lo. "Tia, e agora? Não posso tomar banho?" "Lava-te. Não vamos chatear o tio João e a tia Maria, nem sei se têm gás..."
Mal lavada e mal vestida, saí atrás da minha tia. Entrámos no carro e fomos à sapataria onde ela costumava comprar os seus sapatos. Saí de lá com umas belas botas, quentes e azuis. Comemos qualquer coisa numa pastelaria, tomei um maravilhoso café e depois outro e fiquei impressionada com a quantidade de bolos e bolinhos que ali havia.
Seguimos para o Brito. Só havia alcatrão até à entrada do Vilar, depois era lodo, lama, rodados onde facilmente se enterrava o carro. A odisseia começava ali.
Chegámos, já fim de tarde, à terrinha, onde me esperavam, sem grande entusiasmo, diga-se, o meu avô e com o normal as minhas avós. 
Subi as escadas, entrei para a escuridão da luz da candeia a que demorei a habituar-me e apercebi-me, depois dos beijos e abraços, de um calor agradável e luminoso que emanava da lareira bem composta, julgo que em minha homenagem.
Não demorou quase nada o corrupio de pessoas a entrarem para me ver, para ver a filha do Zé e da Natália. O primeiro ato estava cumprido.

Mara Cepeda
in:nordestecomcarinho.blogspot.com

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