Saí de São Paulo, Brasil, no dia 26 de dezembro, depois de ter passado o Natal com os meus pais, irmãos, tios, primos e alguns amigos.
Menina ainda, inocente e pura, deixava pela primeira vez, o meu ninho familiar e enfrentava o mundo, um mundo do qual já não tinha lembranças, que desconhecia totalmente. Alimentava uma ideia romântica envolta em saudade e, envolta nesse envoltório, dei o passo que se impunha.
Cheguei ao Porto, Pedras Rubras a meia tarde, assustada, expectante, pronta para a aventura, ansiosa por ver alguém que supostamente me iria buscar.
A bagagem era imensa. A minha vida estava ali, resumida em duas malas, dois sacos e alguns volumes com máquinas que eu julgava indispensáveis à minha sobrevivência. Tive alguma dificuldade em encarrapitá-las no carrinho, sozinha, fazendo uso da minha pouca força física.
Saí para a gare e, no meio da pequena multidão que se aglomerava reconheci a minha tia pelas fotografias que tínhamos em casa. Acenou-me, sorri... Ia acompanhada por um amigo, Óscar, de Samil.
Mal agasalhada, senti um ar invernal na minha pele quente de verão paulista e estremeci. Nos pés levava umas sandálias que, de um momento para o outro se revelaram grandes demais para os meus pés e insistiam em dificultar-me o caminhar. Um abraço, um beijo fugaz, uma inspeção demorada da minha figura... outro beijo "Ela é parecida com o teu irmão, Isaura. Tirei-a pela pinta".
"Então, fizeste boa viagem? Este é o Óscar, um grande amigo. Viemos buscar-te. Sabias que nevou? Já vais ver".
Tudo era novo, estranho, o linguajar, os gestos, os feitios, o ar gelado...
"Vamos embora. Vamos por as malas no carro. Deixa que eu levo o carrinho."
"Temos de te comprar calçado. Umas botas. Aqui não podes andar assim. Os teus pais não te deviam ter deixado vir com essas sandálias."
"Tens fome?"
"Não, comi no avião." - menti timidamente. Não conseguia comer. O nó que me apertava a garganta era grande demais. A dor era grande demais. As saudades que já sentia entorpeciam-me.
Chegámos ao carro e o Óscar lá se encarregou de enfiar as malas na pequena mala, não sem algum trabalho.
Já na estrada, a cidade do Porto ultrapassada, alguns pinheiros cobertos de branco... "O que é aquilo? Parece algodão!"
"É neve! Nevou ontem."
Não mais tirei os olhos das árvores e o olhar ganhou o seu brilho habitual, a sua intensidade única e natural.
Sorri. A viagem era longa e tivemos de parar para jantar. Ainda não havia o IP4 e as curvas do Marão e de Murça eram imperativas. Os meus pés gelavam. Tinha frio.
A chegada a Bragança fez-se sem percalços para além do meu cansaço emocional e físico. Nos dias antecedentes à minha vinda, havia chorado muito, tanto que os olhos deixaram de ter lágrimas. Apenas a alma chorava.
Nunca havia visto o meu pai chorar até ao dia da minha partida quando todos nos preparávamos para ir para o aeroporto. As lágrimas corriam-lhe pela cara abaixo e soluçava... não sei o que senti... não sei porque não fiquei...
A neve havia derretido deixando uma cidade enlameada e suja. Dormimos em casa do tio João Caetano. Tive frio. Não conseguia aquecer. Manhã cedo, chama-me a minha tia. "Anda, vamos à cidade comprar calçado para ti. Depois vamos para a aldeia ver os avós."
Levantei-me, pronta para o meu banho e descobri que não podia tomá-lo. "Tia, e agora? Não posso tomar banho?" "Lava-te. Não vamos chatear o tio João e a tia Maria, nem sei se têm gás..."
Mal lavada e mal vestida, saí atrás da minha tia. Entrámos no carro e fomos à sapataria onde ela costumava comprar os seus sapatos. Saí de lá com umas belas botas, quentes e azuis. Comemos qualquer coisa numa pastelaria, tomei um maravilhoso café e depois outro e fiquei impressionada com a quantidade de bolos e bolinhos que ali havia.
Seguimos para o Brito. Só havia alcatrão até à entrada do Vilar, depois era lodo, lama, rodados onde facilmente se enterrava o carro. A odisseia começava ali.
Chegámos, já fim de tarde, à terrinha, onde me esperavam, sem grande entusiasmo, diga-se, o meu avô e com o normal as minhas avós.
Subi as escadas, entrei para a escuridão da luz da candeia a que demorei a habituar-me e apercebi-me, depois dos beijos e abraços, de um calor agradável e luminoso que emanava da lareira bem composta, julgo que em minha homenagem.
Não demorou quase nada o corrupio de pessoas a entrarem para me ver, para ver a filha do Zé e da Natália. O primeiro ato estava cumprido.
Mara Cepeda
in:nordestecomcarinho.blogspot.com
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