O primeiro de Dezembro em Bragança continua a lembrar-se na minha memória de forma a ser acontecimento simbólico, extraordinário, fora da litania lacrimejante ou da evocação serôdia, sim dentro da realidade singular das vivências marcantes numa adolescência cinzenta, de poucos raios luminosos no enfadonho e circular quotidiano. E, a adolescência para a maioria dos estudantes foi radiosa. Algumas e alguns talvez se lembrem do livro Juventude Radiosa, muito aconselhado aos jovens. Recordam-se?
O 1.º de Dezembro no dizer risonho da Dona Aninhas Castro é fruto da teimosia de uma espanhola. Tomo a liberdade de acrescento: uma duquesa filha do Duque de Medina Sidónia, enorme potentado ainda agora, cansada da beatitude de Vila Viçosa coagiu o marido, o Duque de Bragança, a sair do torpor e do temor obrigando-o a ser rei, pois mais valia ser rainha um hora, do que duquesa toda a vida.
A resoluta Dona Luísa de Gusmão não esquecia a triste sorte de uma ancestral, também filha de outro Duque Medina Sidónia, assassinada por Dom Jaime, igualmente Duque de Bragança, o qual no paradoxismo do ciúme matou a formosa mulher. Os interessados no drama podem ler o Pajem da Duquesa, do militar e prolixo escritor Campos Júnior.
A celebração do 1.º de Dezembro em Bragança conseguia suprir a propositada ausência de significação geral, o comércio não fechava, nem as oficinas e lojas similares, graças ao entusiasmo ao elementos de maior idade da Academia estudantil, peritos no roubo de galináceos e deambulações etílicas dando lucro aos taberneiros e prejuízos a criadores de aves de capoeira.
A figuração iconográfica estava a cargo das meninas e dos rapazes da Mocidade Portuguesa, ao fim da tarde o cortejo estudantil dominado cenograficamente pelas capas e batinas de quem as possuía e podia envergar deslocava-se até à residência do Dr. Amado, ícone da primeira República, a quem saudava. Ele agradecia atrás da vidraça nos dias de temperatura negativa. A banda do Patronato aquecia os corações levando as línguas a soltarem hurras e a lengalenga dos erres vogais.
A amostra de gratidão reflectia o vazio reinante desprovido de outras referências de cunho histórico, à noite no Cine Teatro Camões representava-se, julgo não cometer aleivosia ao referir Mestre Gil como o autor preferido, no tocante ao elenco prefiro não fazer nenhuma anotação pessoal.
Os temas circundantes ao feriado não terão sofrido alteridades até 1967, ano do afastamento. E agora como é comemorado o feriado? Agora só sei o lido nos jornais.
Talvez não provoque danos à verdade se disser que tudo desapareceu excepto as batinas e as capas pois o traje negro confere pose esvoaçante às fotografias, as fardas da Mocidade só deixaram saudades aos nostálgicos do salazarismo, as mocas estão anuladas nas proclamações do populismo mediático das tunas e órgãos quejandos, no tocante a galináceos as capoeiras deram lugar a arcas frigoríficas depositárias de frangos de ração vendidos em horário alargado.
A pulsão de exilados leva antigos estudantes a visitas a Bragança no dia da restauração da independência ao modo romagem de saudade entrelaçada no antigamente, ao contrário do sucede hoje, os rapazes apaixonados gastavam solas, horas, suores à espera da desejada, correndo riscos de não lograrem simples e rápida troca de palavras, quanto mais furtivo beijo.
Agora, a liberdade é total resmungarão contidamente as romeiras e os romeiros a olharem de esguelha a parelha escolhida noutras paragens. As duplas originárias do primeiro namoro geram exclamações ante a limpidez e perenidade da relação, no intento de não provocar invejas, ruminações interiores e torções nas orelhas resisto ao desejo de nomear duas raparigas e dois rapazes coevos que muito prezo.
A doença sentimental da saudade (sofro de outra variante) não me atacou, gosto e penso em Bragança numa perspectiva despojada de bairrismo espúrio, estúpido, gosto muito do velho burgo e de algumas pessoas, deixei de reconhecer outras, propositadamente, a maioria da população nasceu ou veio morar para cidade após o ter ingressado no vai vem da vida. É a vida!
Armando Fernandes
in:mdb.pt
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(Henrique Martins)
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