quarta-feira, 18 de julho de 2018

A ECONOMIA DE BRAGANÇA NO SÉCULO XX - Dos inícios do século XX à implantação da República (1900-1910)

Nos finais do século XIX, Portugal apresentava uma estrutura económica deficiente, desfasada da verificada nos restantes países europeus, responsável pelas diminutas taxas de crescimento do PIB – Produto Interno Bruto. Conscientes desta realidade, os responsáveis alteraram essa estrutura, com vista ao aumento das taxas de crescimento, modernizando a agricultura e a indústria e melhorando a deficiente rede de transportes existente.

Através de um esforço significativo de modernização tentou-se – e conseguiu-se em boa parte – levar o País para níveis de produção e consumo consentâneos com os dos restantes países europeus. As modificações introduzidas tiveram tal impacto na sociedade que levaram Albert Silbert a afirmar que “é ao nascimento de Portugal Contemporâneo que se assiste então”.
Esta tão marcante modificação na estrutura económica portuguesa refletiu-se, contudo, negativamente no que concerne ao Concelho de Bragança. Na base das citadas modificações estruturais da economia esteve, em grande medida, a política governamental de desenvolvimento da rede de transportes e comunicações. Uma tal política, pensada e executada por um dos mais brilhantes servidores da Monarquia Constitucional – Fontes Pereira de Melo – pretendia modernizar o País mediante um programa de melhoramentos materiais que punha em relevo os aspetos dos transportes e das comunicações, considerados infraestrutura do comércio, da indústria e da agricultura, áreas em que, segundo a ideologia liberal, a intervenção do Estado devia ser mínima.
Os resultados desta política de transportes e comunicações foram notáveis para a época. Dos 218 quilómetros de estradas existentes em 1852 passou-se para 678 em 1856, 9 155 em 1884 e 14 230 em 1900. A rede ferroviária, que era apenas de 36 quilómetros em 1856, passou, em 1864, para 720, atingindo os 1 888 em 1892. Segundo Oliveira Marques, por volta de 1894, “Portugal detinha um honroso décimo lugar entre as nações do Mundo no que respeitava à densidade ferroviária por km2, estando à frente de países como a Espanha, a Roménia, a Noruega, a Grécia e outras nações europeias”108 (Quadro n.º 50).
O plano rodoviário de 1880 teve uma repercussão diminuta no que concerne à melhoria e à construção de novas rodovias, a nível do Distrito e do Concelho de Bragança, agravando a já preocupante situação de isolamento em que se encontravam. O Distrito surge em último lugar quanto ao número de quilómetros de rodovias (apenas 226 km dos 7 441 km construídos no País, ou seja, 3%), surgindo o Concelho com uma posição igualmente desfavorável mas um pouco melhor (84 km construídos para uma média concelhia de 535 km, ou seja, 15,7 % do total).

A política de transportes e comunicações, pensada e executada para promover a melhoria das estruturas produtivas do País, lançou num isolamento angustiante todo o Concelho de Bragança, contribuindo desta maneira para um avolumar do fosso – já de si enorme – que o separava das restantes regiões.
Se o plano rodoviário isolou o Concelho, o mesmo ocorreu com a via-férrea. A Cidade de Bragança só foi ligada à rede nacional em 1906, o último troço a ser construído, em via estreita, com transbordo na estação do Tua, provocando atrasos na circulação de mercadorias e acréscimos de custos. Daí que a via-férrea não tivesse sido a desejável alternativa ao isolamento.
Paralelamente ao fracasso que representou para Bragança a nova política de desenvolvimento da rede de transportes e comunicações, um outro fator, igualmente surgido nos finais do século passado, repercutiu-se também negativamente no desenvolvimento da Região: a utilização da força motriz do vapor para fins industriais.
Tal utilização veio tornar obsoletas e não rentáveis um conjunto de atividades artesanais ligadas sobretudo ao fabrico de couros, mobiliário, calçado, bebidas gasosas, chocolates e seda, atividades que se haviam revelado bastante importantes para a economia e emprego do Concelho, pese embora o facto de se tratar de formas pré-capitalistas de produção. Por detrás destas indústrias artesanais estavam, sobretudo, judeus nascidos e/ou residentes no Concelho, verdadeiros empreendedores ao longo dos primeiros anos do século XX.
Uma transformação tão profunda das estruturas económicas portuguesas exigiu um aumento significativo de importações de matérias-primas, produtos semiacabados e bens de equipamento, o que resultou num elevado défice da balança comercial. Daí a necessidade de recurso ao crédito externo, o que veio originar um crescente endividamento. Numa tentativa de combater os défices da balança comercial e o endividamento externo, o Governo da Monarquia Constitucional adotou políticas protecionistas em relação a certos bens de primeira necessidade. Estabeleceu preços bastante superiores aos praticados no mercado internacional, muito compensadores para os produtores nacionais. O mesmo não acontecia com os consumidores, cujo fraco poder de compra não se compadecia com preços tão elevados.
Como resultado destas políticas surgiu uma inflação galopante, que arrasou tudo quanto era expectável das citadas políticas protecionistas. Para além da fome que se instalou, sobretudo nas cidades, a pequena agricultura familiar de subsistência entrou em perda rápida e acelerada, impotente perante a subida vertiginosa do preço dos meios de produção.
Mercê das condições de isolamento já expostas, a mudança da estrutura económica operada no País pouco se fez sentir no Concelho de Bragança. O pequeno incremento na produção agrícola da última década do século XIX deveu-se, essencialmente, ao aumento da área dos terrenos produtivos.

O Gráfico n.º 14 mostra bem como se modificou a utilização do solo no Concelho. Da área total do Concelho, em 1874, 55% era considerada produtiva, 30,9% cultivada e 40,6% inculta mas cultivável; em 1902, esta última estava reduzida a 16,4%, e 79,4% era superfície produtiva, da qual 55,7% cultivada. Tal como ocorreu a nível nacional, o crescimento pouco significativo da produção agrícola concelhia durou pouco tempo, entrando em estagnação nos últimos anos da Monarquia.
Houve em Bragança, nos primeiros anos do século XX, enorme discussão sobre a problemática do emparcelamento da propriedade agrícola, dada a enorme fragmentação que se verificava, com um número de blocos por exploração – conjunto de parcelas que compunham uma exploração agrícola, afastados uns dos outros, o que obrigava a constantes deslocações de animais e homens – muito superior à média nacional. Nas explorações com seis e mais blocos, Bragança aparecia, em 1906, com o mais elevado peso relativo, destacando-se dos restantes concelhos (67,9% contra 32,7% da média nacional). No período que medeia entre 1900 e 1910, mais do que duplicou o grau de fragmentação da propriedade agrícola no Concelho, o que inviabilizava uma racional exploração económica da mesma. A este propósito, Eduardo de Freitas et al (1976) afirmavam “que uma elevada taxa de fragmentação numa dada região indica um retardamento das formas produtivas com profundas repercussões na produtividade das explorações”.

Pese embora as situações negativas verificadas, a agricultura era em 1900 o maior setor de atividade com 79,2% de ativos, contra 17,6% nos serviços e apenas 3,2% na indústria. O centeio, cultura principal do Município de Bragança, originava fracos rendimentos aos agricultores, fruto das baixas produtividades por hectare semeado: 537 kg em 1903, 721 kg em 1905 e 602 kg em 1908, quando o rendimento médio da cultura se situava nos 1 695 kg (Gráfico n.º 15). Para os agricultores concelhios, esta cultura proporcionava-lhes não só o grão mas também a palha, essencial para a pecuária.
O trigo, também conhecido como pão da cidade – em Portugal, a cultura do centeio foi sempre desprezada pelos poderes públicos, sendo todos os favores dispensados ao trigo – tinha baixas produções, apesar de lhe serem dispensadas as melhores terras agrícolas. Como afirmava Vergílio Taborda (1932), o afolhamento bienal, com um ano de pousio, era a regra do sistema de cultura.
A economia rural do Concelho de Bragança, na primeira década do século XX, tinha por base, para além da cultura cerealífera, a criação de gado, os soutos de castanheiros e a cultura da batata. Não admira assim que a paisagem natural do Concelho tivesse como tons dominantes o amarelo das searas de centeio e trigo, o verde dos lameiros e o castanho da terra.
Os bovinos de raça mirandesa, sobretudo animais de trabalho nas explorações agrícolas, eram o efetivo mais representativo no Concelho. Em 1908 o seu número elevava-se a 3, chegando aos 3 623 em 1910. Os ovinos eram importantes na alimentação da população do Concelho, chegando em 1908 às 963 cabeças e às 989 em 1910.
Importantes na alimentação ao longo do ano eram os suínos, cujo número ascendia aos 538 em 1908 e aos 978 em 1910. As raças cavalar, asinina e muar, tiveram efetivos de, respetivamente, 351, 425 e 308 unidades em 1908, e 497, 503 e 234 em 1910.
Os soutos de castanheiros tinham já naquela altura enorme importância na economia rural do Concelho.
Para além da madeira que servia como matéria-prima à artesanal indústria de mobiliário existente, a castanha era um fruto importante na alimentação animal e também humana.
A cultura da batata revestia-se de enorme importância para a dieta regular de homens e animais. Para além do cultivo da batata de consumo estar disseminado por todas as terras do Concelho, havia ainda produções de batata de semente no alto da serra de Montesinho e nas faldas da serra de Nogueira, destinadas à venda no Concelho e nas regiões circundantes. Pese embora o facto de a cultura estar ainda numa fase incipiente, a produção chegou a atingir as 11 500 toneladas em 1908.

As atividades extrativas limitavam-se a duas explorações mineiras em atividade, nas aldeias de França e Paredes/Parada. A produção era baixa, cerca de 4 toneladas de ouro/prata na primeira e 95 de volframite/cassiterite na segunda, em 1909.
Uma captação de águas sulfurosas, na aldeia de Alfaião, estava ligada à exploração das termas com o mesmo nome, para onde confluíam doentes do Concelho e de outras regiões com problemas dermatológicos, respiratórios e reumatismais. Apesar da forma artesanal como as termas eram geridas, a sua exploração originava fluxos financeiros importantes para economia da Freguesia e do Concelho.
A referida situação de isolamento de Bragança dificultava as trocas comerciais com as restantes regiões do País e do estrangeiro. A zona de fronteira com Espanha, em vez de facilitar as normais relações comerciais, impedia-as, o que originava fluxos de contrabando com alguma dimensão em ambos os sentidos. Nas aldeias do Portelo, Rio de Onor, Guadramil e Petisqueira, o contrabando de gado, sobretudo bovino e ovino, era frequente, dependendo o sentido do fluxo do preço praticado de cada lado da fronteira. Testemunhos recolhidos naquelas aldeias dão conta desta e de outras práticas frequentes de contrabando, nos primeiros anos do século XX, pese embora a repressão que então era levada a cabo.
Na Cidade, sobretudo na Rua Direita e na Rua de Trás, havia grande variedade de estabelecimentos comerciais, que iam das mercearias às padarias, das casas de ferragens às de mobiliário, das tabernas aos cafés, de uma tipografia a uma livraria, etc.
Numa breve síntese, diremos que a primeira década do século XX não foi favorável a Bragança, que apresentava fracos indicadores de desenvolvimento.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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