Refiro-me ao irmo-nos aviar à mercearia da rua, ou a um dos supermercados na nossa vila ou da nossa cidade. Comprar arroz, massa ou azeite, entre outras necessidades, é coisa que se faz quase sem que se dê por isso, a não ser claro, quando nos excedemos e sentimos depois a carteira mais esvaziada.
Nos meus tempos de menino e moço, na minha como em qualquer outra aldeia, havia uma ou duas mercearias, vendas, como se dizia, onde pouca coisa havia para vender, porque também muito pouco se podia ou queria comprar.
Grosso modo as pessoas alimentavam-se com as migalhas que as leiras e as hortas davam, com os animais de criação, com umas côdeas de pão e pouco mais. Carne era nos dias de festa, e vinho graças a Deus Nosso Senhor que é Pai, esse era todos os dias pois havia-o mais ou menos à farta e também era alimento.
Os produtos assim com mais um pouquito de luxo e que não havia ao dispor na venda, chegam à terra trazidos e vendidos pelo Azeiteiro. Até mais ou menos quando deixei os cueiros, o vendedor fazia-se transportar numa carroça tipo uma pequena camioneta de caixa aberta, só que puxada por um pachorrento burro.
Fazia-se anunciar com uma corneta para que lhes notassem a presença e lhe acorressem ao negócio. Como bem se vê, as técnicas de venda não são novidade da modernice. O veículo tinha prateleiras onde com todo o cuidado se espelhavam coisas que só não eram de encantar porque os olhos só viam aquilo que as barrigas precisavam.
As almas, essas, eram lavadas e alimentadas nas homilias entre rezas e hóstias como era educação de berço e convicção. Era nelas que se trocava o muito que se sofria por um lugar aconchegado depois da passagem pelo vale de lágrimas que é esta vida.
Com a evolução, a carroça foi trocada por uma carrinha fechada toda ufana e muito luzidia que fazia par com uma outra que levava e trazia livros emprestados e devolvidos na sua missão de biblioteca itinerante.
A do azeiteiro onde também havia petróleo para as candeias que iluminavam as vistas, era uma Volkswagen que está agora na moda com o nome de Pão de Forma. A outra com as luzes para o espírito sob a forma de letras, era uma carrinha da marca Citroen. Eram muito parecidas apesar de serem de marcas diferentes, se calhar porque ambas acartavam alimentos.
O Azeiteiro que vos apresento, se bem me lembro não era nado e criado na região, mas morava numa aldeia com estremas com a minha, em Tões, de onde partia feito almocreve pelos arredores. Era um homem com um corpanzil de meter respeito e fazia jus em qualquer mesa.
Segundo o que me recordo, não era de deixar ficar mal a cozinheira e batia-se calmamente em mesa farta sem deixar bocadito no prato por até poder parecer mal. Seguiria o ditado de que quem não é para comer, também não é para trabalhar.
Nas suas idas semanais à minha aldeia, almoçava opiparamente na casa dos meus pais, por gosto mútuo, mas também por negócio pois a vida não se governa só com agrados e sorrisos por mais que se lhes atribua valor. Era como se estivesse em sua casa, graças ao saber e ao ser de minha mãe que tinha um coração onde cabia este mundo e o outro.
Talvez devido a isso, se me ficou gravado na memória. Por falar nisso: por vezes dou por mim a ouvir a sua corneta a tocar. Será um imaginar meu, ou será que para lá das nuvens tudo se repete e ainda vão comprar os precisos para os condoitos aos azeiteiros que sem granjearem oliveiras vendem azeite e cimentam as memórias que ladrilham os caminhos do futuro?
Manuel Igreja
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