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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 8 de fevereiro de 2020

CAÇANDO TATUS

Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)


Janeiro de 1988. Quatro horas da manhã. Começava o dia; um sábado que antecedia o feriado municipal de São Paulo (dia 25, aniversário nº 434 da cidade de São Paulo).

PREPARAÇÃO
Lá em Pirituba, bairro antigo da cidade de São Paulo, os amigos Armando, Lazinho e Miguézinho, tomavam café na casa do primeiro. Lá fora, era grande a balbúrdia promovida pelo vai-e-vem dos cachorros que seriam levados à caçada de tatus; a preferida pelos quatro amigos. Estacionada no fundo da casa, a velha perua Rural Willys ano 1965, aos poucos ia sendo carregada com os apetrechos dos amigos caçadores: matulas de viagem (com comida pronta e a ser feita, pão, sal, vinagre, óleo de cozinha, arroz, cachaça, estojo de primeiros socorros, canecas de alumínio, três cartucheiras calibre 36 e uma 24; muita munição e uma espécie de gaiola improvisada, onde iam os cachorros: Zorêia, Gerente e General. Levavam ainda três cantis, uma garrafa térmica com café recém coado, um balde, dois garrafões de água potável, quatro panelas, uma frigideira, quatro facões, três canivetes, duas lamparinas, um litro de querosene, cinco maços de velas, um saco plástico com documentos pessoais e da perua, um rolo de cordas de cânhamo, maços de cigarros e pedaço de fumo de rolo e palhas de milho para o pito.
Cinco horas da manhã, eles partem para o meio da Serra do Japi, região do pico do Jaraguá!

PERCURSO ATÉ A ÁREA DE CAÇA
O veículo seguiu até determinado trecho da Rodovia Anhanguera, depois tomou o retorno à direita, passou sob a rodovia, cruzando-a e seguiu mata adentro, seguindo uma estrada de terra batida. O caminho estava seco, mas a vegetação ainda guardava o orvalho noturno, pássaros e pequenos animais, contemplavam aqueles quatro companheiros, do alto dos barrancos, das copas das árvores, em meio ao capinzal e aos arbustos rasteiros da beira da estrada. O Miguézinho ia repetindo tudo que o Lazinho falava, o Armando dirigia absorto e o Lazinho só dava risada das patacoadas que o Miguézinho ia contando. Eram histórias de caçadas que ele fazia com seus maiores amigos de trabalho; o Orcute e o Alemão. Ele contava de como os três judiavam de um velhinho que trabalhava com eles num engenho de pinga, lá em Passa-Tempo, nas Minas Gerais. Oito horas da manhã. Todos riam agora; uma vez que o Armando passou a se fazer presente na prosa que rolava solta. Num trecho íngreme da estrada, o Armando subiu tudo o que pôde, terminando por parar num ponto em que um enorme rochedo impedia-os de seguir adiante. O trecho era conhecido de todos eles, uma vez que ali era onde sempre deixavam a perua Rural Willys, toda vez que iam caçar tatus. Ali ao lado havia a nascente de um riacho que fornecia água gelada e cristalina. A água brotava do pé da rocha. A paisagem era belíssima. Desceram da perua, retiraram a gaiola com os cachorros e os soltaram; eles estavam excitados com o evento. Descarregaram os apetrechos, montaram cada um sua própria mochila, cada um pegou sua arma de caça, afivelaram os facões à cintura, calçaram as botas que substituíam os sapatos usados até então, cada um botou um chapéu na cabeça e consideraram-se prontos para partir para a caçada. Fizeram uma merenda reforçada, deram comida aos cães, tomaram cada qual uma caneca de café, arrumaram parte da matula no carro e outros acessórios foram inseridos nas mochilas levadas às costas, colocaram os cães na trela e partiram a pé, rumo ao grotão; no sopé do morro, donde se via sair uma nuvenzinha de garoa esbranquiçada. Desceram, escorregando, resvalando, se segurando, controlando os cães e as tralhas. Depois de hora e meia de esforçada caminhada, chegaram, finalmente ao vale do grotão; onde esperavam encontrar os mais belos tatus, objetivo final da caçada.

PRIMEIRA ETAPA DA CAÇADA
Dividiram-se me três equipes: o Miguézinho como cachorro General, levando pendurada ao ombro uma correia com uma cartucheira 36, um canivete alemão, um facão e um embornal com provisões e um cantil de água mais munição.
Armando armou-se com a cartucheira 24, o cachorro Gerente, munição, um facão e um embornal com provisões.
O Lazinho pegou a cartucheira 36, um facão, o embornal com provisões, um cantil com água e foi acompanhado pelo seu fiel cão de caça; o Zorêia.
Guardaram todo o resto das tralhas dentro da perua, trancaram-na e seguiram em três direções diferentes, tratando de se reunirem às duas da tarde ali mesmo onde a perua estava estacionada debaixo do grande ipê. Acertaram os relógios: era oito e meia da manhã!
E os três amigos embrenharam-se pelo mato, seguidos cada um pelos seus cães caçadores de tatus.

O CAÇADOR MIGUÉZINHO
Tão logo se separaram, o Miguézinho e o cachorro General se embrenharam nos grotões da Serra do Japi. Os dois caçadores percorreram a mata e os descampados, procurando buracos de tatu sob as árvores frutíferas e em todos os barrancos encontrados. Procuraram também “carreiros” de tatus, fezes, marcas das unhas, ou qualquer outro indício da existência de tatus naquele grotão. De vez em quando o Miguézinho descobria um buraco que acreditava ser novo e incitava o cachorro General a entrar e farejar. Em poucos minutos o General saía, quieto como entrou. Conclusão: nada de tatus!
O Miguézinho olhou o relógio; já passava das 15 horas! Resolveu fazer a refeição. Pegou o cantil e lavou as mãos frugalmente; tomou o embornal onde estava a “matula”, ajeitou os gravetos e acendeu o fogo. Os gravetos foram rodeados de pedras, sobre as quais o Miguézinho colocou a frigideira. Abriu os recipientes plásticos, retirando de um deles três grandes e fartas fatias de toucinho defumado. Tomou o caldeirão com feijão cozido com linguiça, e outro com mandioca e batatas cozidas. O perfume da comida fez com que o Miguézinho se acalmasse e pensasse o restante da caçada. Após a refeição, ele deu comida ao General que comeu e deitou-se ao seu lado. O calor era forte. Deu um sono, deitou-se à sombra e dormiu! O General ficou ao lado, montando guarda.
Uma lufada de ar no ouvido acordou o Miguézinho do cochilo fora de hora: uma jaguatirica, lambuzada de sangue do General, morto ali aos seus pés. Miguézinho ficou aterrorizado!
Entre levantar e correr ou correr até onde estava a cartucheira e o embornal com outros apetrechos de caça parecia improvável, dado o pânico que se deu conta. E a jaguatirica rosnava a pouco mais de um metro do Miguézinho, que se borrou todo, vítima de uma disenteria braba e molhou-se devido a uma incontinência urinária, da qual nunca teve em conta existir. Com muito custo, o Miguézinho conseguiu aguentar mais de meia hora da presença do pequeno felino contorná-lo, talvez desistindo de atacá-lo devido ao cheiro insuportável da merda humana. Tão logo a jaguatirica seguiu para o meio do mato, o Miguézinho, confirmando seu (mau) caráter, saiu correndo descalço, sem a espingarda e sem os apetrechos, esquecendo-se da mochila e do embornal. Ele foi encontrado, pelo Armando e o Lazinho muito mais tarde; no local previamente combinado, como veremos adiante.


O CAÇADOR ARMANDO
O Armando e o cachorro Gerente, embrenharam-se também mata adentro.
Tão logo entraram na mata fechada, apareceu uma lebre, de grandes orelhas. De imediato, o Armando pensou em atirar; depois pensou: carne de lebre não estava em suas preferências culinárias; além de tudo, o Lazinho detestava carne de lebre. Então o Armando atiçou o Gerente, que, incontinenti, saiu à caça. Foi o maior forrobodó que já se viu: a lebre saltava moitas e toras caídas e o Gerente corria atrás. A lebre tentava se esconder em algum buraco e o Gerente entrava junto dando mordidas e latindo. À cada mordida do Gerente, ele engolia pelos da lebre e mais pelos eram deixados pelo caminho; tais “pegadas” eram seguidas pelo Armando, arma em punho. Depois de um quarto de hora, nada mais se ouvia: o Gerente silenciou-se: ele havia abocanhado sua parte da quota; agora se servia da carne fresca da lebre, embora tenha ficado todo sujo de sangue, do qual ele parecia nem se aperceber.
Armando olhou o relógio; já passava das 14 horas. De repente sentiu-se cansado pela perseguição que fez ao Gerente e resolveu preparar sua refeição ali mesmo, onde o Gerente agora saciado dormitava á sombra de uma árvore. Armando então juntou folhas secas e gravetos e fez fogo. Enquanto crepitavam os gravetos, ele procurou por pedras para apoiar a frigideira; não as encontrando, cortou com o facão grossos galhos de uma árvore caída e fez uma espécie de micro fogueira de São João e na parte superior da pirâmide colocou a frigideira. Lavou as mãos com a água do cantil. Pegou uma cebola da sua matula e cortou-a com o canivete, colocou um bom pedaço de toucinho na frigideira e deixou derreter agregando as cebolas cortadas. O perfume da comida espalhou-se no ar; abriu o embornal e retirou um pequeno caldeirão dom polenta e molho de tomate. De outro, uma porção generosa de costelinha de porco, já previamente frita. Misturou a costelinha com a cebola e toucinho, depois de hidratadas, despejou a polenta com molho de tomate e viu que a quantidade era maior do que poderia comer, mas pensou em dar o excedente ao Gerente, que sempre queria um pouco a mais. Armando comeu exagerado e um sono leve o fez dormitar. Acordou com o pio de um nhambu chororó ao seu lado; nem teve tempo de apanhar a arma; o Gerente botou as patas sobre a ave, enquanto o Armando espertamente apanhou-o e puxou o pescoço da ave e embalou o troféu num saco de aniagem. Mais uma refeição estava garantida.
Voltou a tirar uma soneca. Só acordou com uma picada de mosquito. Levantou-se, Juntou os apetrechos, deu o resto de comida o gerente e começou a fazer o caminho de volta, até o local de encontro para passar a noite em que os três amigos haviam combinado; lá no alto do espigão, donde se via o Castelinho da Rodovia dos Bandeirantes, próximo do sítio da Maria Chica. O Gerente, como de costume, abanou o rabo, revelando contentamento canino.

O CAÇADOR LAZINHO
O Lazinho e o cachorro Zorêia foram os últimos a adentrar no mato. Seguiram por uma antiga estrada, abandonada, o Zorêia à frente. Depois de andarem por uma hora, o Lazinho avistou um grotão, de onde se ouvia o ruído de uma pequena cachoeira. Resolveu entrar no mato, em direção ao grotão. Como o mato estava muito intrincado, portanto de difícil acesso, ele empunhou o facão e foi cortando alguns galhos, cipós e capins à sua frente, seguido do Zorêia.
Chegaram próximo do pequeno rio, onde um desnível de três metros formava uma pequena cachoeira, cujo marulhar ele ouvira desde a velha estrada. Mal chegou, ouviu algo caindo na água: era um cateto que se assustou com sua presença e se atirou na água, nadando contra a correnteza, pois naquele trecho havia barrancos dos dois lados. O Lazinho sacou a espingarda e deu um tiro certeiro no cateto. A água avermelhou-se e o cateto deixou de lutar. Com uma forquilha de um galho quebrado ali próximo, o Lazinho conseguiu recuperar o cateto e sorriu feliz em saber que a caçada já seria um sucesso: pelo menos oito quilos de carne da melhor qualidade, estavam garantidos.
Embalou o cateto num saco de aniagem e o marrou às alças do embornal. Pensou: acho que já vou para o ponto de encontro; afinal já temos caça suficiente para três. Nisso, o Zorêia “levanta um tatu rabo mole que apareceu por ali: e correu para lá, para cá. O Lazinho apressou-se me recarregar a sua cartucheira. Depois da arma municiada, ouvia o som abafado dos latidos do Zorêia. O Lazinho foi na direção: o latido vinha de dentro de um buraco de tatu! O Lazinho ficou ali, vigiando o buraco, cartucheira empunho. O Zorêia saiu do buraco, viu o Lazinho e este o incitou a voltar ao buraco para fazer com que o tatu saísse por algum “respiro” (buraco disfarçado que os taus fazem para rota de fuga). O Lazinho ficou rondando nas imediações e viu quando as folhas de um trecho estava se mexendo e julgou ser o tatu escapando pelo respiro: tão logo as folhas foram tragadas pelo buraco, um vulto apareceu do respiro e o Lazinho meteu fogo com a cartucheira. Qual não foi sua surpresa em ouvir o tatu saindo pelo buraco principal e voltando-se, viu o Zorêia todo ensanguentado; vítima do tiro do Lazinho. O Lazinho chorou como criança, lá no meio do mato, jurando que nunca mais iria caçar e nunca mais teria um cachorro de caça. Com o auxílio do facão, fez uma sepultura para o Zorêia e o enterrou, bem próximo do local onde atirara. Depois cortou dois galho e com um cipó os amarrou de modo a formar uma cruz e depositou essa cruz sobre a sepultura. Arrumou sua tralhas e partiu par ao ponto de encontro. Levava um troféu de caça e a tristeza da perda de um “amigo”; o Zorêia.


PONTO DE ENCONTRO
Tão logo chegou no ponto de encontro, o Lazinho visualizou o Miguézinho todo sujo, fedendo, com a roupa rota e rasgada, descalço e os com os pés deformados por arranhões e espinhos, sem mochilas, sem cartucheira, sem tralha e sem o cachorro caçador, o Zorêia. Miguézinho estava febril e chorando, tiritando de frio. Com muito custo o Lazinho levou o Miguézinho até um riacho próximo. Despiu-o e o banhou como pode. Levou-o até o ponto de encontro, onde o Armando acabara de chegar. Armando assustou-se ao ver o Lazinho carregando o Miguézinho desacordado e nu. Enquanto o Lazinho desinfetava as mãos com cachaça e providenciava uns cobertores para o Miguézinho, pois a noite chegava e um ar frio varria a colina onde estavam; o Armando providenciava uma beberagem para dar ao Miguézinho. O Armando saiu pelos arredores e foi juntando folhas de ervas medicinais. Colheu folhas novas de uvaia, ananás verde, fedegoso, capim santo e casca de ipê roxo. Colocou todas as folhas e cascas numa panela, despejou água do cantil e levou ao fogo. Depois de uns minutos a panaceia fervia. Procurou nos embornais e encontrou um vidro com tampa com açúcar e adoçou como pode. Nesse interim, o Miguézinho tremia dentro da cama improvisada pelo Lazinho; tremendo de frio, mesmo enrolado em um cobertor de lã.
Quando o Lazinho viu a beberagem que o Armando preparou para o Miguézinho, lembrou-se de que tinha em seus alforjes um comprimido antifebril. Procurou-o por alguns instantes e o encontrou. Agora, os dois amigos amparavam o Miguézinho, enquanto forçavam-no a engolir o comprimido esmagado com canivete e despejavam goela abaixo do pobre, goles e mais goles da panaceia.
Deitaram o amigo confortavelmente enquanto discutiam o que iam fazer. Só então, cada um de per si, contaram o quê haviam conseguido na caçada diurna. Armando exibiu o belo exemplar de nhambu que caçou. O Lazinho então retirou do saco de aniagem o belo exemplar de cateto que houvera caçado. Exibiu-o e não pode deixar de escapar uma lágrima; explicando ao Armando em quê condições ele matou sem querer seu velho amigo de caçadas; o Zorêia. Nesse momento os dois ficaram tristes. O Armando costumava caçar com o Lazinho há muito tempo; talvez uns vinte anos. O Zorêia tinha quinze anos: muitas e muitas vezes foram caçar juntos.
Passaram então a cuidar de limpar o cateto, primeiro juntando folhas secas, com as quais cobriram a caça, ateando fogo em seguida. Ao final, deitaram a caça do outro lado e repetiram o fato. Depois que o fogo extinguiu e antes de continuar foram ver o Miguézinho: já não havia febre e ele dormia um sono profundo. Combinaram então de fazer uma comida para ele tão logo acordasse. Eles haviam combinado de voltar para casa no mesmo dia, porém com os acontecimentos, resolveram dormir ali mesmo e retornar ao amanhecer. Voltaram então às atividades. Limparam o cateto, levaram-no até o ribeirão ali próximo e lavaram as carnes, adicionando-as às panelas vazias, que por sua vez eram tampadas e sobre as tampas, prendiam um elástico feito de câmara de ar dos pneus do carro, mantendo-as hermeticamente fechadas. Quatro panelas ficaram lotadas. Em seguida limparam também o nhambu, depenaram e cortaram e temperaram com sal alho e tomilho e fritaram a carne na frigideira. Comeram a carne da ave, acompanhado por nacos de pão. Não havia sobrado comida, pois a intenção deles seria jantar em casa. Estavam lá comendo quando ouviram o Miguézinho chamar:
-“E aí? Não vão me convidar para jantar?”.
Os três amigos emocionaram-se. Miguézinho estava curado! Ele reclamou que só sentia uma dor na sola do pé direito quando se mexia: foram apurar! Um espinho havia deixado um enorme estrepe no pé do Miguézinho. O Lazinho, com a ajuda do Armando, afiou a ponta de um canivete e esterilizaram-no no fogo e o utilizaram, não sem muito esforço, para retirar o estrepe do pé do Miguézinho. O Armando ainda caçoou do Miguézinho:
-Jogamos sua roupa fora e a enterramos, o cheiro estava insuportável. Onde foi que você se meteu?
-Meus amigos, eu havia almoçado, tirei as botas e fui tirar uma soneca. Acordei com os latidos do General, que me salvou a vida, sacrificando-se por mim. Mal tive tempo de levantar-me e correr, mesmo descalço a espingarda ficou lá.
-Mas, qual era o bicho?
-Uma onça suçuarana; das pretas!
-Você teve sorte. Mas, descanse, vamos fazer um lanche para você também.
E assim, sob o céu estrelado da Serra do Japi, os três amigos passaram a noite, falando de suas proezas. Esta foi a última vez que caçaram juntos.

EPÍLOGO
Nessa época, com a fiscalização do IBAMA (N.A.) [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] tornando-se mais enérgica, todos os caçadores amadores de São Paulo desistiram de caçar; tornando sua saudade da vida dos campos ainda mais sofrida. Quem é caipira autêntico sabe o que isso significa!].
O Armando faleceu vítima de doença cardíaca dois meses depois dessa caçada de tatus; o Lazinho faleceu um ano após o Armando. O Miguézinho continua por ai, contando sua bravata maior: enfrentou de peito aberto uma onça suçuarana, das pretas; perdeu um cão amigo, mas continuou vivo. Dizem que até hoje apregoa sua mentira inocente por aí afora.
N.A.: criado em 22 de fevereiro de 1989 pela lei 7.735, o IBAMA é o órgão responsável pela preservação da fauna e da flora brasileira possibilitando ao Brasil o controle e a fiscalização de seus recursos naturais em busca do crescimento sustentável.

Criado em: 16/05/2012


Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.

2 comentários:

  1. Gostaria de me desculpar aos eventuais leitores dos erros de digitação. O texto é um tanto antigo, e eu não me perdôo de não ter feito a devida revisão.
    Mas, como cantado pelo inesquecível Belchior, lembro esta quadra de uma de suas músicas :
    "Tenho sofrido demais, tenho chorado pra cachorro; ano passado eu morri, )mas este ano eu não morro"!
    - Inte'!

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