O imóvel situado na aldeia de Baçal, próxima da cidade de Bragança, foi adquirido aos herdeiros do Abade por um privado para um projeto turístico que não se concretizou, assim como não tiveram seguimento as propostas políticas da Assembleia Municipal.
Do órgão autárquico saíram, nos últimos 20 anos, várias recomendações, nomeadamente para a classificação como Imóvel de Interesse Municipal ou para a aquisição do mesmo por parte da câmara municipal, que acaba de notificar o proprietário para criar condições de segurança ou proceder à demolição.
O proprietário, António Sérgio Strecht, confirmou à Lusa que recebeu a notificação do município, a 03 de fevereiro, e que já procurou empreiteiros “para fazerem os trabalhos necessários de segurança, mas está tudo ocupado”.
A prioridade que tem, neste momento, é desfazer-se do imóvel, que já colocou à venda em várias imobiliárias, uma decisão que disse ter tomado depois de ver chumbada uma candidatura a fundos do Turismo para recuperar a casa.
Segundo contou, dedicou dois anos à elaboração de um projeto cultural, com 10 quartos e espaços comuns para uma “oferta de lazer com um leque mais amplo” que abrisse a Cultura a um público mais vasto.
O empreendimento turístico na modalidade de “Casa de Campo” foi candidatado, em 2016, a financiamento para os “600 mil euros mais IVA” estimados e chumbado com a justificação de que “não era viável”.
“Mesmo mencionando que foi uma pessoa que participou na parte museológica do país, que foi um homem que escreveu 12 tomos a falar do distrito de Bragança e Trás-os-Montes, partilhou o que é a cultura portuguesa e também o que é cultura transmontana, ninguém conhecia o Abade de Baçal”, afirmou.
O chumbo do projeto “desmoralizou” e esgotou os recursos financeiros do promotor que agora só vê duas saídas: “a venda ou a demolição” da casa do clérigo que realizou a maior recolha etnográfica e arqueológica do distrito de Bragança, perpetuada no Museu Abade de Baçal.
A demolição implicará a perda de elementos como as inscrições alusivas a visitas ilustres que o Abade de Baçal recebia, entre elas Leite Vasconcelos, que foi um dos principais precursores da etnologia portuguesa.
Contactado pela Lusa, o presidente da Câmara de Bragança, Hernâni Dias, explicou que parte da casa continua habitada pela família do Abade e o que está em causa é a outra parte que foi vendida pelos herdeiros.
As pessoas que vivem na parte habitada foram “ao município transmitir uma dificuldade, no sentido de garantirem a segurança delas próprias tendo em conta que do outro lado a casa está a cair”.
Nesse sentido, o autarca justifica que só fez aquilo que a lei manda.
“Ou garante a segurança do imóvel através de uma reabilitação, ou numa situação extrema faz o pedido e o respetivo projeto para demolição do imóvel”, concretizou, indicando que ainda não chegou à Câmara qualquer resposta.
Sobre as recomendações que a Assembleia Municipal tem feito à câmara, Hernâni Dias reconhece “o valor simbólico e cultural”, mas salienta que o imóvel está reduzido a ruínas.
Ainda assim, afirmou que “pode haver várias soluções” para esta situação.
“Obviamente, em função daquilo que puder vir a acontecer, nós também estaremos disponíveis para poder trabalhar todos os assuntos e analisá-los todos convenientemente de forma a que se encontre uma solução”, indicou.
Lembrou, contudo, que “o imóvel foi adquirido por um particular ainda em razoável estado de conservação e que deveria ter tomado as necessárias medidas para evitar que a habitação chegasse ao ponto em que está hoje”.
O autarca deixou ainda a porta aberta para que “haja ali alguma ação concertada eventualmente” com o proprietário, “no sentido de perceber o que verdadeiramente quer para o imóvel”.
O presidente da câmara disponibiliza-se a analisar “aquilo que pode acontecer com alguma ajuda pública, não de financiamento direto, mas eventualmente até na articulação do que se poderá desenvolver dentro daquele espaço para um futuro próximo”.
A CDU tem levado o assunto recorrentemente à Assembleia Municipal de Bragança, onde, na última sessão de fevereiro, lamentou os desenvolvimentos.
O eleito José Castro critica a câmara por estar “na disposição de demolir” o imóvel, alegando que aquilo é direito privado, com “um desrespeito muito grande” pelas decisões da Assembleia, nomeadamente de uma comissão de notáveis.
Para o deputado municipal, se a Casa do Abade de Baçal estivesse classificada como Imóvel de Interesse Municipal, “o Turismo teria olhado de outra maneira” para o projeto que lhe foi apresentado.
Em vez de demolir, a CDU quer que a câmara recupere e que depois cobre ao proprietário.
Sem comentários:
Enviar um comentário