segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

O CASTELO DE OUTEIRO NA FRONTEIRA BRAGANÇANA

 ANA MARIA DA COSTA OLIVEIRA*


Resumo
: O castelo de Outeiro coroa uma crista quartzítica na região bragançana na margem direita 
do rio Maçãs. Sobreviveu quinhentos anos acabando por sucumbir à destruição dos castelhanos e ao abandono dos portugueses.
Com D. Dinis a povoação de Outeiro passou para a coroa recebendo foral em 1290, numa tentativa de fixação de população na fronteira.
À integração administrativa associou-se uma política de defesa, garantida por castelos que protegessem terras e populações. O castelo de Outeiro integrava a primeira linha de defesa da fronteira oriental transmontana, articulando-se com os castelos de Bragança, Vimioso e Miranda do Douro.
Durante a sua existência o castelo de Outeiro foi-se transformando sendo ainda possível ler nas suas ruínas estruturas românicas, góticas e modernas.

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* EAUM/ LAB2PT/ CHAM. anamcostaoliveira@gmail.com.
O artigo apresentado tem por base a tese de mestrado apresentada pela autora à Faculdade de Letras do Porto em Novembro de 2015 com o título Castelo de Outeiro, um marco na fronteira transmontana.
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Disponível AQUI.

Com o Tratado de Alcañices, em 1297, fixaram-se os limites entre Portugal e Castela. Desde então a monarquia delineou um programa de construção e reforma de fortalezas ao longo da fronteira. A par do esforço de defesa, a coroa empenhou-se também na fixação de populações nas zonas raianas, enquadrando-as num aparelho fiscal e administrativo que garantisse a soberania de Portugal1.
Será integrado neste plano de consolidação e proteção fronteiriça que surgem, na segunda metade do século XIV, as primeiras notícias do castelo de Outeiro. Erguido na freguesia de Outeiro, concelho de Bragança, a fortaleza coroa uma crista quartzítica a 800m de altitude, dominando toda a paisagem do planalto de Argozelo-Outeiro.
Nesta vasta área, compreendida entre os rios Maças e Sabor, e que se estende da cidade de Bragança à de Vimioso, foram construídas outras fortificações, como a de Bragança, Vimioso e Miranda do Douro que, associadas ao castelo de Outeiro, desenhavam a primeira linha de defesa da fronteira nordeste transmontana.
Apesar das fontes históricas não atribuírem um papel de relevo ao castelo de Outeiro na história militar portuguesa, pensamos que ao longo da sua existência, sobretudo entre a segunda metade do século XIV e 1762, data em que as tropas espanholas queimam o que restava do castelo, a fortaleza terá contribuído para o desenvolvimento e organização da região transmontana, como nos mostram os documentos.

A EVOLUÇÃO DA POVOAÇÃO DE OUTEIRO E DO SEU CASTELO

O entendimento da fortaleza terá que ser associado à evolução da povoação de Outeiro, que ao longo dos tempos, e com algum custo, foi fixando gente nesta região de fronteira. De facto, a preocupação de controlo fronteiriço e de afirmação do poder real impulsionou desde cedo a nossa monarquia, sobretudo a partir de D. Sancho I e especialmente com D. Dinis, a promover uma política centralizadora, recuperando terras a particulares e às instituições eclesiásticas, aumentando progressivamente a área de influência da coroa numa faixa junto à fronteira, de forma a garantir a segurança do reino. Será precisamente no reinado de D. Dinis que a vila de Outeiro passará dos domínios do mosteiro de Castro de Avelãs para a jurisdição da coroa, transformando-se a pequena aldeia num concelho de fronteira.

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1 MONTEIRO, 1999: 22.
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Em 1258, nas inquirições de D. Afonso III2, a paróquia de Santa Maria de Outeiro pertencia aos domínios do mosteiro de Castro de Avelãs. No texto faz-se apenas referência à igreja e não a qualquer fortificação.
Já durante o reinado de D. Dinis, em 1290, a povoação de “Outer de Muas”, que «jaz ao pé de Outeiro de Miranda», passará para os domínios régios através de um escambo entre a coroa e o mosteiro3. No mesmo ano, D. Dinis concederá «Carta do foro das aldeas d´Outer & de Muas»4, sugerindo a existência de dois núcleos populacionais que seriam agregados pela coroa num único concelho rural com o nome de Outeiro de Muas. Esta ideia é reforçada no foral que D. Manuel I doa a Outeiro de Miranda no século XVI, onde se afirma que «foi primeiramente imposto o nome douteiro de asnas ao dito lugar que agora se chama outeiro de miranda»5.
Em nenhum dos diplomas atrás referidos se faz referência ao castelo ou a qualquer tipo de fortificação na vila, contudo, sabemos que, com a fixação da fronteira entre os dois reinos ibéricos, D. Dinis incentivou não só a integração administrativa das populações, através da concessão de forais6, como desenvolveu uma política de defesa sustentada numa série de medidas onde constava a reforma ou a construção de estruturas militares que protegessem as suas terras e gentes.
Em 1313 a vila de Outeiro de Miranda, foi doada por D. Dinis a D. João Afonso, seu filho bastardo, estando mais uma vez o castelo omisso da carta7. Contudo, em 1355 os moradores de Outeiro de Miranda, pedem autorização para fazerem vila cercada num lugar chamado Outeiro8. Este pedido leva-nos a colocar a hipótese da existência de uma estrutura fortificada no local.
A fortaleza propriamente dita será apenas referida claramente em 1361, altura em que D. Pedro I a entrega a João Rodrigo de Bastos, para que este lhe faça menagem9. Passados 8 anos o castelo será tomado pelas tropas de D. Henrique II de Castela, sendo este o único registo do envolvimento da fortaleza numa batalha medieval10.

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2 PMH, Inq. – Inquirições Gerais de D. Afonso III. 1258. Quarta Alçada. (1258), p. 1285.
3 As Gavetas da Torre do Tombo. Vol. II. Gav. XII, Maços 8-5. Doc. 2364, p. 760. Documento também publicado em SANTANA, 2008: 70-71.
4 SANTANA, 2008: 72-73.
5 Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, Trás-os-Montes, p. 57.
6 PIZARRO, 2008: 342-343.
7 As Gavetas da Torre do Tombo. Vol. II. Gav. III, Maços 2-15, doc. 648, p. 31.
8 Trás-os-Montes Medieval e Moderno. Fontes Documentais. Séc. XIV, doc. 36.
9 Chancelaria de D. Pedro I (1357-1367), doc. 587, p. 268.
10 LOPES, Fernão – Crónica do Senhor Rei Dom Fernando Nono Rei destes Regnos. Capítulo XXXV.
Biblioteca Histórica – Série Régia. Livraria Civilização Editora. Porto. p. 96.
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Apesar de uma certa falta de protagonismo bélico, o castelo de Outeiro teve um papel importante na estruturação administrativa da região fronteiriça transmontana.
Para além de garantir a protecção e a segurança das populações, a fortaleza fazia parte de uma importante linha de defesa que vigiava os pontos de entrada no reino português, nomeadamente na zona de Quintanilha e de Pinelo. Para além do controlo fronteiriço, o castelo de Outeiro tinha um papel essencial no controlo da circulação no planalto que se estende entre Bragança e Vimioso. Daí a preocupação dos monarcas em manter a fortaleza, incentivando a fixação da população nesta região, garantindo assim a operacionalidade do castelo.
Prova disso é a notícia da autorização concedida por D. João I aos moradores de Outeiro de Miranda para construírem uma cerca da vila e erguerem casas no seu perímetro11.
Em 1418, o mesmo monarca ver-se-á obrigado a alargar os termos do concelho de Outeiro de Miranda, com prejuízo para Bragança e Miranda do Douro, mandando os moradores do concelho fazerem obras no seu castelo12.
No início do século XVI, os moradores reconstruem parte do muro da vila, que tinha ruído13, mantendo-se o castelo em bom estado até 1530.
Em 1642 são encomendadas peças de artilharia para as praças de Bragança, Monforte de Rio Livre e Outeiro, procurando-se adaptar as construções às inovações modernas e reforçar a defesa das praças14.
A preocupação em equipar a praça de Outeiro parece fundamentada, pois em 1646 uma incursão espanhola destrói a vila de Outeiro. Segundo o Abade de Baçal, o ataque obrigou a população a refugiar-se no castelo15.
Nos anos 50 do mesmo século, os ataques vizinhos sucederam-se em territórios de Miranda e Bragança. Segundo Rita Costa Gomes as destruições foram particularmente importantes em Outeiro, Bragança e Santo Estêvão (Chaves) 16.
Um século depois, Outeiro vê-se novamente envolvido nas guerras com Espanha, desta vez por causa da Guerra dos Sete Anos. A 13 de maio de 1762, a vila e a fortaleza encontravam se abandonados, tendo as tropas espanholas queimado e destruído o castelo17.

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11 Chancelarias Portuguesas de D. João I. Vol. III; Tomo 3 (1402-1418); doc. 1105; p. 173.
12 Chancelarias Portuguesas de D. João I. Vol. IV; Tomo I (1410-1425); doc. 20; pp. 26-27.
13 ALVES, VIII, 2000: 148-156.
14 ALVES, XI, 2000: 124-125.
15 ALVES, I, 2000: 90.
16 GOMES, 2003: 114.
17 MANSO PORTO, 1999: XXXVII.
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A ARQUITECTURA DO CASTELO DE OUTEIRO

Além da documentação escrita, a documentação grá_ca e as ruínas falam da arquitectura e da evolução do castelo.
Relativamente à documentação gráfica, destacamos os desenhos do Livro das Fortalezas de Duarte de Armas18, onde se podem observar duas vistas sobre o castelo de Outeiro e uma planta19.
Nas vistas que o escudeiro de D. Manuel I desenhou por volta de 1509 podemos ver que o castelo se encontrava em bom estado de conservação, mantendo todo o seu perímetro e elevando-se sobre a crista rochosa.
Das construções destaca-se o paço, que parece ter mais do que um corpo, e que serviria para albergar o alcaide e uma pequena guarnição. Poderia ter também uma cadeia e compartimentos para guardar o necessário à manutenção da praça.
Destas construções erguem-se duas chaminés e várias aberturas nos pisos superiores, sobretudo do lado oeste, voltado à aldeia.
Relativamente aos elementos de carácter militar realçamos as duas torres: a torre de menagem, junto à porta de entrada; e uma segunda torre que se ergue no interior da praça. Ambas coroadas com ameias pentagonais.
A entrada no castelo é desenhada voltada a sul e protegida por um balcão coberto. Na vista panorâmica oeste, observamos um muro em L, coroado com ameias pentagonais, impedindo o acesso directo ao castelo.
Na vista este-nordeste, é representada uma outra porta que dá acesso a uma estrutura baixa, com três troneiras cruzetadas, parecendo-se com uma barbacã.
Esta estrutura encosta a um torreão coberto e à torre de menagem. Sensivelmente por baixo do torreão e ao lado da barbacã, Duarte de Armas escreve “porta falsa”.
Na muralha do castelo, coroada com ameias quadrangulares, vê-se na extremidade noroeste, uma construção em madeira, a que Duarte de Armas chama “necesaryas”, ou seja latrinas.
Finalmente, e ainda sobre as vistas panorâmicas de Duarte de Armas, uma nota para a cerca da vila, que define uma plataforma inclinada a leste do castelo, formando um espaço mais ou menos ovalado e vazio de construções. Tem duas portas, uma a norte e outra a sul, e apresenta umas escassas ameias quadrangulares, dando a entender que as restantes poderiam estar destruídas.
A planta do castelo de Outeiro, desenhada por Duarte de Armas, representa apenas o recinto do castelo. O traçado da muralha tem uma configuração irregu-

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18 ARMAS, 2006.
19 As plantas de Duarte de Armas que serviram de base às imagens trabalhadas e aqui apresentadas foram retiradas do sítio do Arquivo Nacional Torre do Tombo: digitarq.dgarp.gov.pt.
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lar. Na metade norte, o castelo tem uma planta que parece ovalada e na metade sul as estruturas formam uma planta rectangular, sugerindo a imagem de duas fortalezas diferentes.
Segundo Duarte de Armas a muralha do castelo teria 95,26m de perímetro e muros com 2,20m de largo. Tinha apenas o balcão construído em madeira, destinado a latrina, e um único torreão coberto do lado sudeste, encostada ao “baluarte” (barbacã) e à torre de menagem.
A torre que Duarte de Armas designa como “menagem”, foi construída no extremo sul e fora do perímetro das muralhas. Tinha uma planta quadrangular, com cerca de 18m de altura e quatro andares.
A outra torre é designada pelo autor quinhentista, simplesmente como “torre”.
Ergue-se no interior da praça, sensivelmente a meio e tem cerca de 17m de altura, três andares e uma planta quadrada.
A torre de menagem do castelo de Outeiro integra-se bem no conceito de defesa activa, que Mário Jorge Barroca designa20. De facto, ela não só foi erguida na zona de defesa mais vulnerável, a entrada, como foi construída fora do perímetro muralhado.
Neste sentido, este elemento emblemático do castelo medieval foi planeado segundo os parâmetros mais avançados do castelo gótico, enquadrando-se bem numa cronologia de trezentos.
Já a segunda torre, a que se ergue no meio da praça, parece destoar desta filosofia inovadora. Tem uma planta quadrada, apenas um vão visível e três pisos. A leste desta torre central, localiza-se a cisterna.
Na planta as entradas no castelo são representadas: uma a sudoeste resguardada por um antemuro; e outra a sudeste, enquadrada diretamente pela torre de menagem e protegida por aquilo a que o escudeiro chama “baluarte”. Sobre a primeira, Duarte de Armas escreve: «Entrada da porta com hua guaryta em cyma». O acesso à segunda fazia-se pelo recinto cercado da vila e era defendida por quatro troneiras cruzetadas.
Para além dos desenhos de Duarte de Armas existem ainda outras plantas do século XVIII, que apresentam semelhanças entre si21. A comparação destes desenhos permitiu estabelecer uma proposta evolutiva do castelo ao longo do período que medeia os anos de 1509 e 1762.
Em dois desenhos do século XVIII, são representadas dentro do perímetro da cerca da vila, duas construções, correspondendo uma delas à capela de Santa Luzia, referida nas Memórias Paroquiais de 1758, e outra a um poço ou cisterna.

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20 BARROCA, 2003: 119-120.
21 Plantas consultadas em SIDCARTA – Sistema de Informação para Documentação Cartográfica: o espólio da Engenharia Militar Portuguesa: sidcarta.exercito.pt.
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Para além destas estruturas a planta, desenhada a mando do Tenente General Gorge Cary, faz mesmo referência a “quartos”, talvez destinados às tropas.
A planta que tomamos como referência preferencial para a nossa comparação com o desenho de Duarte de Armas tem a data de 1762 e foi publicada num trabalho de Carmen Manso Porto22. Numa primeira análise podemos dizer que ambas as plantas representam o castelo com as mesmas estruturas principais: as duas torres, que parecem não ter sofrido alterações, a muralha, as barbacãs, o paço e a cerca da vila.
As entradas continuam a ser duas, com as suas barbacãs. Nestes últimos elementos houve modificações. O antemuro de Duarte de Armas aparece na planta do século XVIII fechado contra a cerca da vila e com uma porta voltada a sul. A barbacã da entrada voltada ao interior da cerca também foi reformulada, tendo-se construído muros esquadriados, desaparecendo o torreão coberto.
As divisões das construções interiores da praça do século XVIII mantêm, no essencial, a disposição desenhada por Duarte de Armas, com exceção para duas construções mais a norte.
Resumindo, podemos concluir que o castelo de Outeiro não terá sofrido grandes alterações entre o século XVI e XVIII, mantendo o essencial da sua planta e da sua estrutura militar.
Para além da análise das plantas que desenharam uma parte da “vida” da fortaleza, os vestígios que o tempo e a acção humana nos deixaram, também nos dão pistas para a sua compreensão.
Ausente dos planos de restauro dos monumentos nacionais que foram considerados emblemáticos pelo Estado Novo, o castelo de Outeiro apresentava, na segunda metade do século XX, rombos significativos nos paramentos ainda erguidos. Em 1993, foram efetuados trabalhos de consolidação, preenchendo as aberturas que ameaçavam o que restava das muralhas. Estes restauros são visíveis não só pelas diferenças de aparelho, mas também pelos materiais usados.
Apesar da densa vegetação que cobria todo o outeiro, confirmamos uma parte significativa da estrutura desenhada em 1762 e que corresponde, grosso modo, à fortaleza representada por Duarte de Armas.
Identificamos a quase totalidade da torre de menagem, um pequeno troço do que julgamos poder ser a torre interior, quase todo o perímetro da muralha do castelo e o que poderá ser parte da barbacã voltada à cerca. Embora bastante destruída, e encoberta pela vegetação, confirmamos todo o perímetro da chamada “cerca da vila”, incluindo a porta de entrada voltada a norte.

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22 MANSO PORTO, 1999: 57-58.
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Hoje apenas existem dois tramos de muros, acima da cota do solo: um voltado a leste e outro que corresponderia ao troço de muralha que ligaria as duas torres.
A restante muralha encontra-se derrubada até à cota do solo (Fig. 1).
A torre de menagem, que encostava à muralha pelo lado exterior, teria cerca de 20m2 de área útil, diferindo apenas alguns centímetros das medidas indicadas no desenho de Duarte de Armas. Já para a torre interior não foi possível aferir pormenores, pois os vestígios são diminutos.
Diminutos são também os vestígios das barbacãs que enquadravam as entradas no castelo. Da que protegia a porta sudoeste identificamos um possível arranque de muro junto à muralha e um orifício circular num dos penedos que poderia ter servido de gonzo de uma porta. Da barbacã que protegia a entrada voltada à cerca da vila, julgamos ter identificado um troço de muro, com cerca de 11m de comprido. Contudo, dadas as condições do terreno, não nos foi possível confirmar a sua verdadeira função.
A cerca da vila desenha-se na sua totalidade. Esta estrutura é bem visível na zona sul, onde curva e encosta à muralha do castelo e na zona norte onde fecha na muralha. No interior do recinto há muita pedra solta e blocos da muralha, contudo não identificamos qualquer alinhamento de construções.
Para além da confirmação da planta do castelo, registamos ainda alguns vestígios que nos auxiliaram na leitura das diferentes fases construtivas da fortaleza.
A primeira observação é sobre os alçados das muralhas. Os muros do castelo assentam na penedia, adaptando-se a ela, e em certos locais, a rocha foi verticalizada para complementar a muralha.
Esta foi construída com pequenos blocos de pedra, tendencialmente rectangulares, e com argamassas amareladas. As pedras foram assentes em fiadas horizontais, cuja regularidade foi mantida com placas de xisto que horizontalizavam as fiadas ou verticalizavam os blocos. O interior do muro era preenchido com cascalheira e argamassa. Este tipo de construção parece homogéneo desde a zona da entrada sudoeste, contornando a penedia a norte, até à zona voltada a leste, onde foi implantado o marco geodésico.
O muro de ligação das duas torres parece ter um aparelho ligeiramente diferente.
Os blocos de pedra são mais pequenos, menos regulares e com fiadas pouco horizontais.
A cerca da vila foi também construída em alvenaria, sem contudo haver intenção de formar fiadas horizontais. Nota-se de facto, que se trata de uma construção diferente da muralha.
Para além da técnica construtiva das muralhas, realçamos ainda um outro pormenor que nos parece bastante interessante. No troço de muralha voltado a leste, identificamos duas seteiras que foram entaipadas e inutilizadas. Estes elementos são bem visíveis, tanto do lado interior como exterior da muralha. Foram rasgadas num pequeno cotovelo, uma voltada a leste e outra a norte. Este ângulo na muralha, não se encontra representado nas plantas do século XVIII, mas aparece na planta de Duarte de Armas. Contudo o escudeiro não desenha as seteiras na planta.
A análise de todos os elementos enunciados permitiram-nos levantar algumas questões que consideramos pertinentes para a compreensão do castelo de Outeiro.
A fortaleza não obedeceu a um único plano de construção e não teve apenas uma fase de edificação. Na verdade a observação dos desenhos do escudeiro de D. Manuel I, sugere-nos, logo à partida, uma planta com dois momentos construtivos e que reflectem diferentes opções: a norte uma estrutura com características românicas, e a sul, edificações que se enquadram no conceito de defesa activa, característica própria das fortalezas góticas.
Embora a documentação não faça referência a um castelo anterior a 1361, parece-nos que, tanto as plantas como os vestígios de campo, apontam para uma construção anterior a esta data, podendo mesmo ser anterior ao reinado de D. Dinis.
Esta construção românica pode ser lida na planta de Duarte de Armas, na torre interior, que pensamos se ergueria isolada no meio do pátio, na existência de uma cisterna ao lado da torre e de uma porta falsa. Para além destes elementos, observamos as diferenças do aparelho construtivo da muralha onde foram abertas duas seteiras.
As construções da zona sul do castelo de Outeiro, não parecem levantar dúvidas quanto à sua natureza gótica. Aqui as questões colocam-se nos diferentes momentos de construção.
Assim é provável que as entradas do castelo tenham recebido as primeiras reformas, com a construção do torreão coberto e do antemuro que protegiam as portas. Na mesma fase poderá ter sido construída a torre de menagem, encostada à muralha, o muro que ligava as duas torres, e que permitia a defesa da entrada sudoeste, e os balcões de tiro vertical. Todos estes elementos poderão ter sido construídos entre o reinado de D. Dinis e D. João I.
Segundo a documentação, e a partir de 1414, terá sido concluída a cerca da vila.
A construção dos paços poderá ter ocorrido, entre a segunda metade do século XIV e XV.
Já a construção das troneiras cruzetas, e talvez da barbacã voltada à cerca da vila, poderão ter sido inseridas a partir da segunda metade do século XV, altura em que o castelo fazia parte dos domínios dos duques de Bragança.
Relativamente à cerca da vila, não sabemos se foram construídas casas para os moradores de Outeiro, tal como era vontade da população e de D. João I. A documentação apenas dá conta do despovoamento da vila em 1418, sendo possível que a ocupação da cerca não tenha tido sucesso. Contudo, as plantas do século XVIII mostram representações de casas para militares, uma capela e um poço. Não temos dados suficientes para apontar uma cronologia para estas estruturas, porém podem ter sido erguidas já em época moderna/contemporânea.
Parece evidente que nem sempre a observação das estruturas permite esclarecer a natureza das fortificações. Estes edifícios militares, atravessaram toda a Idade Média e foram objecto de diversas alterações, não só como resultado de adaptações às inovações técnicas e arquitectónicas, mas também devido a restauros de destruições provocadas por conflitos em que se viram envolvidas.
Para cada castelo haverá uma narrativa, que nem sempre é legível nas suas edificações. Estas podem condicionar a nossa visão e restringir a nossa análise, daí a importância documental como complemento à leitura arquitectónica. Já os trabalhos arqueológicos poderão esclarecer muitas dúvidas, sendo necessário a definição de projectos integrais que visem leituras alargadas e não apenas leituras pontuais, cujas conclusões podem ficar aquém das dúvidas levantadas.

BIBLIOGRAFIA
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