A Associação, que integra parceiros como o Centro Ciência Viva, vai trazer ao Nordeste Transmontano centenas de investigadores e apresentar novos projetos na área.
Em entrevista ao Mensageiro, a presidente da associação, Vera Novais, explica em que consiste a Comunicação em Ciência e os objetivos deste congresso em Bragança.
Mensageiro de Bragança: Em que consiste a comunicação em ciência?
Vera Novais: Comunicação de ciência é, numa definição ultra simplificada, exatamente o que as palavras significam. O que queremos comunicar é ciência, mas a palavra fundamental aqui é “comunicação”, tal como o é para um jornalista. Comunicar não é simplesmente falar ou escrever, é transmitir uma mensagem de forma a que ela seja recebida e compreendida pela outra pessoa.
Mas ainda mais importante é: para que serve? Quando o conhecimento científico é tornado claro e acessível a todas as pessoas, estas tornam-se mais capazes de tomar decisões (p.ex. usar ou não usar uma máscara facial num local com muitas pessoas), de questionar quando as informações levantam dúvidas, como tratamentos que ainda não foram validados por entidades independentes, distinguir informação fidedigna de conteúdos falsos ou deturpados — só para dar alguns exemplos.
MB.: Quais os maiores desafios que enfrentam os investigadores?
VN.: Os investigadores usam uma linguagem própria, um conjunto de conceitos específicos da sua área de investigação e que facilita a comunicação com outros investigadores que trabalham na mesma área. Mas esta linguagem e estes conceitos nem sempre são do conhecimento da população em geral.
Há ideias que podem ser explicadas por outras palavras, mas há muitos outros conceitos que não são tão fáceis de transformar em linguagem corrente ou que os investigadores não querem deixar de usar com medo de comprometerem o rigor científico. O papel do comunicador de ciência é precisamente fazer esta ponte entre o cientista e a pessoa a quem quer chegar, seja pela formação dos investigadores para a comunicação com os vários públicos, seja na tradução da linguagem científica em explicações de mais fácil compreensão.
Para os comunicadores de ciência, as principais dificuldades partem, ainda, da falta de reconhecimento da importância destes profissionais como intermediários no processo de comunicação. Basta voltar um pouco atrás, à pandemia de Covid-19, e ver como as falhas de comunicação (que poderiam ter sido evitadas) comprometeram as mensagens importantes que se queriam passar.
MB.: Que ferramentas podem ser usadas para alcançar a população?
VN.: Há muitas pessoas, públicos diversificados, que já estão sensibilizados para a importância da ciência ou que têm interesse em aprofundar os conhecimentos científicos. Estas pessoas são as mais fáceis de alcançar porque procuram ativamente o contacto com a ciência e com os comunicadores de ciência enquanto intermediários — compram livros e revistas de divulgação científica, vão a museus e participam em atividades de comunicação de ciência.
O mais difícil é chegar às pessoas que não sentem como importante o contacto com o conhecimento científico. Nestes casos, ainda mais do que nos outros, é necessário entender as necessidades das pessoas e usar esse caminho para chegar até elas. Terá pouco impacto falar de doenças tropicais como a malária em locais onde não existe, como Bragança, mas fará todo o sentido falar dos riscos da seca nesta região, por exemplo.
MB.: Alguns dos projetos a este nível são diferenciados daquilo que o cidadão comum está habituado. Quais destacaria?
VN.: Os projetos de comunicação de ciência têm-se adaptado aos seus públicos e às necessidades identificadas na audiência. As exposições e módulos experimentais nos museus e centros de ciência serão um dos exemplos mais tradicionais, mas para chegar a outros públicos ou a locais onde estes espaços não estão presentes é preciso criar novas formas — visitas virtuais, ações online, jogos...
A comunicação de ciência encontra vários veículos e nem sempre os cidadãos se apercebem disso. Recentemente tenho visto desenhos animados onde a personagem principal é uma figura feminina, interessada em ciência e que apela ao raciocínio científico das crianças (além de promover a presença das mulheres na ciência). Podemos pegar numa atividade tradicional, como a apicultura ou a produção de queijos, e explorar a ciência associada, valorizando ambas. Posso dizer que também é bem sucedida a comunicação da ciência através do cruzamento com outras áreas, como o teatro, a comédia, a música, a culinária, o design, etc.
MB.: Este ano, Bragança vai acolher a 11.ª edição do congresso de comunicação de ciência. Porquê Bragança?
VN.: Basicamente porque nos mostraram que Bragança apresentava as condições ideais para receber o evento. As duas instituições da cidade que fazem parte da organização têm desenvolvido iniciativas de comunicação de ciência bem sucedidas e querem dar continuidade a esse caminho. E uma das missões da Rede de Comunicação de Ciência e Tecnologia de Portugal (SciComPt) é apoiar essas iniciativas. Além disso, os congressos que se realizam anualmente desde 2013 vão sendo realizados em locais diversificados, como São Miguel, Açores, no ano passado, ou Figueira de Castelo de Rodrigo, em 2018. Ainda não tínhamos vindo a Bragança. Este foi o momento.
MB.: Quais os objetivos deste congresso?
VN.: Os congressos anuais cumprem os objetivos da SciComPt, como promover a comunicação de ciência e a formação dos comunicadores, mas também promover a importância da comunicação de ciência junto da população, dos investigadores e dos decisores políticos.
Em Bragança queremos aprender com os bragantinos como se ultrapassam obstáculos, encurtam distâncias e quebram fronteiras artificiais, para que também nós, comunicadores de ciência, consigamos criar ligações entre áreas distintas do conhecimento, da comunicação e das artes. O tema do congresso é “Transformar” com o significado de ir “além de”, dar forma, modelar e recriar.
MB.: Quantos investigadores vai reunir e quem vai poder assistir?
VN.: Os congressos SciComPt estão abertos a todos aqueles que estejam interessados na comunicação de ciência, os que a têm como profissão a tempo inteiro, os que a fazem como complemento de outras atividades profissionais ou o curiosos. Por isso participam pessoas dos gabinetes de comunicação das universidades e unidades de investigação, monitores dos museus e centros de ciência, investigadores de diversas áreas científicas e investigadores na área de comunicação de ciência, jornalistas, professores e estudantes.
Em anos anteriores tivemos mais de 150 participantes, mas este ano gostávamos de chegar aos 200. E esperamos que os alunos do Instituto Politécnico de Bragança engrossem este número, uma vez que temos preços especiais para eles.
Posso acrescentar que, ainda que seja um congresso nacional, a língua portuguesa permite envolver colegas brasileiros e dos países africanos e até os nossos colegas espanhóis, que participam regularmente no congresso.
MB.: Que projetos inovadores serão apresentados na edição deste ano?
VN.: Os comunicadores de ciência tiveram até dia 17 de fevereiro para apresentarem as suas propostas, as novidades que gostariam de apresentar no congresso, incluindo as demonstrações que podem ser visitadas por todos os alunos do Instituto Politécnico de Bragança, onde vão decorrer parte dos trabalhos (no primeiro dia vamos ocupar os espaços culturais da cidade). Estas ideias ainda não as conheço porque primeiro vão ser avaliadas pela Comissão Científica.
Mas há outros momentos do programa que podemos já adiantar, como as oficinas de formação que decorrem no dia 3 de maio e estão abertas a todas as pessoas e não apenas às que participam no congresso. Durante o congresso teremos uma palestra de Pedro José-Marcellino — vale a pena irem ao nosso site espreitar o perfil —, que é astronauta-cidadão e tem raízes nesta região, e outra palestra da jornalista espanhola Pampa García Molina. Vamos ter ainda um debate sobre inteligência artificial e uma mesa redonda dedicada à investigação. O resto do programa vai sendo atualizado no site à medida que vamos tendo confirmações.
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