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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 11 de abril de 2023

Peripécia 4: Partir um copo no bar

 Por: Luís Abel Carvalho
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Peripécias de um Penalbilhas na Escola Industrial de Bragança

Num dia em que não tínhamos aulas à tarde (penso que era quarta-feira), já meios animados com uns finos bebidos no café Leal, fomos até ao bar da escola, eu e o penalbilhas. Querendo assinalar de forma inequívoca a nossa presença às meninas que ali se encontravam, talvez tivéssemos exagerado, de forma inconsciente (mas de modo compreensível para aquelas idades), lá pedimos uma bebida e, por descuido, um de nós partiu um copo. Com medo, e para aumentar e destacar a nossa viril presença, fugimos pelas traseiras para o descampado, onde se fazia o corta-mato distrital no inverno. Era um terreno acidentado, cheio de valas e íngreme. Eu próprio, em 1971 fui classificado para o  “corta-mato“, juntamente com o Jorge Pessoa, a representar a Escola Industrial de Moncorvo. Alguém me passou uma rasteira (penso eu) e caí numa das muitas valas abertas. Momentos depois, quando já relaxava-mos, ouvimos uma voz: “Ei! Parai aí “. Era o contínuo Lopes. Começámos a correr novamente, de forma atabalhuada e ele sempre a avisar-nos: “ É melhor parárens, se não bai ser pior pra bós”. Parámos. Quando o Lopes já estava perto de nós, quase nos implorou: “ É melhor boltárens pra trás. Olhai que o Senhor Director já sabe. Foi ele que me mandou chamar-bos “,disse  deitando os bofes de fora”.
      Lembro-me de haver dois contínuos: o Vinhais, homem corpulento, de olhar duro, que impunha medo e respeito. O Lopes, mais franzino e de olhar simples, apenas impunha amizade. Era um dos contínuos mais próximo de todos nós e respeitado pela amizade que todos lhe tínhamos. Era quase como um irmão mais velho, a quem todos queríamos e confiávamos. Era um homem simples, humilde, amigo de todos os alunos, querendo sempre estar do nosso lado. Já o Vinhais, embora não fosse má pessoa, apenas  o queríamos ver pelas costas.
      - Ó Lopes! Bolta pra trás e dizes que num falastes connosco – aconselhou-o o penalbilhas.
      - Mas foi ele que me mandou bir atrás de bós! – Disse indefeso.
      - Num intressa. Dizes que num t´oubimos. Dizes que já íamos longe e que num conseguistes apanhar-nos.
      - ´Stá bem, mas olhai que bos ides quilhar – aconselhou, encolhendo os ombros, desistindo.
      O Lopes dá deu meia volta, resignado, de ombros encolhidos e nós lá continuámos a fuga, até ao Bairro da Mãe D´Água.
      No dia seguinte, poucos sabiam do sucedido, assistimos a todas as aulas, sempre com o coração nas mãos, cheios de medo. Na sexta, porém, durante a aula de físico-química, entrou uma funcionária, com um papel na mão, no qual solicitava a nossa presença diante do Director. (Qualquer comunicação lida por algum funcionário, ou até pelo próprio Director, o que aconteceu por diversas vezes, era sempre durante as aulas de Física! Diziam que a coincidência tinha uma razão de ser: corria o boato de que o Dr. Hirondino fora, em tempos, apaixonado pela Drª Aurora!).
      Todos ficaram surpreendidos e nos perguntavam: “ O qué que fizésteins?”. Lá saímos cabisbaixos e dirigimo-nos ao gabinete do Sr. Director que ficava nos ré-do-chão, acompanhados pela funcionária.
Depois de a funcionária nos anunciar e depois de ter saído e fechado a porta, o Director perguntou-nos com cara de poucos amigos:
     - Então que insurreição foi essa de 4ª feira?
     - Não foi insurreição nenhuma, Sr. Director – balbuciei.
     - Não foi?! Ai não foi! Até partistens um copo no bar e fugistens – disse com um sorriso amarelo no rosto. – Então o que chamais a isso?
     - Foi só um descuido, Sr. Director. Até fui eu que o parti. Escorregou-me das mãos sem querer e partiu-se – assumiu estoicamente o prosmeiro,  a balbuciar.
      - E depois fugimos com medo. Ficámos muito assustados e fugimos. Pedimos muita desculpa, Sr. Director. Juramos que não volta a acontecer – disse eu firmemente e com ar de falso arrependimento.
      - Muito bem. Pois muito bem! E então desobedecer às ordens do contínuo, chamais o quê?
      -  Não chamamos nada, Sr. Director. Nós não vimos e nem ouvimos nenhum contínuo. – Continuou o fidalgo da corte da palha, a defender-nos. – Só de caso o tivéssemos visto ou ouvido, teríamos parado e obedecido – afirmou com convicção.
      - Pois bem. Vamos já tirar tudo isso a limpo.
      O Sr. Director pegou no telefone e ordenou: “mande vir aqui o Sr. Lopes, se faz favor“.
      Enquanto esperava pela chegada do Lopes, não disse mais nada. Limitou-se a passear, de mãos atrás das costas, pelo gabinete, de modo concentrado e sério. Eu e o penalbilhas mal nos olhávamos, de olhos postos no chão, em sinal de humildade, com as pernas a tremer como varas verdes e a pedir a Deus que nos livrasse do pior.
    Eis que  bateram à porta e depois de um “pode entrar” do Director,  entra o Lopes, pedindo licença e baixando a cabeça, fazendo uma vénia. Foi logo fuzilado com morteiros letais saídos dos meus olhos e dos do pantomineiro. Os raios letais, quase como lasers, foram de tal modo eficazes, que o Lopes estremeceu e fixou o olhar na alcatifa cinzenta, que decorava o gabinete.
    -  Faça o favor de entrar, Sr. Lopes. Mandei-o chamar para me tirar uma dúvida. Quando na 4ª feira o Senhor Lopes foi no encalce destes dois alunos, chegou a falar com eles?
    - Falar, falei, Sr. Director, mas só de longe. Penso que no m´oubiram. Eles já iam munto longe!
    - Quer então dizer, que não houve qualquer diálogo entre si e os alunos...
    - Eu bem gritei pra pararem, mas eles nem s´quera olharam pra trás! No sei se m´oubiram ou não, mas o certo é qu´eles já iam lá ó fundo...
    - Obrigado, Sr. Lopes. Pode-se retirar.
    O Lopes saiu e recebeu agora um olhar macio, de agradecimento de ambos.
    - Muito bem! Como sou uma pessoa justa e não gosto de castigar ninguém na dúvida, podeis ir. No entanto, quero alertar-vos para que não volteis a repetir o sucedido.
    - Muito agradecido, Sr. Director – agradeci com a maior humildade, dobrando a espinha.
    - Não voltará a acontecer, Sr. Director – garantiu o penalbilhas.
    Saímos e ainda fomos a tempo de assistir ao fim da aula. Para espanto – e, se calhar, para frustração de alguns – entrámos com um sorriso de vitória e de regozijo. No entanto, fomos felicitados por todos e, inclusive, pela Drª Aurora!

Fontes de Carvalho

Fontes de Carvalho
, pseudónimo de Luís Abel Carvalho, nasceu no Larinho, uma aldeia transmontana do Concelho de Torre de Moncorvo, Distrito de Bragança. É o filho do meio de três irmãos.
Estudou em Moncorvo, Bragança e no Porto, onde se formou em Engenharia Geotécnia. É casado e Pai de três filhos.
Viveu no Brasil, onde passou por momentos dolorosos e de terror, a nível económico e psicológico. Chegou a viver das vendas de artesanato nas ruas e a dormir debaixo de Viadutos.
No ano de 1980 e 1981 foi Professor de Matemática em Angola, na Província de Kwanza Sul, em Wuaku-Kungo. Aí aprendeu a desmistificar certos mitos e viveu uma realidade muito diferente da propagandeada.
Em Portugal deu aulas de Matemática em diversas cidades, nomeadamente em São Pedro da Cova, Ponte de Lima, Cascais (na Escola de Alcabideche, onde deu aulas aos presos da cadeia do Linhó), Alcácer do Sal, Escola Francisco Arruda e Luís de Gusmão, em Lisboa. Frequentou durante quatro anos, como trabalhador-estudante, o curso de Engenharia Rural, no Instituto Superior de Agronomia.
Em 1995 fundou a empresa Bioprimática – Reciclagem de Consumíveis de Informática, onde trabalha até hoje como sócio-gerente.

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