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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Máscaras de Ouro em Almas de Vidro

 Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)

"O mundo das artes, ao mesmo tempo que encanta com sua aparente beleza, desilude com a realidade crua e nua dos bastidores." 


Assim passaram pouco mais de três anos do meu percurso pela Revista Vicejar, após convite de um dos seus fundadores para colaborar com esta excelente “colecionadora” de belíssimos textos: Paulo Cesar Paschoalini. Hoje, um grande amigo de longa distância, mas sempre próximo do coração. Ser humano de M maior, porque revestido de uma nobre humildade e elevada sensibilidade, qualidades raras que em poucos podemos vislumbrar, numa sociedade fortemente lesionada nos seus sentimentos e na sua ética.

A ele agradeço e agradecerei sempre, profundamente, a confiança depositada em mim e nesta minha forma de expressão, com a certeza de que a oportunidade que me foi concedida, em paralelo com o privilégio inestimável de todo o seu apoio, têm constituído, garantidamente, uma experiência feliz e enriquecedora, de enorme crescimento pessoal, que permanecerá comigo infinitamente.

Mas não me basta apenas desempenhar, com orgulho, o papel de colaboradora na Vicejar. Também aqui procuro, regularmente, o aconchego da leitura e o consolo na qualidade do que leio. Num tempo de saber que se vai construindo em terreno cada vez mais inóspito, e espaços onde predomina a iliteracia de uma cultura aleijada e vastamente despida de conteúdo, é gratificante encontrar-me, sempre que me é possível, com a qualidade das palavras e emoções descritas e a notável mestria de quem, ao meu lado, segue este mesmo caminho. Cada autor no seu estilo único e particular, com a peculiaridade da sua escrita, vão contribuindo para um mosaico de perspetivas e narrativas que nos permite descobrir, enquanto leitores, mundos interiores repletos de vivências, de sonhos e diferentes perceções.

Mundos esses que são, para mim, uma bonita fonte de inspiração. Porque, talvez inocentemente, acredito que o mundo literário deverá ser mesmo assim, não somente uma busca sôfrega por aplausos com o intuito de massajar a vaidade do ego, mas também, muito e sempre, a capacidade de perceber no outro os seus dons. Aprender e inspirarmo-nos neles com humildade genuína. Não ser feliz nas palavras apenas quando a nós mesmos nos dizem respeito, mas também ter a dignidade de apreciar, compreender e nos deixarmos encantar com o mundo de quem lemos, quando é ele que, tantas vezes, afinal e tão certeiramente, nos lê por dentro.

Infelizmente, o mundo das artes, particularmente o da escrita, mencionando aquele que me é mais próximo, muitas vezes idealizado como um santuário de sensibilidade, lugar onde as almas se podem encontrar para partilha de experiências, ideias e reflexões, acaba por ser mais um espelho quebrado a refletir fragmentos de vaidades e hipocrisias. Ainda que, diria Álvaro de Campos, cansado de semideuses, “são todos o ideal, se os oiço e me falam, quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?”.

Virginia Woolf que, nas suas obras e ensaios, tão profusamente explorou a complexidade das relações humanas e as inconsistências entre o discurso e a prática, objetivamente considerou que “escrever é como um fio que segura o tecido da vida, mas muitos se embaraçam nele, perdendo-se no seu próprio reflexo”. E assim temos esse universo da arte onde se espera encontrar o espírito altruísta que deveria vestir a alma do artista e nele nos deparamos com atos que desmentem a sensibilidade poetizada pelos seus protagonistas. As belas metáforas e as narrativas que projetam, mas que escondem uma postura de superioridade e uma luta incessante pelo reconhecimento. A ironia cruel do escritor que prega a humildade e a compreensão, mas que, efetivamente, abriga em si o profundo desejo de ser idolatrado. A presunção do presumível guardião da verdade e da beleza, a erguer muros intransponíveis enquanto percorre o labirinto do seu próprio narcisismo e sucumbe à ilusão da sua grandeza. O amor à arte frequentemente superado pelo amor a si mesmo.

Já Manoel de Barros, no seu estilo característico de poético olhar agudo, escrevia sobre a superficialidade de muitos e a falta de substância na produção literária. Dizia ele, no seu Caderno de Mudas, que “a beleza das palavras não preenche o vazio que está por trás das palavras”. E que “é por isso que temos poetas que não sabem o que dizem, escrevem palavras bonitas, mas o que está dentro é um buraco negro”.

Num acréscimo doloroso a estas constatações, é preocupantemente reveladora a notável inveja, camuflada sob os falsos elogios, incapaz de suportar as capacidades, potencialidades e brilho alheios, sombra constante nas relações entre tantos artistas. É lacónico Bukowski, cujas obras, seguindo uma abordagem honesta e dura, foram uma crítica contundente aos falsos intelectos e à superficialidade que encontrou ao longo da vida, ao afirmar ter acreditado que ser escritor significava ser honesto mas descobriu, posteriormente, que é mais sobre saber mentir bem.

Porquanto, a crítica supostamente construtiva, e que poderia e deveria constituir-se como alicerce de crescimento, transforma-se no ataque disfarçado, fruto de uma visceral insegurança pessoal. Os trajes elegantes feitos de palavras floridas, a mascarar a pequenez do caráter e a promessa de uma fraternidade literária a dissolver-se face à crueza das relações.

Não bastasse já todo este cenário dantesco, deparamo-nos ainda com uma outra realidade aniquiladora das potencialidades inerentes ao verdadeiro saber e genuíno sentir de quem se move a gosto – ou contragosto – por estes meandros artísticos. Uma realidade contra a qual, a peleja exige forças descomunais: a posição marcadamente excludente levada a cabo pelos pequenos grupos e por elites que, com as mãos e o pensamento fechados em torno de estéticas específicas e critérios ideológicos, ignoram a diversidade e a inovação de quem se apresenta fora dos principais circuitos ou permanece distante da moda institucionalizada.

Evidentemente, quando a consagração artística não depende de talento mas, substancialmente, da habilidade em navegar por relações de poder e dentro das “redes certas”, a obra perde toda a sua relevância e a criação é concebida para satisfazer tais elites, desligando-se aquela do seu efetivo valor e sentido fundamental e que é, claramente, o de buscar um propósito mais elevado, sacrificando-se, pois, toda a integridade criativa em nome da aceitação social e do sucesso comercial. Um sistema opressor do talento genuíno, o qual empobrece fortemente a cultura!

“Fiz de mim o que não soube, e o que podia fazer de mim não o fiz”, a afirmação que já ressoava como espantosa verdade, na Tabacaria de Pessoa! Mestre na palavra terá sido igualmente Emerson, ao referir que “o grande homem é aquele que, no meio da multidão, mantém, com perfeita doçura, a independência da solidão”. Porque toda a arte, a escrita, a poesia, têm que ser orientadas por princípios de excelência e não por vãs políticas ou modismos vazios.

Deste modo, o mundo das artes, ao mesmo tempo que encanta com a sua aparente beleza, desilude com a realidade crua e nua dos bastidores. Como bem escreveu Oscar Wilde, “raramente a verdade é pura, e nunca é simples”.

Do descompasso entre a escrita e o comportamento dos autores emerge o dito popular de que nem tudo o que reluz é ouro, pelo que, no teatro de vaidades onde a máscara e o rosto se confundem, resta ao verdadeiro amante da arte navegar com discernimento, separar o trigo do joio e fazer pela diferença.

Mas tão só, isso não basta. Urge a coragem para deixar de lado o politicamente correto, a conversa afiada no banco do cafezinho da esquina, a maledicência pequenina das redes sociais e a indirectazinha cobarde do “cabe a carapuça a quem a enfiar”. É imperiosa a ousadia de ir além das convenções que se julgam estabelecidas, desafiar sem receio de ferir suscetibilidades, enfrentar com dignidade e lutar com franqueza, pelo rigor e por uma mudança de mentalidades e de práticas, para que o mérito artístico seja o principal critério de reconhecimento, e não a adesão a círculos de influências.

Mais uma vez, Oscar Wild estava certo ao lembrar-nos que "a maioria das pessoas morre como imitadores, não como criadores." Portanto, há que dizer um NÃO retumbante e implacável a essa franca traição perpetrada – e perpetuada – à essência própria da arte que, enquanto construção genial e autêntica, permanece enforcada e a agonizar, submissa, aos pés da mediocridade de uns quantos grupos elitistas, amiudamente provincianos, e da sua crítica vulgar e trivial, ainda que por eles legitimada e que, tantas vezes, não é senão o resultado de um fracasso reunido para julgar os que se arriscam, como sabiamente identificou Henry Miller.

Afinal, e Nietzsche que me perdoe por reinventar as palavras que lhe cabem, mas o que se faz por amor deve estar sempre além do mal.

Agora e por fim, a todos deixo o meu honesto e fidedigno abraço poético.

Paula Freire
- Natural de Lourenço Marques, Moçambique, reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal.
Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas do Desenvolvimento Pessoal e do Autoconhecimento, bem como à prática de clínica privada.
Filha de gentes e terras alentejanas por parte materna e com o coração em Trás-os-Montes pelo elo matrimonial, desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, onde se descobre nas vivências sugeridas pelos olhares daqueles com quem se cruza nos caminhos da vida, e onde se arrisca a descobrir mistérios escondidos e silenciosas confissões. Um manancial de emoções e sentimentos tão humanos, que lhe foram permitindo colaborar em meios de comunicação da imprensa local com publicações de textos, crónicas e poesias.
O desenho foi sempre outra das suas paixões, sendo autora das imagens de capa de duas obras lançadas pela Editora Imagem e Publicações em 2021, “Cultura Sem Fronteiras” (coletânea de literatura e artes) e “Nunca é Tarde” (poesia), e da obra solidária “Anima Verbi” (coletânea de prosa e poesia) editada pela Comendadoria Templária D. João IV de Vila Viçosa, em 2023. Prefaciadora dos romances “Amor Pecador”, de Tchiza (Mar Morto Editora, Angola, 2021), “As Lágrimas da Poesia”, de Tchiza (Katongonoxi HQ, Angola, 2023), “Amar Perdidamente”, de Mary Foles (Punto Rojo Libros, 2023) e das obras poéticas “Pedaços de Mim”, de Reis Silva (Editora Imagem e Publicações, 2021) e “Grito de Mulher”, de Maria Fernanda Moreira (Editora Imagem e Publicações, 2023). .Autora do livro de poesia Lírio: Flor-de-Lis (Editora Imagem e Publicações, 2022).
Em setembro de 2022, a convite da Casa da Beira Alta, realizou, na cidade do Porto, uma exposição de fotografia sob o título: "Um Outono no Feminino: de Amor e de Ser Mulher".
Atualmente, é colaboradora regular do blogue "Memórias... e outras coisas..."- Bragança e da Revista Vicejar (Brasil).
Há alguns anos, descobriu-se no seu amor pela arte da fotografia onde, de forma autodidata, aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza.

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