Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
A experiência é sobejamente conhecida dispensando-me de a descrever, aqui, com toda a minúcia. Se colocarmos uma mão num recipiente com água gelada e a outra num com água muito quente, metendo ambas, depois num tacho com água à temperatura ambiente, o mesmo líquido parece-nos, ao mesmo tempo quente e fria, de acordo com a mão e o lugar onde esta esteve, antes.
Não podendo ser uma coisa e o seu contrário a única explicação é que a perceção que temos, baseada nas sensações, é enganadora. Sendo porém tão fortes e insistentes estas impressões, durante muito tempo condicionaram a forma como olhámos para o mundo levando a teorias tidas por verdadeiras e supostamente científicas como as que assumiam que a terra era plana e ocupava o centro do universo. Foram tão propaladas e assumidas, tão geralmente consideradas como indubitáveis que o seu abandono só foi possível com o talento de reputados cientistas, alguns com risco da própria vida, como Galileu e Giordano Bruno.
Felizmente, depois de Descartes, a realidade começou a ser percebida, assumida e compreendia com base em factos inquestionáveis (cogito ergo sum) e tudo quanto possa ser deduzido destes de forma racional. Foi assim que a humanidade abandonou o obscurantismo medieval e entrou na era moderna recheada de descobertas científicas geradoras e promotoras do progresso e do bem-estar.
Ao começar a atuar com base em perceções, assumindo que é o combate a estas que o move, ao mesmo tempo que concede que as mesmas são substancialmente diversas, em qualidade e intensidade, da realidade, o Governo da Nação, liderado pelo Primeiro Ministro não só promove um retrocesso civilizacional como, se aventura por um caminho perigoso e arriscado, para o próprio poder instalado. Ao agir, de forma semelhante à usada por poderes totalitários para manterem a autoridade despótica, só para “reduzirem” a perceção de insegurança, corre o risco de criar a perceção de que está em curso uma deriva autoritária coordenada pelo poder legítimo ou, pior ainda, de fora por interposta força que apesar de legal é minoritária e, como tal, carece de legitimidade para condicionar a vida de toda a população. Acresce que os números dizem que, existindo abuso no uso do Serviço Nacional de Saúde, por alguns estrageiros que vêm ao nosso país com o fito explícito de aqui receberem tratamento em condições privilegiadas, este fenómeno é residual e com fraco impacto real no financiamento do SNS, podendo (e devendo) ser combatido com o quadro legal já existente.
Ao legislar especificamente para dificultar o apoio médico a recém-chegados, a pedido de uma força política que publicamente ataca e quer perseguir quem procura o nosso país para trabalhar e viver, parece que o partido do poder está a reboque de quem diz querer afastar-se. De pouco adiantará proclamar e reafirmar que o não é não se a prática, mesmo que o não seja, causar a perceção de que quem efetivamente manda no país não é o Primeiro Ministro mas quem se autointitula de líder da oposição!
José Mário Leite, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia), A Morte de Germano Trancoso (Romance) e Canto d'Encantos (Contos), tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.
Sem comentários:
Enviar um comentário