![]() |
| Foto: Artur Pastor |
Deverão ser excepção aqueles que nunca participaram numa vindima. A “bindima”, ou a “bêndima”, como lhe ouvia chamar em catraio, era um momento ansiado, como muitos outros o eram ao longo do ano agrícola. Era “ua canseira”, o ouvia dizer, não evitando a azáfama os sorrisos estampados nos rostos. Mais do que a tal de canseira, era uma ocasião única para renovar laços e para quebrar rotinas. Já mais crescidote, era igualmente a oportunidade para “bubere ua pinga” com os mais velhos, fazendo as primeiras incursões ao «néctar dos deuses».
Tardei a entender porque, depois da “bêndima d’abó”, havia a «torna-jeira» e íamos “pr’á do Ti João das Eiras”, “pr’á do Ti Tonho da Igreja”, e para tantos outros “Ti” que se lhes seguiam. Mas nem sempre foi assim…
O tão nosso inseparável vinho, como tantos outros produtos da imemorial relação com a terra, também tem, por bandas nordestinas, a sua peculiar história. Não será incomum pensar-se que, por aqui, houve vinho desde sempre. Porém, só com a chegada dos Romanos a estas latitudes passaria o vinho a fazer parte da ementa dos nossos antepassados, embora não de todos, que o néctar apenas estava reservado às elites. Dizem-nos os autores clássicos que os «povos bárbaros» que por estas terras habitavam, não consumiam vinho, por isso «bárbaros» eram, antes o faziam com uma bebida fermentada de cereais, com bastante probabilidade assemelhada à actual cerveja.
Porém, à semelhança de outros costumes, a «romanização» impor-se-ia e o vinho parece ter-se, gradualmente, democratizado. Como testemunhos desses recuados tempos permanecem alguns lagares rupestres, ou seja, lagares escavados na rocha. Os quais vêm sendo resgatados, como é excelente exemplo a «Lagarada», que se celebra, actualmente, por Vale de Telhas (Mirandela).
No entanto, os primeiros documentos a referirem, especificamente, a produção de vinho pela região noroeste da península, datam apenas do século IX, período a partir do qual se vulgariza a utilização das palavras «vinea» (vinha) e «vinum» (vinho), particularmente na documentação proveniente de mosteiros, os principais impulsionadores da produção vínica. Produção essa que ganhou imensos adeptos nos que nos antecederam e, de tão importante que passou a ser economicamente, rapidamente o vinho passou a constar dos tributos a pagar pelo Povo, conforme atestam os diversos forais medievais outorgados a estas terras. Ou a renovação dos mesmos, os célebre «Forais Novos» ou «Manuelinos», que repetem os tributos em vinho ou a pagar pelo vinho.
Tributos esses que não eram apenas de índole civil, também o eram de cariz religioso, que o nosso clero também recebia os respectivos pagamentos em «almudes de vinho». Por curiosidade, no tempo dos avós dos nossos avós, há cerca de 300 anos, quando começam a surgir mais informações acerca do distrito, poucas eram as terras para as quais não viesse mencionada a importância da produção de vinho. Num tempo em que o vinho era «alimento», fazendo parte da trilogia, conjuntamente com o pão e a castanha, os principais alimentos da esmagadora maioria dos nossos antepassados.
Dessas terras, algumas se destacavam, particularmente as do concelho de Carrazeda, pela sua proximidade com a Região Demarcada do Douro. Mas também as de Vinhais, na qual o vinho parecia abundar, especialmente para abastecer os que, do lado de lá da fronteira, vinham prover-se de “binhaça”. Ganhava ainda destaque Izeda, em relação à qual eram exaltados os seus vinhos. Assim como o eram alguns com proveniência no concelho de Macedo, particularmente os que eram oriundos da sua região noroeste, correspondente às actuais freguesias de Arcas, Lamalonga e Vilarinho de Agrochão.
Estes últimos, especialmente os de Arcas e Lamalonga, muito por força do espírito inovador do Visconde das Arcas e do Abade de Lamalonga, ganhariam fama internacional, surgindo na literatura vínica do século XIX comparados aos «melhores do Douro». Por incrível que possa parecer, depois de participarem em inúmeras «Exposições Universais», onde arrecadaram vários prémios, chegariam à Câmara dos Comuns, em Londres. Outros tempos…
Hoje, para lá dos mais reconhecidos Vinhos Douro DOC, através dos concelhos mais meridionais, também estamos incluídos nos Vinhos DOC Trás-os-Montes, nas Sub-regiões de Valpaços e do Planalto Mirandês. Na primeira delas se incluindo algumas freguesias de Macedo, Mirandela e Vinhais, ao passo que a segunda abrange os concelhos de Miranda, Mogadouro, Vimioso, e algumas freguesias de Freixo e de Moncorvo. Inclusões que deveriam merecer uma ainda maior aposta, não obstante saírem do distrito bragançano alguns néctares de se lhes tirar o chapéu. Parece, no entanto, que somos muito pouco vocacionados para valorizar o que de tão bom, no âmbito da excelência, estas terras produzem. Palavra puxa palavra, onde me conduziram as vindimas…
Como me diria a minha avó em literal pronúncia: “Sêmus mim bôs, mas mim brutinhus’e”…


Sem comentários:
Enviar um comentário