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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

A Apanha da Castanha em Trás-os-Montes


 Em Trás-os-Montes, o outono é uma estação de ouro. Os cmpos cobrem-se de tons castanhos e dourados, o ar fica com um cheiro fresco e húmido, e o chão dos soutos enche-se de ouriços que escondem no seu interior o valor mais valioso da terra, a castanha. É tempo de colheita, tempo de trabalho árduo e, ao mesmo tempo, de esperança de uma boa recompensa.
Desde cedo, ainda o nevoeiro cobre os vales e as folhas brilham com o orvalho, já os agricultores se preparam para mais um dia de apanha. As botas calçam-se pesadas, as luvas grossas, e os cestos e baldes alinham-se junto à camioneta ou ao trator. O caminho para o souto é frio, calmo e silencioso, e apenas é interrompido pelo som dos passos no manto de folhas secas que cobre o chão.
A apanha da castanha é um trabalho que exige paciência, resistência e respeito pela natureza. O trabalho começa com a abertura dos ouriços, essas pequenas armadilhas naturais cobertas de espinhos afiados que protegem as castanhas. Muitos ainda se abrem sozinhos, libertando os frutos reluzentes, mas outros precisam de ser calcados com as botas ou abertos com paus. Mesmo com luvas, os dedos picam e ardem, e há quem termine o dia com as mãos marcadas pelo esforço.
O chão dos soutos é, normalmente, irregular e coberto de folhas, ramos e pedras, o que torna os passos numa batalha contra o equilíbrio. O frio das manhãs corta a pele, e a humidade entra nas roupas, mas ninguém desanima. O som das castanhas a cair dentro dos cestos é música para os ouvidos de quem sabe que aquele trabalho, embora duro, é fonte de sustento.
Os castanheiros, majestosos e antigos, são símbolos de resistência. Alguns têm séculos de vida, testemunhas silenciosas de gerações inteiras que deles tiraram o pão e o sustento. No entanto, nos últimos anos, estes gigantes têm sofrido com as doenças que assolam os soutos, o cancro e a vespa das galhas, entre outras pragas que enfraquecem as árvores e preocupam os lavradores. Cada castanheiro doente é uma perda sentida, quase como se fosse um membro da família, pois em Trás-os-Montes a relação com a terra é íntima e profunda.
Apesar de tudo, a castanha continua a ser chamada, com orgulho, o ouro dos transmontanos. Para muitas famílias, a castanha representa uma parte essencial do rendimento anual, é vendida fresca, seca, congelada ou transformada em farinha, doces e licores. Nos últimos anos, o seu valor tem aumentado, e as feiras e magustos multiplicam-se, celebrando o fruto que alimenta, o corpo, a alma e as carteiras.
Há também o lado social da apanha. Nos soutos, trabalha-se em grupo, famílias inteiras, vizinhos e amigos juntam-se, partilhando histórias e gargalhadas entre os castanheiros. À hora da merenda, faz-se uma pausa. Estende-se uma manta no chão, partilha-se o pão, o fumeiro, queijo, umas azeitonas e vinho tinto. As mãos aquecem-se numa fogueira, e o fumo mistura-se com o cheiro da terra húmida e das folhas queimadas. É um momento de convívio e de descanso, uma trégua merecida no meio do esforço.
Ao final do dia, o cansaço é grande. As costas doem, os braços pesam, mas o olhar de quem regressa do souto é de satisfação. Os sacos cheios de castanhas reluzem como tesouros. O fruto, pequeno e modesto, carrega consigo o valor de horas de trabalho, de tradições antigas e de uma ligação profunda entre o homem e a terra.
Nos dias seguintes, as castanhas são limpas, escolhidas e preparadas para serem vendidas ou guardadas. Algumas são assadas na lareira, espalhando pela casa aquele aroma inconfundível que é, para muitos, o cheiro do outono. A maioria das castanhas segue para os intermediários e cooperativas que as levam aos mercados, onde o seu destino final pode ser um restaurante de luxo em Lisboa, Londres ou Paris.
A castanha transmontana é também uma rainha da gastronomia. Em sopas, cozidos, purés, doces ou simplesmente assadas, é símbolo de simplicidade e sabor genuíno. Nos magustos, as brasas aquecem as noites frias e o vinho novo corre nas canecas, acompanhando as castanhas quentes e boas, num ritual de alegria e partilha que une gerações.
A apanha da castanha é uma celebração da vida rural, uma afirmação de identidade e de resiliência. É o testemunho de um povo que, mesmo diante das dificuldades, continua a cuidar da terra com amor e paciência, colhendo dela não apenas frutos, mas também orgulho e dignidade.
Uma castanha apanhada é uma história de esforço, tradição e esperança. É o reflexo da alma transmontana, forte, trabalhadora e profundamente ligada à natureza. E quando, no fim da jornada, o fogo da lareira ilumina as mãos calejadas e o cesto cheio, há um silêncio de gratidão por mais um outono, por mais uma colheita, e por essa dádiva que a terra concede, o ouro castanho das nossas terras.

HM

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