Há muito, muito tempo, uma instituição pública de Bragança, alegadamente teve conhecimento de uma residência de estudantes edificada nuns antigos silos de cereais, situada num dos países das noites sem fim, ou seja, na Escandinávia. Essa descoberta inédita terá desencadeado uma enorme vontade de desenvolver um projeto semelhante, considerando a existência de uma estrutura similar na cidade de Bragança, que se encontrava desativada há alguns anos. Na verdade, este imóvel havia sido edificado há mais de cinquenta anos, numa zona de expansão urbana, servido por um troço de linha férrea, dedicado exclusivamente ao efeito. Naquela altura a sua localização era periférica, mas hoje situa-se na parte central da cidade, junto do principal eixo viário urbano.
Acontece que a supracitada instituição conseguiu efetivamente proceder à aquisição do referido imóvel, desconhecendo o valor da sua aquisição. Contudo, o bendito edifício manteve-se sem qualquer intervenção durante muitos anos. Fosse por motivos de ordem financeira, fosse pela verificação da não genialidade da ideia, fosse pela tipologia do imóvel numa época em que se privilegiava a horizontalidade dos edifícios, fosse por questões de mobilidade, atentos às caraterísticas comportamentais das novas gerações, fosse até por questões de localização, a qual sofria de um estrangulamento urbanístico evidente, atendendo à sua envolvente, o facto é que tudo se manteve na mesma. E eis como uma ideia que se pretendia de espetacular notoriedade se transformou num “elefante branco” durante muito tempo, demasiado tempo, diria eu. No entanto, mesmo as histórias mais inusitadas podem ter um final feliz. E foi o que aconteceu.
Eis senão quando surge uma outra instituição pública local, a qual havia sido escolhida para sede do único museu da língua portuguesa no país, seja lá o que isso for. Em consequência disso e olhando deleitosamente para o imóvel dos silos, julgaram ter descoberto a galinha dos ovos de ouro. Vai daí, negoceia a aquisição do edifício à instituição proprietária (Ufa, que alívio) e procede a concurso para execução de um projeto arquitetónico que absorvesse, melhor, que evidenciasse o belo edifício em questão. Havia razões de sobra para imaginar a existência de um projeto que seria de certeza uma referência a nível de soluções de arquitetura a nível mundial. Et pour cause, Bragança tinha tudo para se tornar num polo de sucesso, qual Meca das belas artes, capaz de trazer romarias de visitantes ao burgo, nem que para isso tivesse que transformar o aeródromo em aeroporto regional (!!!).
E de facto, segundo essa perspetiva, o projeto tinha tudo para alcançar esse desiderato. Seria um edifício exótico, inesperado, com excelente localização, com inexcedível mobilidade, com uma zona envolvente de enorme valor paisagístico, bons acessos, vasto parque de estacionamento e até com um velho armazém de apoio. E, assim sendo, mãos à obra. Ou seja, empreitar a obra e conseguir rapidamente o objetivo.
Com a inexorável passagem dos meses e até anos, gastos muitos milhões de euros do erário público, continuamos placidamente a contemplar a mesma silhueta, agora esventrada, cravejada de toneladas de ferro (se ao menos fossem diamantes…), plena de polémica e controvérsia, assemelhando-se a uma endless story. E mais não digo.
Outubro de 2025

Este teu texto, que analisa a polémica em torno do projeto do Museu da Língua Portuguesa em Bragança merece ser destacado pela clareza e coragem com que abordas um tema sensível a que, quase, todos fogem. O gasto continuado de recursos públicos num empreendimento cuja utilidade e viabilidade continuam por provar, já para não falarmos da sua futura manutenção. Num tempo em que a transparência e a responsabilidade financeira deveriam ser princípios inegociáveis, soubeste dar voz ao sentimento de frustração que muitos partilham, ao verem milhões de euros do erário público consumidos sem que se vislumbre um fim à vista.
ResponderEliminarA força do teu texto reside na lucidez com que contextualizas o problema, sem esqueceres a crítica mais que legítima. “Boas” intenções culturais podem, por vezes, descambar em obras eternamente inacabadas, alimentadas mais por vaidades políticas do que por uma verdadeira visão de futuro. É um alerta necessário e oportuno, que convida à reflexão sobre a gestão do património cultural e a prioridade dos investimentos públicos.
O teu texto é um exercício de cidadania que tanto nos agrada e sempre nos agradou. Questiona, exige explicações e defende a ideia de que a cultura deve ser um bem comum, não um pretexto para gastos opacos e intermináveis. Um contributo valioso para o debate público, que honra o Grupo, Memórias…e outras coisas…BRAGANÇA, e o pensamento crítico.
Muito obrigado companheiro.
Grande abraço.
HM