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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 25 de novembro de 2025

Um humilde apelo...

Por: Rui Rendeiro Sousa
(Colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


 Cresci, pelos anos 70 do passado século, encravado entre quatro realidades linguísticas! Nessa época, e até muito tarde, não tinha, sequer, consciência disso. A verdade, porém, é que, desconhecendo, em rigor, quando ganhei essa percepção, aos dias de hoje a possuo, de forma clarividente. Realidades essas que incluíam quatro distintos idiomas, que até bem tarde, influências da «cartilha» do «anti-nacional», pensei serem só três. 

Muitos talvez também tenham vivido essas referidas realidades linguísticas, e nunca se tenham detido nelas. Ou seja, cresci a ver mais a TVE do que a RTP, canal espanhol que melhor se sintonizava do que o nosso português, bem como emitia por mais horas consecutivas. Dessa forma, tão rápido estava a assistir a «películas» ou a «dibujos animados», ambos «doblados», como à «Noite de Cinema» das Quartas-feiras, ou aos «desenhos animados» do Vasco Granja, no seu inesquecível «Cinema de Animação», ambos legendados (só não consegui aprender Checo ou Húngaro...). 

Sendo que, literalmente, aprendi a falar Castelhano à custa das muitas horas passadas a assistir a programas da TVE. Depois, ainda catraio, sentia-me importante «hablando Español», quando se faziam umas incursões a Alcañices. Todos deverão ter recordações dessas idas em busca do «melocotón», das «gaseosas La Casera», que tinham umas garrafas todas pimponas, dos caramelos, ou do «pimentón», embalado em sacos ou latas, que diziam ser melhor para o fumeiro. Por entre outras coisas, que vinham os sacos cheios de tralha, lembro-me de uns bolos que me irritavam porque não me era permitido prová-los, por na sua confecção conterem álcool. Se a memória não me atraiçoa, julgo mesmo que se chamavam «borrachos».

Nessa mesma época, lidei, pela primeira vez, com o Francês (ou, por vezes, «Françuguês»). Trazido pelos muitos emigrantes que, ou pelo Natal, ou, maioritariamente, nas «vacances» de Agosto, retornavam a casa. Dos nove filhos da “nh’ábó” Maria, apenas dois não emigraram. E era “ua galdrumada” linguística quando íamos, da “bila”, em visita à “bó”, para uns jantares familiares. Por um lado, a «língua fidalga» que me era «imposta» por um dos costados familiares, onde uma das minhas irmãs até era professora primária... Por outro, a “língua tcharra”, que consciência não tinha que existia, porque incutido me foi que era «falar mal português», mas que não resistia a falar quando para a aldeia ia. Aliás, só me entendia com a “nh’ábó” Maria a falar dessa forma, caso contrário, estaria sempre a ouvir um “dize, mou filhu’e, que num antandi u que dixeste”… 

Sem noção ter, nesses idos jantares, tão rápido ouvia um «merci» como um «obrigado», ou ainda um “óbrigadu’e”, assim mesmo, acentuado, com [u] pronunciado e com a paragoge do [e]. Naturalmente, caso pronunciasse um “óbrigadu’e”, já saberia que viria a correcção, sendo-me dito que o [o] não era tónico, e que «obrigado» era, em termos de acentuação, uma «palavra grave». Coçava a cabeça, sem saber, ainda, que havia um idioma no qual se dizia «oubrigado», e que resistia em concelhos ao lado. Idioma esse, em que Portugal é «Pertual». Um país, orgulhosamente o meu, que a “nh’ábó”, à custa das «metáteses» que por aqui trouxe ontem, “purnunciaba Prutugale”. E este “rapaze”, cioso do seu país, estava sempre a corrigir a avó: “Ó bó, num é Prutugale que se dize”… Afinal, era apenas um “prumenore”, “pur’u que” ou “prutantu’e”, temos de “prufiare”, nem que se peça ajuda ao “Prufíriu’e”, para não se “predere”, irremediavelmente, um sistema no qual o Porto é “Portu’e”, mas um seu natural é um “prutuense”… Estão a “precebere” ou é “percisu’e” um desenho? Não tenham “bregonha”… “E inté les pode dar a risa”, sintam-se à vontade. 

Afirmam os entendidos que não tardará muitas décadas a desaparecer o Mirandés, ou as variantes dialectais que surgiram ao abrigo do ramo Ásturo-Leonês. Portanto, também em linguísticos termos, somos uma espécie em vias de extinção. Todavia, lia numa entrevista, creio que concedida por um professor de Mirandés, que uma língua só morre quando deixar de ser falada por alguém. Enquanto vivo for, cá continuarei nesta insana cruzada, não me cansando de por aqui ir trazendo o Mirandés ou, alternativamente, o «Falar da Minha Avó Maria». Em ambos tenho imensa “proa”! Mais não seja, as gerações vindouras saberão que, por aqui, éramos bilingues, e deixámos perder essa unicidade… Só não sei o que pensarão, sobre nós, essas gerações vindouras, por termos, à custa das «modernidades», deixado assassinar a nossa essência… 

Saibamos honrar todas as "Abós Maria" e todos os "Abôs Manele"… "Digo ou, bá, tchêu de proa néis!"

(Foto: Paulo Patoleia)


Rui Rendeiro Sousa
– Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer. 
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas. 
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana. 
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros. 
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

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