(Colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Ontem, perguntaram-me se era Mirandês… Respondi, perguntando qual o motivo para a pergunta. Sendo a resposta elucidativa: «Porque, por vezes, parece. Anda sempre com o Mirandês para trás e para a frente, e até já menção fez ao Burro Mirandês». Lá terá, o interlocutor, razões para o afirmar. Porém, de facto, não sou Mirandês de «nascença», nem sequer, nos estudos genealógicos tenho algum antepassado de Miranda, que se restringem os antepassados, pelo distrito bragançano, aos concelhos de Macedo de Cavaleiros, Vinhais e Bragança... E lá tive de explicar ao dito interlocutor o fascínio que tenho por temas Mirandeses, parecendo um «filho adoptivo» de… Terras Mirandesas (e, de alguma forma, serei…).
Começa logo porque a minha Avó Maria, que já aqui trouxe algumas vezes, “falaba dua forma stranha”. Um dia, tal o fascínio pelos estudos dialectais, influências do meu saudoso amigo Amadeu Ferreira, decidi aprender Mirandés. E fui descobrindo que, afinal, havia imensas afinidades entre a “forma stranha” de falar da minha Avó Maria e o Mirandés. “Ele era trasdonte, ele era home, ele era persidente, ele era hoije, ele era biaige, ele era passado manhã, ele era preguntar”… “Ele era” tanta coisa! O que me conduziu a absorver o tanto que eminentes linguistas produziram acerca dos dialectos setentrionais, particularmente sobre o Mirandés e os designados como «Dialectos Trasmontanos». E lá fui parar às isoglossas e demais termos específicos quando se avaliam processos fonológicos, linguísticos ou lexicais. Tendo percebido que o Mirandés já teve uma área de falantes muito mais alargada, abrangendo igualmente, na totalidade ou parcialmente, os concelhos de Vimioso, Mogadouro, Macedo de Cavaleiros, Bragança, Vinhais e Freixo de Espada à Cinta. Está explicado o meu fascínio por temas Mirandeses…
Mas há muito mais… Há a Bola Doce Mirandesa, que é uma delícia! Há a suculenta Posta à Mirandesa, proveniente da autóctone raça de bovinos... Mirandesa! E, no âmbito da gastronomia, ainda há o magnífico Canhono Mirandês, mais a alheira de Miranda que adoptou o nome de “tabafeia”, embora os entendidos na matéria assumam que se trata de enchidos distintos. Mas não irei aqui discutir isso… E, fora da gastronomia, não posso esquecer-me do que motivo também deu à «inquirição»: o Burro Mirandês! Para lá dos célebres Pauliteiros de Miranda, a acrescentar às tantas designações que, inteligentemente, levam, tão longe, o «Miranda», «Mirandês» ou «Mirandesa». Acrescendo a isso as medievais Terras de Miranda, quando Miranda do Douro quase existência não tinha. São muitos tesouros juntos, acrescentem-se-lhe o Menino Jesus da Cartolinha (que muitos não saberão que, indirectamente, aos Castelhanos se deve…), a Concatedral, o Castelo, o Centro Histórico (e muito gosto da «Rue de la Costanielha»!), o Museu das Terras de Miranda, e tanto mais! Da Arqueologia, onde existe um Monumento Nacional (o Castro de Aldeia Nova), aos Miradouros, às Aldeias, ao Parque Natural do Douro Internacional…
Ou que, daqui por poucos dias, se cumprirão 739 anos sobre o «nascimento» de Miranda, através do foral que lhe foi atribuído pelo monarca que foi educado por um Macedense e, consequentemente, Bragançano. Não obstante o nosso grande Abade de Baçal lhe ter atribuído um outro foral, 150 anos antes, mas esse foi a outra Miranda, a «do Corvo» - o nosso magnífico Abade também tinha o direito a equivocar-se. Embora suspeite que Miranda já existisse, previamente, com outro nome. Mas isso, já deixarei para outras calendas… A verdade é que, enquanto tal, Miranda do Douro ainda não existia em meados do século XIII, cerca de 30 anos antes do dito foral dionisino. Porém, pelas medievais Terras de Miranda já havia mais de uma dezena de Paróquias, acrescidas de mais de duas dezenas de povoações perfeitamente identificadas.
Miranda do Douro, para lá de todos os encantos que possui, também guarda uma História sublime. A começar pelo ano terminado em «5», pois cumpriram-se, neste 2025, exactamente 480 anos sobre a elevação de Miranda do Douro a Diocese e, posteriormente, a cidade. Factos esses que foram bem assinalados. Depois de mais de 400 anos sob a alçada da Diocese de Braga e, anteriormente, da Diocese de Astorga, passámos a ter superiores eclesiásticos a tomarem, com proximidade, conta do seu rebanho. Porque Braga, em efectivos termos, a única coisa que pretendia eram os rendimentos que daqui obtinha. Parece que D. João III e a sua rainha, D. Catarina de Áustria, perceberam esse afastamento de trasmontanas terras, longe que ficavam do Arcebispo de Braga… E lá se constituiria a nova Diocese à custa, essencialmente, dos rendimentos do célebre Mosteiro de Castro de Avelãs, o que conduziria à sua definitiva ruína… Mas isso, são outras histórias…
Miranda do Douto também é de alguma forma, a «cidade mártir». Desde logo, com a Guerra da Restauração, a qual levaria a um cerco à cidade, há aproximadamente 380 anos. Ou, pouco depois, há 315 anos, quando foi tomada pelos «espanholicos» no âmbito da Guerra da Sucessão, por “bias” da traição de um sargento «tuga» que se deixou ser subornado. Já vem de longe a história dos subornos e de «vender a alma ao diabo»… Menos de um ano após, conta a lenda, lá surgiria um jovem, fidalgo guerreiro, a incentivar os Mirandeses para a luta contra os ocupantes. E assim parece ter nascido a grande devoção de Miranda, o Menino Jesus que, ao que consta, no século XIX, coisas da moda, terá levado um chapéu, a cartola, passando a ser o Menino Jesus da Cartolinha.
Todavia, o pior aconteceria há pouco mais de 260 anos, aquando da Guerra dos Sete Anos, cujos acontecimentos, por terras portuguesas, ficariam conhecidos por Guerra Fantástica ou Guerra do Mirandum, no caso particular dos desenvolvimentos por terras do actual distrito. Suspeita-se que, por nova traição, desta vez do respectivo Governador Militar, a resistência do Castelo de Miranda terminaria com a conhecida explosão do paiol de pólvora, que resultaria na morte de umas centenas de militares e civis, bem como na destruição do castelo. E Miranda do Douro nunca mais seria a mesma, perdendo, até, poucos anos após, a categoria de sede do bispado. E há tanto mais sobre Miranda do Douro!
Particularmente as razões para considerar que o Mirandés deveria ser uma «luta» de todos nós. Afinal, era o idioma, com algumas adaptações, que a “nh’ábó Maria” falava. Afinal, muito antes de ter aprendido o que era grão de bico, feijão frade ou couve penca, já lhes chamava “erbanços”, “tchítcharos” ou “coube trontcha”… Afinal, antes de saber que existia a letra [v], a chuva era “tchuba”… Afinal, tanta coisa…
Afinal, após tantos anos dedicado a estas terras, à sua genuinidade, à sua unicidade, percebi por que me perguntaram se era Mirandês. Não sou, mas… “tengo muita proua ne l que ye la nuossa eissencia”. E admiro a resistência dos que não sabem desistir dessa mesma essência.
(Foto: Vortexmag)
Rui Rendeiro Sousa – Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer.
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas.
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana.
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros.
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

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