sábado, 18 de abril de 2015

O "XICO-NAIRECO"


Vejo-o a subir a Rua Direita. Cabelo ao alto, esguedelhado, testa ampla, olhos protuberantes, nariz adunco, bigode farfalhudo, braços arqueados, a modos de pássaro em preparativos de voo.
Vem listo, excitado; um sorriso largo, divertido, atravessa-lhe o rosto pálido, quase que macerado.
O Xico-Naireco foi sapateiro intermitente de gáspeas, meias solas e tombas, andou por França em busca de melhorias na carteira; por último, arranjou uma ocupação a modos de assim.
No essencial, ao longo da sua existência, o Xico-Naireco só gostava de uma ocupação: a pesca.
Dentre as pessoas dessa época que o acompanharam, todas lembram ou recordam vivazmente as suas maneiras livres e cordiais ao dirigir-se a uma Santa encastoada num nicho sobranceiro à presa de Gimonde.
O nosso homem, antes de lançar a cana, entendeu falar à Santa solicitando-lhe apoio e protecção, de modo a pescar um barbo nédio e de tamanho vistoso. Por isso disse à Santa: “Olha, santinha, se pescar um barbo deste cumprimento…-----e estendendo as mãos em frente ao tronco, alargou-as significativamente-----dou-te um litrinho de azeite”.
Acto contínuo, atirou lançada bem medida para o meio da presa. Passados uns minutos, esticadas na linha dão-lhe conta de o anzol ter apanhado peixe. Içado para fora da água, logo ele vislumbrou soberbo barbo; e quando a viagem do peixe em direcção ao cacifo ia a meio, não se conteve, virou-se em direcção à imagem e gracejou: “Santinha querias o litrinho de azeite, querias…, pega lá”-----e fez um corte de mangas à Santa. Mas, os trabalhos de retirar o barbo da geringonça aprisionadora correram-lhe tão mal, que o formoso espécime caiu na água.
Espantado, pasmado, um tanto compungido, o apaixonado pescador teve artes para ralhar docemente à Santa: “Então Santinha, já não se pode ter uma brincadeirinha?”.

in: figuras notáveis e notórias bragançanas
Aguarelas: Manuel Ferreira
Texto: Armando Fernandes

3 comentários:

  1. laura sacras@gmail.com4 de janeiro de 2012 às 18:00

    Gabriel García Márques diz-nos " A vida não é a que cada um viveu, mas a que recorda e como a recorda para contá-la".
    De facto, este texto sobre o Sr. Xico-Naireco baseia-se na imaginação popular e memória colectiva que lhe atribuíram esta estória como sua. Sendo verdade que era um apaixonado pela pesca desportiva, então a ficção não tem aqui espaço privilegiado? Obrigada e um bem-haja a todos que recordam com saudade e respeito o meu Pai.
    Laura

    ResponderEliminar
  2. Obrigado pela enorme satisfação que me deu ler todos os seus "post". São também as minhas histórias, da cidade onde nasci e que amo apesar da distancia. Fui colega, na "escola paga" no Sr. Guilhermino, do Lezinho, amigo porque contemporaneo, do Fernando Tozé e Adérito Francês. Mais tarde, pos-25 de Abril, em serviço militar no BC3, privei muito e de muito perto com o Senhor Queiróz, o Álvaro, o Manuel (irmão) e muitos outros, sobretudo na cave do Ceuzeiro... :). Enfim, muito obrigado pela felicidade que me proporcionou!

    ResponderEliminar
  3. Caro Sr. Fernando Borges.
    Não precisa agradecer. Apenas pretendo, com este meu humilde contributo, que este espaço seja mais um que possa aglutinar as gentes de Trás-os-Montes e principalmente de Bragança, os que por cá ficaram e aqueles outros que, pelas mais variadas razões, se espalharam pela diáspora.

    Seja bem-vindo.

    Um abraço.

    ResponderEliminar