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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 28 de abril de 2015

As Festas dos Rapazes

Do elenco vasto e significativo dos rituais festivos do solstício de Inverno no Nordeste Transmontano salienta-se o conjunto das festas dos rapazes, na sua denominação mais genérica.
As festas dos rapazes são “uma espécie de rito que assinala o ingresso dos moços na classe de idade dos adultos, composto de vários episódios dos quais, em geral, são totalmente excluídas as mulheres. Elas ocorrem em algumas aldeias do concelho de Bragança, entre o dia 25 de Dezembro e o Dia de Reis, a 6 de Janeiro” (Pereira, Benjamim, in Máscaras em Portugal). Podemos alargar este espaço geográfico a outras aldeias de Terras de Miranda e de Vinhais onde ocorrem celebrações de características afins e com idênticas designações, festas dos moços ou da mocidade e que, portanto, podem ser agrupadas no mesmo conjunto.
As peculiares manifestações festivas que aqui se desenrolam, sem qualquer afinidade com a Natividade ou com a Epifania, ostentam parâmetros semelhantes aos das antigas festividades solsticiais, o que nos leva a pensar que será esta, certamente, a única ligação que resta, decorridos dois milénios de cristianização, ao mundo dos antigos rituais ocorridos ciclicamente por ocasião da passagem do solstício de Inverno. Esta unificação religiosa chegou a esta região do império mantendo ambas as formas festivas em perfeita e harmoniosa convivência. Paulo Loução confirma esta hipótese: “Em Trás-os-Montes vive-se o espírito das Saturnais – em Roma realizadas a partir de 17 de Dezembro – onde se integram reminiscências de ritos guerreiros e solares de fundo muito arcaico. (…) As Festas dos Rapazes realizadas no Nordeste Transmontano, com mascarados, no solstício de Inverno, quando as temperaturas atingem vários graus negativos são dos ritos de fundo esotérico mais enigmáticos do nosso país” (Loução, Paulo, A alma Secreta de Portugal).
A distinção entre estas duas formas de celebrar o Natal, a cristã e a pagã, nem sempre é clara e notória, o que é compreensível, por vezes mesmo se confundem e se complementam: a espiritualidade cristã do Natal vive-se em perfeita harmonia com a ritualidade própria das festividades solsticiais, como se nada houvesse de antagónico. O que se nos afigura claro é que a festa tem neste momento total razão de ser: a noite é mais longa que o dia mas quatro dias volvidos sobre a passagem do solstício, nota-se uma ligeiríssima diferença; é então o momento de celebrar. Por isso, a data foi escolhida para marcar o nascimento dos grandes deuses solares – Agni, Hórus, Mithra, Cristo, etc. Serão estes os rituais que no Nordeste Transmontano ainda hoje sobrevivem e se celebram com toda a solenidade, pelo grupo social dos jovens e, em cumplicidade tradicional, por toda a comunidade.
Dos ritos e características integrantes das festas dos rapazes podemos referir uma primeira série, a dos que são comuns a todas celebrações:
. a presença dos mascarados, que constituem as figuras centrais em torno dos quais toda a acção festiva se desenrola ao desempenharem os mais variados papéis, os quais são essenciais na animação e conferem uma significação específica à própria festa; o misticismo das cerimónias de certas sociedades secretas exige o uso das máscaras, o que confere às festas dos rapazes um esoterismo iniciático que está muito para além da compreensão de qualquer profano;
- a crítica social, como um ritual profano ao trazer à praça pública os factos ridículos ocorridos na aldeia e, ao mesmo tempo, sagrado por implicar uma espécie de confissão pública dos males da comunidade, para que a divindade, por esta via, os possa eliminar;
- os peditórios porta-a-porta, formalmente organizados como se de um rito sagrado se tratasse, cujo benefício reverte a favor dos santos que se homenageiam com a celebração festiva;
- as lutas entre rapazes e as provas de resistência física, como uma demonstração a fazer pelos jovens iniciados no grupo etário dos adultos;
- o carácter disciplinar imposto pela tradição e executado pelos líderes da festa aos jovens participantes, com a mesma simbologia dos ritos iniciáticos ou dos ritos de passagem.
“O Inverno é a estação das festas, das danças onde os jovens encarnam os espíritos para adquirirem os dons que eles concedem e se apropriarem dos poderes que eles possuem identificando-se a eles” (Caillois, Roger, L’Homme et le Sacré). Com esta pesada carga mágica e simbólica, as festas dos rapazes contêm múltiplos enquadramentos visíveis na sua análise factual, que vão da metamorfose por via das máscaras, das sui generis manifestações lúdicas, das formas mais ou menos explícitas de ritos de passagem e de outros ritos necessários ao bom andamento da comunidade, da associação dos jovens num grupo etário que visa a sua coesão, da afirmação deste grupo social na dinamização da sua localidade, até ao seu papel fundamental na valorização da cultura local e, consequentemente, no reforço da identidade de todo um povo.

Tiza, António Pinelo, Inverno Mágico, 2004

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