sexta-feira, 18 de setembro de 2015

A construção da fronteira transmontana - 2. A MODERNA FRONTEIRA POLÍTICA E ECONÓMICA

2. A MODERNA FRONTEIRA POLÍTICA E ECONÓMICA

A noção e a realidade «fronteira», limite bem definido, corre em paralelo com a construção do Estado Moderno e vai progressivamente substituindo e fixando em linha fixa, a margem ou banda larga da «época feudal». É uma construção que se desenvolve no decorrer do século XIII e se acentua a partir do século XIV, pari e passu da constituição das monarquias centralizadas, da busca da fronteira natural e da homogeneidade linguística do Humanismo e do Renascimento de Quatrocentos e de Quinhentos.

É uma realidade que se fixa para inscrever e circunscrever a acção e jurisdição da Soberania real do novo Estado. Ladero Quesada no contexto da evolução dos Reinos Peninsulares refere que entre 1250 e 1350 «se produz um avanço decisivo na definição de intangibilidade territorial dos reinos e, portanto, na melhor fixação ou efectiva expressão de fronteiras ainda que estas existam já antes».
 No que diz respeito à fronteira Portugal-Castela/León, a crise de 1383 a 1385 viria a acentuar tal avanço pela ruptura da «concepção comum de espaço espânico» [214]. E ao longo dos séculos XV-XVI fixar-se-ão os marcos essenciais da delimitação política e económico-mercantil de Portugal face a Castela.
2.1. A delimitação da fronteira por Mendo Afonso de Resende/1538.
A delimitação da fronteira tal como a construção do Estado sofrerão assinaláveis avanços no Renascimento.
A fixação dos limites do território é parte integrante da Ordenação geral da Monarquia a que procederá nos planos político, de administração, dos ordenamentos jurídicos e sociais com especial envergadura desde D. Afonso V, com D. João II e sobretudo D. Manuel I e depois D. João III. Também aqui, no que diz respeito à fixação do traçado dos limites da fronteira, estava em causa delimitar e delinear rigorosamente a soberania régia Lusitana, relativamente à Castelhana, como no plano interno se delimitaram e definiram rigorosamente poderes e jurisdições e territórios dos concelhos, das comarcas, com a respectiva reforma e num âmbito civil e político com a publicação das Ordenações régias. No que diz respeito à Fronteira, trata-se também de pôr termo a antigas pendências e disputas entre autoridades locais, mas também agora circunscrever circulações que as relações económicas e sobretudo os laços familiares e inter-comunitários, articulavam de longa data. Foi por isso uma tarefa difícil, sobretudo naquelas partes do território onde as continuidades económicas, sociais e familiares correspondiam também as continuidades físico-geográficas entre o território português e o castelhano.
Caberia a Mendo Afonso de Resende, às ordens de D. João III, em 1537, proceder à demarcação da fronteira portuguesa que configurasse em termos claros e definitivos os limites do território português.
Completava-se no que diz respeito aos limites exteriores do Reino, a tarefa a que se procedera já no interior com nova divisão e delimitação das comarcas. Tarefa que aquele oficial régio iniciaria em 14.7.1537 começando por Castro Marim, no limite Sul de Portugal e acabaria em 31.7.1538, um ano depois, em Caminha, no Norte de Portugal, depois de ter percorrido toda a raia seca. A delimitação da região transmontana entre Freixo e Montalegre, seria feita entre 12.6.1538 e 17.7.1538.
Na área de Bragança os limites entre os principais pontos do território foram fixados adentro da seguinte cronologia:

Na região do Distrito de Bragança, aí onde os cursos dos rios não se apresentavam como limites claros e onde as continuidades e relações históricas foram uma constante, surgiram problemas de demarcação que aqui seriam bastantes, a saber, em Vimioso (com contenda que durava há 17 anos no que tocava à delimitação do termo de Alcanices), Bragança (no termo com Quadramil, Rio de Onor, Portelo, Zeve, Meirinho e Moimenta), em Vinhais (com as entradas das aldeias galegas de Galiza de Maõzalvos e Chagocosso). Às vezes com conflitos graves como os que aconteceram a propósito das delimitações em Antas do Pinheiro Velho, termo de Vinhais, isto é, toda a parte superior do Distrito, aí onde as continuidades históricas corriam com as continuidades geográficas e a força divisória dos cursos de água não foi determinante e onde as relações e contactos humanos e familiares foram sempre intensos.
Este processo de reforço de separação e construção de identidade nacional em zona de fronteira ganharia, contudo, particular expressão com a instituição da Diocese e cidade de Miranda em 1545, região mais ou menos excêntrica e afastada do território nacional. Então todo aquele território fronteiriço de Miranda e Bragança viria a ser integrado e constituído em entidade político-administrativa, uma nova diocese, instituição que melhores condições reunia para dar coesão e força moral e política a todo aquele vasto território, onde mal se fazia chegar e sentir o impacto da acção da diocese bracarense e seus arcebispos. O que agora os ventos reformistas tornavam mais necessário e urgente para a defesa da unidade nacional que era também unidade religiosa e confessional. A construção do majestoso e imponente edifício da Sé de Miranda é um monumento a essa afirmação e determinação.
2.2. Fronteira económica: regimes aduaneiros
A construção dos limites e fronteira política correu em paralelo com a construção da fronteira económica. Desde cedo a monarquia fixou também os primeiros postos e limites para a vigilância e controlo à circulação de bens e mercadorias através da fronteira terrestre e marítima do território nacional.
A afirmação da independência nacional pós 1383/1385 impôs a generalização e normalização dos regimes e taxas aduaneiras, tal como impôs também os primeiros impostos gerais (sisa).
Ao princípio de «lealdamento» sucede-se a organização económico-financeira do comércio estruturado em instituições nacionais.
No século XV para diversas localidades desta parte do território registam-se alfândegas de portos secos, com seus oficiais, em regra, o juiz, o almoxarife, o escrivão e outros oficiais alfandegários, conforme a dimensão e o volume do comércio para aplicação das taxas e cobrança dos direitos régios: Monforte de Rio Livre, Bragança, Miranda, Bemposta, Freixo de Espada à Cinta. Desde cedo Miranda do Douro será fixado como importante ponto de passagem e comércio para a vizinha Espanha. Documenta – se por cartas de privilegios: a 25 de Setembro de 1524, é concedido aos sapateiros de Miranda do Douro a possibilidade de irem a Alcanices, Tierra de Alba, Villalón de Campos e Tierra de Campo – de onde vinham cereais, armas e cavalos; «usar de seus officios… porque sempre trazem dinheiro e muito pão».
A 12 de Outubro de 1525 foi confirmado privilégio que vem de 1476 no sentido de autorizar os mercadores estrangeiros a comerciar em Miranda, sem pagar dízima, nem sisa, nos primeiros cinco dias de cada mês. No entanto os Portugueses que fossem comprar mercadorias aos Castelhanos não ficavam isentos dos referidos tributos. Do lado de Espanha, os moradores de Sayago e Aliste «vizinhos» de Miranda, tinham autorização desde D. Manuel I para certos comércios com Portugal. Miranda tinha até algum ascendente – firmado em privilegios – sobre os mercadores de Bemposta e Freixo de Espada à Cinta, o que lhe conferia possibilidade de grande comércio e articulação com terras de Espanha: Zamora, Tierra de Aliste, Tierra de Alba, Tierra del Conde de Benavente….
Com Filipe II (1559) seriam criadas novas alfândegas entre Castela e Portugal. Nesse âmbito Portugal regulamentará os portos secos em 1563. E o livre comércio, para estimular e aprofundar ainda mais estas relações, foi sempre uma esperança, por parte dos homens de negócios portugueses, de grande comércio, mas também de pequeno comércio e articulações locais. Tal viria a ser posto em prática na União Dinástica, entre 1582 e 1590. Era uma ambição antiga que não deixou de abrir caminho a União Dinástica.
Este comércio fronteiriço tem uma grande relevância local e regional. Nele se estabelecem relações contínuas entre comunidades vizinhas, em trocas e comércios, que atendendo à continuidade e capilaridade social dos territórios e comunidades fronteiriças, não vem sequer aos registos alfandegários.
A estes vêm tão só naturalmente os produtos destinados a mais largo trânsito, incluindo produtos do comércio colonial e os que vem aos mercados urbanos/municipais, aí onde as autoridades promovem maior vigilância para a realização das suas próprias receitas.
Os dados dos finais do século relativos a 1791, 1796 e 1801 permitem ter uma ideia da grandeza total e relativa das receitas régias das alfândegas que apesar de tudo servem para uma primeira aproximação à dimensão das alfândegas e dos comércios das terras desta fronteira transmontana.
 
De maior dimensão é o contributo das duas maiores alfândegas da Província, Bragança e Chaves (medidas pelo desenvolvimento do seu oficialato). Logo seguidas de Vinhais. A larga distância ficam as demais alfândegas com rendimentos insignificantes.
Mas pretender medir ou quantificar o trânsito e o valor do comércio que se faz entre os dois Reinos pelos dados ou testemunhos das alfândegas é tarefa absolutamente condenada ao fracasso porque é enorme o volume de comércio que se faz à margem ou em fuga ao registo e direitos alfandegários, que nesta fronteira por razões de continuidade territorial, social e administrativa, se faz sem limitações assinaláveis, como se refere para a região de Vinhais, contígua a Espanha, nas freguesias de Vilarinho da Lomba e Cisterna, cujos territórios se entrelaçam com Espanha.
Aqui o Rio Rabaçal faz de divisão, mas 2 pontes de pau, a de Santa Rufina e a de Mizarera, fazem a união, por onde passa, refere o Memorialista «muita conveniência do Reino de Castela para o de Portugal» e aos moradores desta terra da Lomba(Memória de Vilarinho da Lomba e Cisterna). Ou na freguesia de Montouto (Memória de Montouto, Vinhais) lugar de Candedo, onde se diz que a estrada «franquea» os passos aos Portugueses que passam a Castela e Galiza e aos Castelhanos que vem por esta parte a este Reino a prover-se de vinho de que abunda a terra de Vinhais…».
O mesmo refere o memorialista da Vila de Algoso (concelho de Vimioso) que diz que as autoridades fazem vista grossa ao comércio de produtos que se faz na feira fronteiriça, vindos de Espanha: «Faz-se nesta vila aos nove dias de cada mês feira que dura aquele dia, com abundancia de gados ovelhum, cabrum e vacum e algumas tendas portáteis, com tal franqueza que estando perto de Castela, nunca deixaram os juízes de fora, entrar guardas a embargar sem sua licença, ainda que haja presunção de que vão para Castela, nem estão sujeitas as mercadorias a tributo algum (Memória Algoso, Vimioso). Isto é, as autoridades municipais protegem o «contrabando» contra as autoridades régias alfandegárias. As feiras e romarias da raia são local de concurso e intercâmbios transfronteiriços. Assim era na capela de Nossa Senhora da Luz, em Constantim, concelho de Miranda: no dia da festa fazia-se um concorrido mercado «de «vários comércios de Castela e Portugal que podia competir com as boas feiras do Reino» refere o Memorialista. Mas uma «briga» entre Portugal e Castela no ano de 1738, acabou com ela.
Em Vilarinho de Galegos, até se engendrou um mecanismo, um «engenho de cordas» para transportar as cousas do lado de Portugal para a Espanha, por sobre o Rio Douro (Memória Vilarinho de Galegos, Mogadouro), naturalmente à margem do controlo alfandegário.

in:repositorium.sdum.uminho.pt

2 comentários:

  1. Um documento de grande importância para todos os que querem conhecer mais e melhor a história que nos foi moldando.

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  2. Que artigo tão relevante para a história de Portugal e das suas regiões numa matéria, a das fronteiras económicas, tão estruturante.

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