Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 15 de julho de 2012

Lenda da Moura que chora

Local: Quirás, VINHAIS, BRAGANÇA

Ela ia correndo. Correndo e saltando. Alegre. Despreocupada. Era a pastorinha mais graciosa das redondezas. Em toda a região do Rabaçal chamavam-lhe Rosinha. Sem mais, nem menos. Não tinha apelido. Não tinha família. Aparecera por ali um dia e por ali ficara. Depois tinham-lhe dado um rebanho para pastorear. A Comadre Josefa interessara-se por ela. Recolhera-a em sua casa. A Rosinha passara a ter um lar. Não era o seu, propriamente dito, mas isso que importava? A Rosinha gostava imenso da liberdade dos campos. Só recolhia à noite. Passava o dia deambulando com o rebanho pelas encostas floridas do Rabaçal. Principalmente em dias assim, bonitos e claros. Dias de Primavera. 


Sim, ia correndo e saltando. Mas de súbito parou. Estarrecida. Trémula. Mal podendo acreditar no que os seus olhos viam... 
A verdade porém é que eles viam, em cima de um grande penedo, uma donzela lindíssima penteando os seus cabelos negros e fartos com um surpreendente pente de ouro cravejado de diamantes. 
Por uns momentos, Rosinha teve a ideia de estar a escutar a voz da Comadre Josefa, sua mãe adoptiva, dizendo: «... e muitas acabaram por ficar encantadas nesta terra...»
Seria aquela visão uma das tais mouras encantadas? E existiria ela, na realidade? 
Rosinha já se arrependia de ter feito o caminho, desta vez, para aquele lado. Mas fora a curiosidade que a levara! A curiosidade… ou a força do destino? 
De olhos pregados na estranha e bela figura que continuava a pentear-se calmamente, como se nada acontecesse, Rosinha não se atrevia a dar um passo nem a dizer uma palavra. 
Foi então que a outra pareceu reparar nela. 
— Aproxima-te... Não tenhas medo... 
A voz parecia música. Música irresistível. E Rosinha avançou um bocadinho. Só um bocadinho. 
— Quem... Quem... é... vossemecê? 
Nem ela própria soube como conseguira fazer a pergunta. Tremia toda, e a sua voz também. Mas a visão bela e estranha sorriu. 
— Pois não vês quem sou?... Sou a moura de Souane! 
A boca de Rosinha escancarou-se num círculo de espanto. A moura de Souane? Então sempre era verdade o que se dizia... A Comadre Josefa tinha razão! 
E a moura encantada, inclinando-se um pouco para a pastorinha, continuou agora em tom mais lamentoso: 
— Sim... Sou eu aquela a quem chamam a linda moura de Souane... Passo aqui as noites e os dias chorando a minha desgraça, a minha triste sina... 
Suspirou. Profundamente. Vagarosamente. 
— Vês?... É tudo o que posso fazer... Pentear-me com este pente de ouro e preparar a minha comida nesta sertã... 
E mostrou aos olhos estupefactos de Rosinha a sertã onde fazia a sua comida e que depois foi colocar sobre uma pequena fogueira acesa no alto do rochedo. 
Reparando no silêncio da rapariguinha, a moura encantada voltou a inclinar-se mais para a frente. 
— Ouve lá... Não me queres salvar? 
E dando de novo um tom musical e aliciante à sua voz, a linda moura de Souane propôs deliberadamente: 
— Escuta, pastorinha... Se me desencantares, ficarás rica para toda a vida. Se quiseres, poderás ser dona destas terras e encher de presentes aqueles de quem gostas... 
Num repente, Rosinha pensou na Comadre Josefa, que tão boa sempre fora para ela. Como seria bom, de facto, poder encher de presentes a Comadre Josefa e dar-lhe toda a felicidade que ela merecia!... 
De tal modo cresceu o desejo dentro de Rosinha, que se atreveu a perguntar: 
— E para isso… que preciso eu fazer? 
— Ora, é muito simples, acredita! Mas só te direi daqui a oito dias... pois quero ter absoluta confiança em ti. Percebes? Não podes dizer a ninguém, absolutamente a ninguém, que me viste e que falaste comigo. É segredo! Mas se contares esse segredo, o meu encantamento será dobrado e eu ficarei desgraçada para sempre... Não te esqueças disto, pastorinha!... Até daqui a oito dias... 
Rosinha ainda quis fazer mais perguntas. Mas já não foi a tempo, pois a moura encantada desaparecera por completo...  
A partir desse momento, Rosinha passou a viver uma vida bem diferente da que lhe era habitual. Perdeu a alegria e a boa disposição. Não mais cantou nem correu. Todos deram por isso. Especialmente a Comadre Josefa. 
— Mas que tens tu, rapariga? 
— Não tenho nada... 
— Até parece que te fizeram bruxedo... 
— Cale-se, por amor de Deus! 
A Comadre Josefa calava-se, sim, para lhe fazer a vontade, mas ficava-se a magicar no assunto. Que se teria passado, para haver tal mudança no feitio de Rosinha? Teria a moça arranjado algum namorico, sem lhe dizer nada?... 
Resolveu vigiá-la melhor. Fingindo-se desatenta, a Comadre Josefa não perdia nem um movimento, nem um olhar, nem uma palavra da pastorinha. Porém, a verdade é que a Rosinha limitava-se a andar triste, preocupada, taciturna. Sentava-se e quedava-se pensativa, olhando o espaço. Não tinha apetite e voltava agora muito mais cedo com o rebanho. 
Ali havia coisa, olá se havia — pensava a Comadre Josefa. E ela tinha de descobrir o segredo da Rosinha, fosse lá como fosse... 
Para a pobre pastora, a situação também era angustiante. Ardia em vontade de desabafar, de contar o seu segredo — mas tinha medo que a moura encantada viesse a saber... 
Conseguiu resistir nos três primeiros dias. No quarto dia já foi muito difícil, pois sentia em cima de si os olhares desconfiados e inquietos da Comadre Josefa. E, nessa noite, a Rosinha teve um pesadelo pavoroso, gritando alucinada e acabando por cair da cama abaixo... 
Foi isso precisamente que deu uma grande ideia à Comadre Josefa. Na quinta noite, sorrateiramente, ajudou à Rosinha a deitar-se e ficou junto dela. 
— Se precisares de alguma coisa, estou aqui ao pé de ti. 
Rosinha ficou mais aflita. Teve receio de sonhar alto e contar tudo sem dar por isso. Não seria melhor escolher a escuridão da noite e confessar o seu segredo à Comadre Josefa? Ninguém mais ficaria a saber, com certeza. E a essas horas da noite, e ali, as duas fechadas em casa, a moura não daria por coisa alguma. Então resolveu-se. 
— Mãe Josefa... 
— Que é, minha filha? 
— Está acordada? 
— Estou. E tu? 
— Eu também estou! 
— Queres alguma coisa? 
— Quero... Quero contar-lhe um segredo! 
A outra aproximou-se mais, cheia de contentamento. 
— Eu bem me parecia que tu tinhas um segredo... 
— Pois tenho… e sabe uma coisa? 
— O que é? 
Rosinha, apesar de tudo, baixou ainda a voz. 
— O segredo... é a respeito da linda moura de Souane! 
— Que dizes tu? 
O grito da Comadre Josefa quase fez estremecer a casa. Foi a vez de Rosinha recomendar menos barulho. Era preciso que ninguém mais viesse a conhecer o segredo. Senão... 
E ali mesmo, em tom de surdina, sustendo as palpitações do coração, Rosinha narrou tudo o que se passara no seu encontro com a linda moura de Souane e as promessas que esta fizera, se ela a conseguisse salvar. 
— Mas tens a certeza de que a viste e que falaste com ela? 
— Tanta... como a que tenho de a ver a si e de estar a falar consigo!

No dia aprazado — e nunca o tempo, para ela, levara tanto tempo a passar — Rosinha lá voltou com o seu rebanho, pelo caminho percorrido uma semana antes. Fácil foi descobrir o penedo onde a moura aparecera. 
Aliás, ela já lá estava, como que à espera da pastorinha. Esta sentiu-se cheia de febre. Teria a moura descoberto que ela atraiçoara a combinação feita? E não se enganava, infelizmente... 
Assim que a viu, a linda moura de Souane rompeu num choro de amargura. Num choro de infinita tristeza. 
— Traidora! Traidora! Deste cabo de mim e de ti! 
— Mas... mas... 
Rosinha bem quis falar, explicar-se, esclarecer a moura. Mas a palavras faltavam-lhe. E, no fundo, ela sentia-se culpada. 
Foi portanto a outra que voltou a dizer entre lágrimas: 
— Estamos perdidas as duas... Perdidas para sempre... Eu ficarei aqui mais encantada do que nunca... E tu nunca mais pararás no teu caminho. É o castigo que te dou, por teres faltado à tua promessa!  
E nesse mesmo instante, como que dominada por um pensamento tresloucado, a linda moura de Souane correu para a beira do penedo e atirou-se às águas do rio. Chorando... Chorando... 
E também nesse mesmo instante, Rosinha, a pastora, fugiu dali, correndo pelas margens do Rabaçal como uma doida perseguida pela sua própria fatalidade. Correndo e chorando também. Até se perder na distância, para não mais ser vista... 

De tudo isso, ficaram apenas, diz o povo dos arredores, gravados no penedo os sinais da sertã e da colher com que a moura cozinhava os seus alimentos. E ficou igualmente o choro da linda moura encantada de Souane, que continua a escutar-se de mistura com o marulhar das água do rio Rabaçal...


Fonte:MARQUES, Gentil Lendas de Portugal 

Sem comentários:

Enviar um comentário