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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Inferno

Era verão, quente, como é normal em Trás-os-Montes. A rapariga vinha apressada, pelo calor da tarde, abrasador. Parecia ter asas nos pés, tal era a velocidade que só a sua juventude poderia imprimir à marcha. Chorava. As lágrimas misturavam-se com o suor que lhe escorria pelo rosto afogueado.
"Acudam, acudam. Venham depressa antes que seja tarde."
Logo um magote de pessoas, novas e velhas, cercava a rapariga que
mal conseguia falar.
"Um fogo enorme está a queimar tudo no Souto." O Manel está lá a tentar apagá-lo. Já se queimou. Tenho medo que o fogo o cerque.
O sino tocou a rebate. O povo juntou-se com foices, seitouras, enxadas e outras ferramentas que pudessem ajudar a parar o fogo.
Todos à uma, voaram em direção ao fogo que se preparava para destruir o trabalho de uma vida. Já se viam as labaredas, já se cheirava o fumo nefasto da destruição.
"O meu Manel! Que Deus ajude o meu Manel!", ouviu-se uma voz angustiada de mãe.
Alguém foi ao posto público ligar para os bombeiros. Não sabiam se chegariam a tempo ou se viriam. O desespero tomava conta do ambiente. As crianças foram proibidas de sair da aldeia. Os muito velhos rezavam e tentavam controlar as crianças mais atrevidas.
Em poucos minutos o povo se encontrou com o fogo que já havia varrido o Souto. Castanheiros centenários pareciam negros fantasmas. O vento ajudava as labaredas na sua ânsia devoradora. O calor era insuportável. Água não havia. A única esperança era poder parar o fogo com a abertura de valas. Ouvia-se o ritmo cadenciado dos homens com as ferramentas a lutar pelas vidas de todos.
Da aldeia erguiam-se vozes que, das aldeias vizinhas, se vinham juntar aos do Brito.
Os corações aliviaram e agradeceram a Deus mais esta tão necessária ajuda.
"Se ao menos os bombeiros viessem..."
Os aventais das mulheres cobriam-lhe as cabeças e a boca. Os homens faziam o mesmo com as camisas. Os braços sentiam o ardor das chamas cada vez mais próximas.
A luta parecia perdida. O fogo lavrava como se tudo fosse seu. As mulheres gritavam preces aos seus santos. O cansaço pesa mais do que a vontade. Entrega-se a Deus a alma e pede-se mais força para continuar a lutar.
Finalmente a sirene dos bombeiros enche o ar. Chora-se e ri-se de alegria e alívio. Dois autotanques encarregam-se de serenar os ânimos das línguas de fogo que tudo querem comer.
Ninguém desiste da luta. Todos são poucos para combater este inimigo.
Que calor! A pele mais exposta arde, abrasada pelo fogo. Os cabelos cheiram a chamusco.  Vislumbra-se um abrandamento das labaredas. Os olhos ardem pela força do fumo.
Já se ouve um ou outro riso. Abranda-se o ritmo diabólico que até ali lutava contra a força das chamas.
O Manuel, completamente exausto, completamente abrasado, uma ou outra queimadura nas mãos e na face tisnada, senta-se numa pedra à beira do caminho, esconde a cara nas mãos e chora, finalmente chora.


Mara Cepeda
in:nordestecomcarinho.blogspot.pt

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