Foto: Direitos ReservadosSérgio Ferreira, sociólogo |
A maioria das línguas minoritárias, como o mirandês, correm riscos face ao uso predominante das dominantes.
Esta opinião é defendida por Sérgio Ferreira, um sociólogo, residente em Bragança, que está a desenvolver uma tese intitulada “Classe, cultura e língua nas Terras de Miranda: Um estudo sociológico sobre a Produção e a Crise de Reprodução da Cultura e Língua Mirandesa”. A cultura e a língua encontram-se em fase de reconfiguração, revitalização e recuperação, mas não estão em declínio, todavia é preciso apostar em estratégias de revitalização para fazer esse resgate.
O investigador pretende que a língua e a cultura mirandesa ganhem mais visibilidade no espaço nacional. “É preciso uma luta interna e externa para isso. O que é justo, porque o mirandês faz parte da cultura portuguesa e conseguiu sobreviver, apesar de existir um certo silenciamento e até há uma certa anulação dessa língua na sua presença nos meios de comunicação e no panorama nacional em geral”, explicou.
Sérgio Ferreira defende que há muita recolha para fazer no concelho, sobretudo as histórias de vida dos mirandeses, que permitam a recuperação de uma memória. “Há uma geração que é a que fala melhor mirandês, os mais velhos são os mais proficientes, que é preciso ouvir”, frisou. Este é o momento ideal e vital para recolher os depoimentos das pessoas enquanto estão vivas.
O estudo cruza metodologias qualitativas e quantitativas. Observa com mais atenção os casos das aldeias de Sendim, mais dinâmica, e de Constantim, que tem um reduzido número de habitantes, para fazer uma comparação. Uma é vila, tem mais de 1300 habitantes e a outra tem 109 residentes. “Vou tentar apanhar as histórias de vida de famílias que representem tipos de acontecimentos que são marcantes”, referiu. Apesar de se ensinar na escola continua a ser uma língua minoritária em risco. Resgatar uma língua nos modelos anteriores é um mito, por isso o objectivo final da sua revitalização é que os mais jovens se tornem tão proficientes como os mais velhos. O enquadramento social e económico já não é o mesmo. Os suportes materiais e simbólicos da língua são outros.
Os jovens têm um papel determinante na revitalização através de novos suportes, como a internet, a música, manifestações culturais. Todavia, continua a ser uma língua usada por uma minoria de falantes, pelo que se mantém em perigo face à força que as línguas dominantes. Sérgio Martins considera importante fazer uma planificação linguística, porque a língua para além de ser falada tem de estar presente no domínio público e semipúblico de forma a garantir equidade com o português. “Eu não gosto de pensar na instrumentalização da língua e da cultura para o turismo mas é importante que a comunidade mantenha o seu uso e, expressar na sua língua, pode tornar-se numa mais valia até em termos turísticos, porque pode ter um alto valor cultural”, acrescentou.
O investigador vai apresentar conjuntamente com Cláudia Martins, docente da Escola Superior de Educação de Bragana, no festival de cinema, em Avança, uma proposta para desafiar para que se traduzam e se dobrem animações para a língua mirandesa. O que serviria para fazer a ponte entre as gerações mais novas e mais velhas. “Não significa que sejam emitidos na televisão mas para projectar em auditórios nas aldeias”, frisou. A transmissão familiar é fundamental porque a continuação das línguas minoritárias não depende só do ensino na escola e da presença no espaço público, por exemplo nas placas toponímicas. Há que apostar na transmissão dentro da família, por isso é estratégico fomentar o uso.
Os espaços sociais de transmissão da língua entraram em declínio e é preciso reconfigurá-los. É uma luta de uma minoria, intelectuais, oriundos do espaço mirandês. As medidas implementadas até agora não chegam é preciso trabalhar para dinamizar com animadores culturais, novas licenciaturas, reformulação de currículos, para revitalizar o uso dentro dos espaços comunitários. A internet é um dos meios onde mais se revitaliza o mirandês porque há dezenas de blogues, por ser um meio livre.
O futuro da língua é usá-la, os jovens são capazes de o fazer, “mas é preciso oferecer um tapete vantajoso para que se faça nos mesmos meios que a língua dominante”, sublinhou. O mirandês tem um futuro assegurado só que não é tendo como meta a revitalização do mirandês típico dos antigos. A criação de um organismo que funcione uma placa giratória de acções e estratégias também é fundamental, para criar parcerias com os movimentos sociais e as associações locais.
Estudo abarca 60 anos
A investigação, realizada no âmbito de uma tese de doutoramento, tem como objectivo compreender o território transfronteiriço do espaço falante do mirandês, bem como oferecer prioridade a uma abordagem sociológica sobre o quadro existencial da singularidade da língua e cultura de Miranda do Douro. Para esse propósito será necessário compreender as transformações sociais que ocorreram nos últimos 60 anos (1950-2011), observando-se as alterações no domínio das estruturas sociais, locais e das prática simbólicas das populações residentes naquele território.
Foi na década de 50-60 que aconteceu a grande vaga de emigração, um fenómeno de esvaziamento das zonas rurais. Mas no espaço mirandês aconteceu outro fenómeno, que provocou uma grande ruptura na transmissão da língua e cultura mirandesa, que foi a construção das três barragens, em Picote, Miranda do Douro e Bemposta. “Vieram cerca de 3500 trabalhadores com as suas famílias, invadiram o espaço falante do mirandês, que praticamente era o que se falava, já que o português era muito residual”, descreveu.
Os locais deixaram de falar com os filhos em mirandês por vergonha social e medo de rotulagem. Deu-se a transformação dos domínios onde se transmitia a língua, que era a língua do campo, do amor e da família. A oficialização da língua em 1999, “é quase inacreditável”, se for avaliado como se leva à Assembleia da República uma língua que estava em franca fase de decadência.
O projecto foi dinamizado por Júlio Meirinhos, figura central porque conseguiu conjugar a herança do António Maria Mourinho transportando-a para um plano de resgate cultural, em que a lei era um marco fundamental. Opera de duas maneiras, por um lado oficializa a língua e reúne os requisitos de uma língua, dando-lhe equiparação jurídica como ao português.
A oficialização tem um efeito simbólico importantíssimo, porque as pessoas se agarram a isso e dizem que a língua tem valor porque foi legislada. Houve um retorno e uma revalorização por parte de várias gerações, não só dos mais velhos, que falavam fluentemente, mas também dos mais novos, que estavam a perder o elo de ligação e voltaram a dar algum valor à língua, em várias manifestações como o teatro, música, danças.
Por: G.L.
in:mdb.pt
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