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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A Província de Trás-os-Montes no século XVIII - A SOCIEDADE E AS INSTITUIÇÕES TRANSMONTANAS

A SOCIEDADE E AS INSTITUIÇÕES TRANSMONTANAS
A sociedade transmontana, tal como a sociedade portuguesa de Antigo Regime, é uma realidade fortemente segmentada e hierarquizada na base de certos valores e referentes sociais e de privilégios individuais, de grupo ou até territoriais.
Os valores e referentes fundamentais são os da ordem fidalga e nobiliárquica que colocam como tarefas e funções por excelência no ordenamento e consideração social, o serviço do Rei e as causas da Monarquia. Causas e objectivos que devem servir pelas Armas, pelo Serviço Público e pelas Letras, na Corte e nos mais elevados cargos e magistraturas do Reino, no serviço religioso, como ministros de Deus e do Rei, chefe e cabeça da Monarquia Católica, os que aspiram a maior estima e consideração social.
Este serviço está reservado ao grupo social mais próximo do Rei que constitui a fidalguia e a nobreza (sobretudo a 1.ª nobreza) que é retribuída com a entrega de ofícios e benefícios que conferem honra, proeminência e status social. E está entregue, nas tarefas religiosas, aos mais altos dignitários eclesiásticos, que constituem a nobreza eclesiástica, constituídos pelas diferentes autoridades religiosas e grandes beneficiários que assumem frequentes vezes também ofícios e responsabilidades civis.
Na base, esta Sociedade é integrada pelos não nobres, cuja tarefa social é promover a defesa e a sustentação do Rei, da Monarquia, da Igreja, na guerra, na administração política e civil e no trabalho diário de produção dos frutos, rendimentos e serviços que sustentam aquela ordem social. São os peões, que se distinguem e opõem às pessoas de maior qualidade, na terminologia vinda da Idade Média, o estado popular ou devasso (porque sem qualquer privilégio que o defenda). Ou na terminologia cada vez mais revolucionária de fins do século XVIII, o Terceiro Estado, que nunca foi nada e deve ser tudo (Seyes), em oposição ao 1.º estado, constituído pela nobreza e ao 2.º estado constituído pelo clero e que quer sacudir o preconceito contra o exercício das actividades mecânicas, assente e sustentado na mundividência nobre ou fidalga própria do Antigo Regime.
Na distinção muito frequente no Antigo Regime entre Estado Alto e Estado Baixo, aplicada aquela designação às classes nobres e privilegiadas e esta às classes não nobres, populares e devassas, emerge ao longo da Época Moderna (séculos XV a XVIII) a categoria de Estado do Meio, constituído por aquele grupo de população em trânsito entre as classes populares e nobres, cujas características fundamentais são o afastamento do exercício das actividades mecânicas e a aproximação a um estatuto e modo de vida próximo ao da nobreza. São, sobretudo, as novas classes enriquecidas pelo comércio, grandes negociantes, contratadores e rendeiros das rendas públicas senhoriais, as classes letradas, em regra formadas pelas Universidades ou nas Escolas Monásticas e Eclesiásticas que exercem as actividades da escrita, do ensino e outras Artes Liberais e preenchem os cargos e ofícios intermédios e mais baixos da administração, magistratura, milícia e religião na ordem e estado monárquico, na senhorial, municipal e eclesiástica.
É neste grupo que se faz o recrutamento crescente das novas classes nobres, mas também é este grupo, com consciência social de classe cada vez mais vincada, que exercerá progressivamente um papel social determinante na transformação da sociedade de Antigo Regime e constituição da Sociedade e Estado Liberal que emergirá com as Revoluções Liberais (a Francesa em 1789, a Portuguesa em 1820).
O Terceiro Estado transmontano é constituído na sua grande maioria pelas classes dedicadas ao trabalho da terra, os lavradores e os jornaleiros. Em regra, o número de fogos ou casas de lavradores é sempre superior ao dos jornaleiros, mas em certas áreas devido quer à maior densidade demográfica, quer ao desenvolvimento de certas monoculturas como a da vinha, ou à concentração da propriedade, o número de jornaleiros aparece superior aos lavradores, como o enumera a Estatística de Ribeiro de Castro, de 1796, para algumas terras da comarca de Miranda e Bragança. Este constitui o sector social mais numeroso da população transmontana mas não é suficiente para deixar de considerar a Província Transmontana demográfica e economicamente frágil.
De um modo geral os autores que reflectem sobre o atraso, o subdesenvolvimento e o bloqueamento da economia e sobretudo da agricultura transmontana, acusam em particular a falta de população em geral e particularmente, acentuam a fragilidade da Província resultante da inexistência de núcleos populacionais mais fortes e desenvolvidos, mas ligados e articulados entre si. As causas desta debilidade demográfica vão buscá-las ao elevado celibato mas também à falta de meios com que as pessoas se possam sustentar.
Integra mais este Terceiro Estado a generalidade da restante população activa de pessoas ligadas aos serviços domésticos – criadagem – as profissões ligadas ao comércio, aos transportes, as diferentes actividades «profissionais» ligadas à «indústria», aos serviços inferiores e auxiliares na administração e justiça.
Percentagem demográfica relativamente importante é a que representa o peso do sector dito secundário de Antigo Regime, que engloba a população ligada genericamente às Artes e aos Ofícios, em maior número, alfaiates, sapateiros, carpinteiros, pedreiros e ferreiros, e em escala menor, mas importantes também para as comunidades, os ferradores, os moleiros, os caldeireiros e os latoeiros. Este grupo, representa, segundo a Estatística de Ribeiro de Castro, 10,2% nas terras da comarca de Miranda, 9,8% em Moncorvo, 9,9% em Bragança e 7,8% em Vila Real.
A 1.ª nobreza titulada de origem transmontana, tal como a demais nobreza desta hierarquia reside na Corte. A nobreza que vive nas terras e províncias é, em regra, uma nobreza 2.ª, não titulada e é desta que se trata essencialmente, quando se fala na nobreza ou principalidade das terras e que, em regra, preenche os principais cargos e funções políticas, territoriais e municipais. Em Trás-os-Montes ela é donatária régia de propriedades e ofícios, pertencendo-lhe as principais jurisdições senhoriais em alguns concelhos.
Ocupa os principais postos e cargos militares, encabeça os de governadores militares e das praças de armas da Província, mas também as capitanias, sargentarias e alcaidarias-mores. Participa largamente dos rendimentos dos benefícios eclesiásticos e patrocinato religioso como comendadores e padroeiros, mas também como administradores de capelas e outros vínculos. Esta nobreza, nas câmaras de primeira hierarquia de juízes de fora e assento de correição, exerce muitas vezes os cargos políticos mais importantes, como vereadores e eleitos de maior nas Juntas fiscais e nas misericórdias e confrarias nobres.
As magistraturas políticas criadas e desenvolvidas ao longo do século XVIII – sobretudo na 2.ª metade – como intendências e superintendências, inspecções e comissariados virão todos a ser exercidos por nobres.
O clero nobre preside ao Bispado, exerce altos cargos na administração eclesiástica e pastoral, governa os mais importantes mosteiros e conventos, tem assento nos cabidos da Sé e Colegiadas. A grande maioria do clero, com estatuto à parte, é certo, é constituído pelo baixo clero curado e colado nos benefícios paroquiais. Se alguns deles – abades, e também priores e reitores – recebem maiores proventos dos seus benefícios e conseguem um estatuto mais distinto, se outros fazem figura de grandes proprietários, contratadores e rendeiros, a maior parte são simples vigários e curas que trabalham pela côngrua e pé de altar, exploram ou recebem as rendas dos seus pequenos patrimónios proporcionados pelas casas modestas de onde são originários, e portanto, mal se distinguem (a não ser pelo traje e nem todos) do comum dos lavradores ou oficiais subalternos da administração das terras.
O clero secular, tal como se verifica nos demais bispados nortenhos, é muito numeroso: em média há 1 padre para 97,6 habitantes e 3,6 padres por paróquia. Mas há paróquias que tem dez até vinte clérigos.
Menos numeroso o clero regular, que está sobretudo sediado nas principais cidades da Província. No total C. Pinto Ribeiro de Castro contou 17 conventos masculinos (Miranda, 4; Moncorvo 6; Bragança 4; Vila Real 3; com 365 pessoas) e 6 conventos femininos (Miranda 1; Bragança 3; Vila Real 2) com 812 pessoas.
O sector dos eclesiásticos introduz-nos de imediato no grupo do Estado do Meio, porque é neste sector onde dominam os letrados que se recrutam muitos dos elementos que integram este estado e grupo social, que se dedica essencial e exclusivamente a tarefas no ensino, na assistência, na administração eclesiástica e até na administração civil, exercendo muitos deles também tarefas na economia, como administradores e contratadores e rendeiros. Este é o sector dominado essencialmente pelas «pessoas literárias», assim designadas na época, por dominarem as artes da leitura e da escrita, viverem e constituírem o seu estatuto no exercício destas competências, tendo certamente alguns deles formação universitária. Dominam essencialmente os cargos da administração, em particular nas câmaras, mas também no ensino e nos demais serviços da administração régia e eclesiástica, local e periférica. Pela sua importância e papel político e social deve salientar-se o corpo dos ofícios ligados à administração municipal, de propriedade ou de eleição.
Nas vereações das câmaras têm assento, em regra, as mais distintas elites sociais concelhios, que constituem o corpo político mais importante no governo das terras. Recrutado, em regra, entre a principalidade da nobreza e fidalguia local quando a há, compõe-se na falta destes pelos proprietários e lavradores locais mais distintos, pelos letrados, oficiais superiores e militares, como é o caso na generalidade dos pequenos e médios concelhos transmontanos. Nas câmaras e a partir delas um papel importante é desempenhado pelos escrivães da câmara ou dos demais juízos nelas sediados, assim como pelos procuradores e tesoureiros, embora estes últimos cargos pela segurança que é preciso dar as reivindicações e aos cofres sejam também em grande medida recrutados no grupo dos negociantes, proprietários e lavradores e até de entre os mais distintos oficiais das Artes e Ofícios. Um papel relevantíssimo é o exercido pelos notários e advogados, quer pelo exercício das suas tarefas de grande relevância pública, quer pelas assessorias que prestam à administração. Eles tem uma ascendência muito grande sobre a administração local, em particular sobre as câmaras de juízes iletrados, ordinários.
De resto parecem ter pouca relevância na constituição deste segmento intermédio da sociedade, os sectores que configuram aquilo que se poderá chamar uma «burguesia económica». Um lugar destacado têm certamente os maiores contratadores e rendeiros, proprietários de manufacturas e industriais que contudo só aspiram a relevância e promoção social quando associam as suas tarefas e modos de vida ao desempenho de cargos «públicos» ou ao usufruto de especiais privilégios e registo na Junta do Comércio.
O privilégio é um traço de distinção fundamental nesta Sociedade de Antigo Regime que divide a Sociedade nos dois blocos essenciais, a saber, os privilegiados e os devassos, fazendo participar os que usufruem dos privilégios dos principais benefícios, económicos, fiscais, judiciais, administrativos e até religiosos e políticos das classes do 1.º foro, como são também um elemento fundamental para distinguir e acentuar o estatuto e o preconceito muito actuante e distintivo entre quem exerce ou não actividades mecânicas e quem está ou não sujeito aos encargos mais vis e onerosos da República e dos concelhos. Os privilégios são por isso apontados por todos os críticos desta Sociedade de Antigo Regime como os elementos cristalizadores e bloqueadores, por excelência, de todo o desenvolvimento económico, social e administrativo. Enumerar e atentar na distribuição e utilização destes privilégios, nas diferentes hierarquias e benefícios que concedem, é indiscutivelmente o caminho mais seguro para perceber, em concreto, o funcionamento e a verdadeira configuração social e política desta Sociedade de Antigo Regime em que a verdadeira lei é a do Privilégio.
Luís António Medeiros Velho na Memória Económico-Política referiu-se desenvolvidamente aos principais privilégios que organizam e configuram a Sociedade Transmontana, alguns deles exclusivos de certos grupos ou corpos sociais, outros mais largamente distribuídos.
Refere-se em 1.º lugar aos privilégios dos militares. A Província conta então (1799), 3 regimentos de cavalaria e 2 de infantaria que completos integram 3.000 privilegiados e 5 terços de auxiliares que formam 5.000 homens de lavradores, dos mais ricos e mais capazes. No total neste conjunto 8.000 que gozam de excepcionais privilégios que os eximem, aos militares, «até das obrigações mais públicas e necessárias ao Estado» e aos lavradores que gozam de privilégios de soldados pagos e dos cavalos, sendo assim isentos de todos os cargos e encargos (municipais). Depois, em regra, em cada freguesia há ao menos 2 lavradores que gozam dos privilégios de 1.ª ordem, dos estanqueiros e buletórios; ao todo mais de 9.000 privilegiados sem limites. Depois tem mais cada freguesia 4 privilegiados de 2.ª ordem – mamposteiros de Santo António, de Nossa Senhora do Amparo, Trindade e Órfãos, que nas 400 freguesias, fazem pouco mais ou menos 1600 privilegiados. Se a estes se lhes acrescentar 400 párocos, toda a população política de juízes, vereadores e oficiais de justiça, formados pela Universidade, um capitão e sargento-mor por concelho – «autênticos régulos» nas suas jurisdições – além dos capitães, alferes e sargentos das Ordenanças, os cavaleiros da Ordem de Cristo, cargos de Desembargadores, familiares da Inquisição, tudo gente que goza de importantes privilégios, designadamente de isenção do exercício dos cargos e encargos da República, das camaras e das paróquias, fundamentais ao funcionamento da Sociedade civil, política e económica, atente-se quão custosa se tornava a vida aos estratos mais ínfimos da Sociedade sobre quem se abate o suporte desta Sociedade e Estado organizado com base na lei dos privilégios.

Memórias Paroquiais 1758

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