Reformas e rigorismo são palavras de ordem que se colocam por então também intensamente à ordem e hierarquia eclesiástica, sobretudo dirigidas aqueles aspectos mais objecto de crítica pela Ilustração a que o Regalismo dá cobertura.
Como é sabido pela 2.ª metade do século XVIII a Igreja é percorrida por movimentos reformistas e rigoristas com conflitos que por vezes extremam bastante os campos. São os que decorrem designadamente das correntes Sigilista e Jacobeia, mas também os que se geram a partir do próprio movimento de Ilustração Católica, que tocam questões doutrinárias e teológicas próprias à Igreja, mas também às relações da Igreja com o Estado e as próprias relações da Igreja com a Sociedade e o próprio «status» e sociedade interna eclesiástica, nas suas enormes desigualdades.
Por então por parte da Coroa (Estado) e da própria Sociedade Civil estão a ser postos em causa os fundamentos económicos, jurídicos, históricos e também teleológicos de direitos e privilégios eclesiásticos, que impõem também reformas urgentes que logo sob o Reformismo mariano (D. Maria I) se traduziriam em propostas de reformas do nosso ordenamento político geral, mas também do ordenamento e Direito Público com directo impacto na Sociedade e Ordem eclesiástica e paroquial.
São conhecidos os esforços e medidas dos Bispos coevos para introduzir as reformas necessárias, não só para combater as «máximas» do Século, mas também para corrigir os abusos da Igreja e trazer o clero e as populações às melhores práticas e doutrinas (pela missão interior, pela catequese, reforma das visitações, nova pregação), e assim conter os avanços de doutrinas subversivas, o alargamento da intervenção estatal e a quebra da obediência dos povos à Igreja.
As pastorais publicadas pelos Arcebispos de Braga (que ao caso mais interessam), são a prova e testemunho do esforço de morigeração daqueles domínios de maior desregramento e laxismo e enquadramento do poder paroquial e pastoral que se publicam ao longo de todo o século XVIII, a começar em D. Rodrigo de Moura Teles e a acabar em D. Frei Caetano Brandão. O conteúdo das pastorais de 1706 (de D. Rodrigo de Moura Teles), de 1742 (de D. José de Bragança) e de 1762 (de D. Gaspar de Bragança), logo seguidas da reforma e actualização do Regimento de Visitadores, de 1763, sublinham bem aqueles aspectos de maior indisciplina e imoralidade, a exigir, normalização eclesiástica, formação e doutrina, morigeração dos costumes, prática dos sacramentos. Fixa-se aqui o essencial das contribuições e os domínios de intervenção dessas Pastorais que se volverão textos de particular referência.
Ao abrir o século, a Pastoral de D. Rodrigo de Moura Teles de 20 de Novembro de 1706 que providencia sobre a disciplina do clero, costumes populares, obrigações dos párocos e decência do culto.
Aborda entre outros aspectos: o ensino da Doutrina Cristã pelo Catecismo; a decência e modéstia dos trajes eclesiásticos; a obrigação aos eclesiásticos, sem encargos de cura, da prática paroquial e religiosa (confesso); a ordem e prática dos ofícios; o acompanhamento dos eclesiásticos dos actos religiosos paroquiais (dos viáticos, etc.); o horário das missas cantadas e de jubileus; a preparação e ordem dos ofícios da Semana Santa; as licenças para celebração de missas nos oratórios de casas particulares, capelas e ermidas; as licenças para exposição do Santíssimo e procissões; a ordem nas cerimónias de Quinta e Sexta-Feira Santa; a obrigação e tarefa dos párocos fazerem o inventário dos bens e móveis e tombo das propriedades das igrejas, irmandades, confrarias e capelas e dos usos e costumes da igreja e bens d’alma e direitos paroquiais; as obrigações dos párocos e benefícios; a criação de um cofre para as confrarias com rendas e saldos; a assistência de ermitãos nas ermidas e só com provisões; a reforma sobre as obrigações e romarias de votos; a proibição de homens maiores de 14 anos acompanharem de noite as romarias e nas fiadas, espadeladas, serões, esfolhadas, moinhos, com danças, festas, galhofas; a obrigatoriedade da observância religiosa dos Domingos e Dias Santos; a proibição das feiras aos Dias Santos, a proibição de visitas e devoções nocturnas nas igrejas, capelas, vias-sacras; a ordem e silêncio a manter nas igrejas na missa e sermões; a falta aos ofícios religiosos por virtude dos nojos; a administração do Baptismo por leigos em caso de necessidade; os assentos de baptismo; a ordem e combate aos abusos e indecências que se praticam em certas procissões.
Na sua sequência e em relação com novas questões emergentes por meados do século, está a Pastoral de D. José de Bragança de 20 de Maio de 1742, dirigida essencialmente a promover a «perfeição do clero» e desterrar entre os eclesiásticos e os populares os múltiplos abusos. Aborda entre outras matérias, as ligadas aos eclesiásticos e párocos e sua administração religiosa e pastoral: vestidos e trajes, excessos mundanos, acompanhamentos femininos domésticos, acompanhamento nas saídas do Santíssimo, confissões femininas, aprovações para confessar e modo de confesso, exercícios espirituais, ensaio e ordem nas cerimónias, catequização e doutrinação dos fregueses, administração dos sacramentos, fixação de direitos paroquiais (bens de alma nos funerais), exorcismos, ausências das paróquias; matérias da ordem monacal: proibição de entrada das mulheres nos claustros ou mosteiros de religiosos e homens de frequentar mosteiros de freiras; sobre a vida paroquial e cristã: santificação dos Domingos e Dias Santos, práticas dos nojos, assistência à missa dominical, assistência e práticas nas novenas, votos, romarias e procissões, contratos de missas, negócios à porta das igreja, práticas do jejum, simonias. A esta pastoral deu-se a maior divulgação, sendo distribuída ao clero em cópias impressas. E logo depois a Pastoral de D. Gaspar de Bragança de 1762 sobre o Ensino da Doutrina Cristã, impondo aos eclesiásticos o ensino e a doutrinação e aos fiéis a sua aprendizagem.
Entre outros pontos aborda: ensino e explicação ao povo nas igrejas da doutrina aos Domingos e Dias Santos; catequização em especial para a habilitação aos sacramentos aos meninos e pessoas menores; examinação doutrinal dos pretendentes ao matrimónio; prática da instrução doutrinal também nas celebrações que se fazem nas capelas, fora das igrejas paroquiais; examinação na Quaresma dos fregueses na Doutrina Cristã para admissão à confissão e comunhão; examinação que pais e mestres e candidatos a ordens devem fazer aos filhos e discípulos na Doutrina. Os visitadores ficam encarregados de inquirir e examinar a observância e cumprimento desta Pastoral.
Este movimento interno de reformismo é muito geral à Igreja e dioceses portuguesas do século XVIII. Antecipam as medidas no mesmo sentido que o Pombalismo não deixará de desenvolver. Em Bragança e Miranda tal acção caberá sobretudo ao Bispo D. Fr. Aleixo de Miranda Henriques para aí enviado por Pombal, onde teve de levar a cabo uma intensa e profunda actividade correctiva e moralizadora, por conta dos anos de desleixo episcopal dos seus antecessores à frente da Diocese.
Memórias Paroquiais 1758
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