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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O TRABALHO DA SEDA EM TRÁS-OS-MONTES

Nos fins do século XVIII, nem só em Trás-os-Montes se criava e trabalhava a seda que abastecia as fábricas de Lisboa, do Porto e de Braga: a Beira Alta, igualmente a produzia e exportava em abundância.
A feira de Viseu era, como a de Moncorvo, um grande mer­cado, aonde afluíam todos os industriais do reino.
Decorridos, porem, poucos anos, só a província trasmon­tana conservava ainda esta industria tão abalada já, que a sua produção não conseguia alimentar os teares e os tornos de Bra­gança. Era de Itália a maior parte da seda que, nessa época, ali se fiava e tecia (1).
Depois, dia a dia, foram parando todas as oficinas da velha cidade e do seu distrito, batidas pela concorrência desleal da industria mecânica, e, dentro em pouco, quasi nada restava dessa arte tão bela, que mereceu especial protecção de tantos reis portugueses, desde a Africano ate D. João VI.
Um documento que se acha transcrito no Livro dos Privilégios da Cidade de Miranda e se conserva, segundo creio, inédito (2), testemunha bem quanto são remotas, em Portu­gal; as providencias em favor da sericultura nacional.
É que, a esse tempo, em pleno século XVI, quando do Oriente nos vinham os mais preciosos tecidos, eram afamados os damascos, os selins e os veludos de Vila Viçosa, do Porto, de Lamego, de Tarouca e de Bragança...
Que contraste desolador: o progresso de então e a decadência de hoje!
É em todo o distrito de Bragança, e principalmente nos concelhos de Macedo de Ca­valeiros, Mirandela, Alfândega da Fé, Mogadouro, Freixo e Miranda, que ainda se cria o sirgo, como industria subsidiaria do labor dos campos.
Chocado carinhosamente, ao calor abençoado da lareira, ou no abrigo, quasi mater­nal, do peito feminino, só depois de muitas semanas e de inúmeros cuidados ele começara a produzir o precioso têxtil.
Quanto trabalho não dá, antes que se obtenha o folhelho, capelo, ou capilho (casulo)? A primeira operação que o casulo sofre consiste, como se sabe, em matar o bicho que nele se abriga, para evitar que a crisálida o fure e inutilize. É a cura.
Para isso, usam, em Trás-os-Montes, dois processos: expó-Io, durante alguns dias, a acção dos raios solares, ou submete-lo ao calor de um forno ou estufa (3).
O primeiro, decerto o primitivo, e seguido em todas as localidades que não dispõem destes aparelhos.
Seguem-se a escolha dos casulos, para apartar os manchados e grosseiros, que dão a seda de inferior qualidade, trabalho também denominado escardaçar (Vinhais), a limpeza dos baranhos e a cozedura.
Antigamente, o casulo era vendido, nas feiras, sem preparo, ou preparado, isto é, cru, ou cozido, em enfiadas como as dos pinhões.
Hoje, só por encomenda se obtém a seda, quer em folhelho, quer fiada, ou já tinta. A grande maioria dos criadores do sirgo, dispondo anualmente de pequenas produções de fácil colocação, julga desnecessário concorrer aos mercados regionais.
De dois modos diversos se faz a fiação: á roda, ou carril e á roca.
Dos engenhos a piemontesa, introduzidos nos fins do século XVIII, quando pela ultima vez se tentou 0 ressurgimento da industria, outrora tão florescente, ninguém agora da noticias claras.
Creio, no entanto, que os últimos pararam há poucas dezenas de anos, acabando, com el­es, uma preciosa Fonte de receita.
As grandes tecelagens de todo o país, in­clusivamente as de Lisboa, mandavam a matéria-prima, nacional ou estrangeira, a Trás-os-Montes, para fiar e tecer.
O carril, muito semelhante a roda vulgar de fiar a lã, mas de menores dimensões - 0,70, em media, na maior altura - é o mais empregado em toda a província.
Há, porem, quem não tenha posses para o adquirir, e use, então, a roca ou estaquinha ­uma roça especial, muito rudimentar, em que o bôjo é substituído por quatro, cinco ou seis esgalhos.
Nela se coloca a seda, depois de secos e abertos os casulos, fiando-se, com o auxilio do fuso, como se fora linho ou estopa.
É manifesta a imperfeição resultante destes processos rudimentares, antigamente (4) só aplicados na fiação dos desperdícios e refugos, O que arredou o trabalho popular do campo industrial.
Mesmo presentemente, as fábricas manuais de Braga dariam, estou certo, preferência à indústria transmontana, se com ela pudessem contar.
Resta, por ultimo, dobar e formar as meadas, rematando-as com um fio de algodão, como dantes se vendiam nas feiras da província, operação ali chamada recapeiação. ­A seda fica, assim pronta para ser entregue à tecedeira.
Como já tive ocasião de dizer, a tecelagem da seda tem hoje, em Trás-os-Montes, um carácter meramente popular.
De tantas oficinas afamadas, cujos produtos assombravam os mestres da Real Fabrica, só nos ficaram alguns engenhos desmantelados.
No primeiro terço do século XIX, ainda trabalhavam, em Bragança 60 teares de nobreza, de sarja, de tafeta e de setim, e alguns existiam também em outras localidades do distrito; hoje, nem de um só tenho conhecimento, em toda a província transmontana, onde a seda seja tecida isoladamente.
Tinta nas mais lindas cores vegetais - amarelo, azul, verde vermelho, cor de laranja e roxo - é usada para enfeitar colchas vulgarmente chamadas «de Urros» - em toda a região ocupada pelos concelhos de Moncorvo, Freixo, Mogadouro e Miranda.
Substituem, assim, a lã, formando a tapadura (trama), que se estabelece sobre a urdidura de algodão ou de linho.
Quando uma tecedeira recebe a encomenda de uma colcha com enfeites de seda, compra o fio, ordinariamente de barbilho, que é vendido aos arrateis, e manda-o a tingir, se ela própria não é também tintureira.

(1) «Isto, sendo a Província tão abundante de seda, que colhe regularmente vinte mil arrateis de seda fina e outros tantos de seda macha, e redonda» - «Bragançaa e Bemquerença», Albino Pereira Lopo.

(2) É do seguinte teor esse curioso documento, que se encontra a fls. 47 e 47 v.º de um livro assim intitulado:
Este libro he dos privilegios E provisões das liberdades que esta cid.de de Miranda tem o qual se fez sendo juis o L.do Baltasar de Fonsequa E vareadores João Rôiz e Antonio Da fonsequa e Paulo Fernandez. E procurador Fernam piz. Escrivão Loppo guodinho. No anno 1567.
Provisam sobre as Moreiras que se am de prantar e criar 1563.
Eu elRey faço saber a vos C.or da comarqua E corejçam da cidade de Miranda que antre os capitollos particulares que a cidade de bragança enviou as cortes que fiz nesta cidade de Lixboa por seus procuradores me fezerão alguas lenbranças acerqua do criar e fazer das sedas que na dita çidade fazem e tecem e sobre as pessoas e oficiaes dellas e que nellas tratam sobre o que mãdey fazer regi­mento que emviei a dita cidade. E porq. he necesario dar modo como a aja a dita seda em abastanç e se cryem os bichos que a dão os quaes se mantem E criam com a folha das moreiras pello que he rezao que as aja em abastança e por ser informado que nessa comarqa as ha e pode haver milhor q. em outra algua parte do Reino Ej por mando que vades a todos as luguares de vossa coreiçam e vei­jais a disposiçao dellas asy no termo da dita cidade como nos termos das villas della e emformarvos eis por pessoas que tenhão rezão de o saber das teras em que se devem prantar as ditas moreiras E repartireis nas camaras aos donnos das ditas terras o numero das moreiras que cada hu deve prantar em sua terra e fazer guoardar de maneira que se posão criar asentando por pusturas que fareis com os ofiçiaes E pessoas da gouvernãça da dita cidade e villas o tempo em que as ade dar prantadas e tapadas com as penas que parecer que convem E as quaes posturas fareis apreguoar antes que de cada hum dos ditos luguares vos partais E por nosos mandados noteficar aos moradores das ditas aldeas o numero de moreiras que cada hum ade prantar E fareis de tudo fazer auto e rol da dita re­partiçam e numero das ditas moreiras per hum escrivão da dita coreição em o qual se tresladara a postura q. sobre este caso fezerdes e quando tornardes aos ditos luguares vereis o dito auto e rol E sabereis se se prantarão as ditas arvores e achando alguas pessoas negligentes em as prantarem taparem e goardarem fareis fazer hexecução contra elIes pelIas penas da dita postura e os constrangereis a que a cumprão e prantem as ditas arvores e esta diligencia fareis dentro em tres mezes do dia q. vos esta provisão for apresentada e alem disto os C.res que a pos vos forem todas as vezes que feze­rem coreição nos luguares da dita comarqua teram especial cuidado de saberem se as moreiras que assi fizerdes prantar se as criam e guardão como dito he E de fazerem cumprir esta provisão a qual se registara no livro da chanchelaria desa coreição e nos livros das camaras dos lug.res delIa e o pro­prio andara na arqua da chra da dita coreição e a dita diligecia que neste caso fizerdes me enviareis e se entreguara a Fernão da Costa meu sTcrvão da camara pera ma mostrar e este alvara ey por bem q. valha e tenha força e vigor como se fosse carta feita em meu nome por my asignada E passada pela chançelaria sem embargo da hordenação do I.º L.º f. 20 que diz que as cousas cujo efeito ouver de du­rar mais de hum ano passem por carta E pasando por alvaraes não valhão. bastião Ramalho ho fez em Lisboa a XVIII dias de fevr.ro de mil e quinhentos e sesenta e tres. fernão da costa o fiz escrever e o auto e o Rol que sse fizer da repartição das ditas moreiras se metera na dita Arqua da chancelaria para por ella verdes o que neste caso he feito - o cardeal Ifante - dom Simão - antonio Vieira - bal­tasar de ffaria ffz.es
(3) Outro processo, muito usado no século XVIII em todas as regiões sericolas e que consistia em colocar o casulo sobre recipientes onde fervesse agua, creio não estar hoje em voga na província transmontana.
(4) Refiro-me, é claro, aos dois últimos séculos, pois bem rudimentares eram, decerto, os engenhos e processos com que se teceram os magníficos estofos de épocas mais distantes.

Terra Portuguesa

Revista Ilustrada de Arqueologia Artística e Etnográfica
Natal de 1916 

D. Sebastião Pessanha

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