Um médico prescrever uma alheira para a dieta de um doente renal pode parecer um contrassenso que uma clínica de hemodiálise de Mirandela acaba de contrariar com um enchido adaptado às necessidades de quem padece da doença.
O alimento foi apresentado hoje e resulta de um desafio lançado pela empresa Tecsam, responsável pela unidade de Mirandela, à Faculdade de Ciências de Nutrição do Porto, que encontrou a receita na original alheira à base de aves criado pelos judeus e que ao longo dos tempos foi sendo adaptada à tradições transmontanas da carne de porco.
Os promotores prometem, a partir da terra da famosa alheira de Mirandela, criar um alimento que pode também ajudar a atenuar o problema de subnutrição de proteínas de que padecem alguns doentes renais em hemodialise, por não comerem carne e peixe.
A responsável pelo estudo para o projeto produtos alimentares adaptados a doentes em hemodiálise, Olívia Pinho, confessou hoje que quando foi confrontada com o desafio hesitou por lhe parecer um contrassenso dar alheira, um enchido gordo e salgado, a estes doentes.
As desconfianças despareceram depois de a empresa de Mirandela lhe ter apresentado a ideia que surgiu da dificuldade em alimentar os hemodialisados, que ficam com um baixo teor de proteína, com perda de músculo e por vezes desnutrição.
Analisou várias alheiras produzidas nesta região de Trás-os-Montes e encontrou aquela que tem o ponto certo para estes doentes: um enchido à base de carne de aves, com azeite, pão e ervas aromáticas, em vez da carne de porco, banha e alho.
Esta alheira tem menos potássio e sódio, que estes doentes não podem ingerir.
A investigadora alerta, contudo que "tem de se ter muito cuidado e alguma vigilância sobre os restaurantes que vão aderir" e "atenção à quantidade" que os doentes vão ingerir.
Uma das principais produtoras de alheira em Mirandela, Sónia Carvalho, forneceu alguns produtos para a fase de investigação e garantiu que, nos estudos realizados, a tradicional alheira de caça que confeciona foi aprovada com apenas alguns ajustes nos teores de sal.
Os produtores vão poder comercializar este enchido com um rótulo adaptado a chamar a atenção de que pode ser consumido por estes doentes.
O administrador da empresa responsável pelo centro de hemodialise, Nunes Azevedo, explicou como surgiu esta ideia e novo produto já experimentado entre os cerca de 100 doentes que fazem tratamento nesta unidade.
"Aos doentes que têm resistência à ingestão de carne e peixe, sempre que lhes fazia a pergunta: e uma alheira, come? A resposta era 100 por cento positiva e, daí, surgiu esta ideia", contou.
O curioso, continuou, é que, embora com menos sal e com estas caraterísticas, "os doentes saborearam a alheira e gostaram imenso dela".
A empresa vai agora realizar um estudo em doentes desnutridos, a quem será dada uma alheira no final de cada sessão de hemodialise para perceber de que forma contribui para atenuar o problema de desnutrição proteica.
As conclusões serão apresentadas no congresso português de nefrologia e na Associação europeia de dialise e transplante.
O administrador espera que a clínica com a empresa mãe em Mirandela possa "dar à comunidade internacional um alimento que o doente renal gosta e resolver o problema de subnutrição proteica".
Para breve está também o lançamento de um livro com receitas de vários chefs de cozinha transmontanos à base de alheira para doentes renais e a forma de a combinar com outros alimentos.
HFI // MSP
Lusa/fim
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