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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - ISAAC ORÓBIO DE CASTRO (C.1617-1687)

Iniciamos uma série de biografias de Trasmontanos de origem hebreia que ganharam celebridade. Começamos por Baltasar Oróbio de Castro. E desde logo uma constatação, algo embaraçosa: O principal estudioso deste médico não é trasmontano, nem sequer português, mas um estrangeiro que sobre ele fez a sua tese de doutoramento: Yosef Kaplan.
Desde o início que a força da inquisição se abateu sobre a cidade de Bragança e, à entrada da última década do século de 500, isso ficou patente na condenação à morte de 17 brigantinos pelo tribunal de Coimbra. Entrou-se então num processo de denúncias em série e o tribunal ficou “entupido” com tantos processos e tantos prisioneiros, operação que foi brilhantemente tratada por Elvira Mea como o “caso dos falsários de Bragança”.
Neste movimento de prisões foram apanhados os avós e bisavós de Baltasar e foi em meio dessa tragédia que seus pais nasceram: Manuel Álvares Oróbio em 1590 e Mência Fernandes Nunes, em 1596. Em 1617 nasceu Baltasar Álvares e tinha uns 5 anos quando os seus pais abandonaram a cidade e se meteram por Castela adentro, certamente receosos de nova investida da inquisição.
A família fixou residência em Málaga, onde nasceram outros filhos: Ana (c.1624), Leonor (c.1626), Melchior (c.1627), Violante (c.1628) e Clara (c.1632). Chegaram pobres, mas tinham a proteção de Mateus Rodrigues Nunes, tio materno de Baltasar, que era ali administrador dos “millones” (imposto lançado sobre os bens de consumo: carne, vinho, azeite…).
Seria o mesmo tio a pagar os estudos de Baltasar quando este se matriculou no curso de medicina em 1633, na “medíocre” universidade de Osuna, passando em 1635 para a prestigiada universidade de Alcala de Henares. Certamente que o tio também abriu os cordões à bolsa para “comprar” a indispensável prova de limpeza de sangue. Nesta universidade tirou o bacharelato em Artes, mas não consta que tenha feito o exame final para ser diplomado em medicina. Na primavera de 1640 desapareceu, pura e simplesmente. É que, entretanto, os seus pais e uma dezena de outros membros da família foram denunciados à inquisição de Espanha.
O processo dos pais não impediu o Dr. Baltasar Oróbio de entrar na universidade de Sevilha como professor de medicina, em finais de 1642. Terá falsificado o diploma, como escreve o investigador francês Jacques Blamont? 
Dois anos mais tarde pediu a demissão para entrar ao serviço do duque de Medinaceli e, em 1651 casou com Isabel de Pena, filha de um rico comerciante, levando um dote de 6000 sólidos. O “grande doutor” vivia então numa luxuosa casa, servido por 3 escravos e muitos criados. Com ele ou ao lado, viviam os pais e os irmãos, que entretanto casaram e estabeleceram redes de negócio, nomeadamente na área de importação e comércio de chocolate. O tio Mateus é que não estava. Depois de uma curta passagem pela inquisição, fugiu para a Itália, em 1648 e ali aderiu ao judaísmo. Terá sido ele que enviou a Baltasar um livro de orações judaicas, “encadernado em badana negra, com umas raias douradas e com umas cintas para assinalar, do tamanho de umas Horas de Nossa Senhora, de 3 dedos de alto, impresso em língua castelhana”, como testemunhou na inquisição de Valladolid um tal Duarte Rodrigues?
Adivinhando tempestade, o pai, o irmão Mechior e o cunhado Pascoal deixaram Espanha e fugiram para Bayonne, enquanto Baltasar, a mãe, o cunhado Simão e as irmãs Leonor, Violante e Clara eram presas pela inquisição de Sevilha. Saíram reconciliados com sequestro de bens, cárcere e hábito perpétuo no auto de fé de 11 de Junho de 1656. Da pena constava ainda a proibição de se aproximarem de qualquer porto e das cidades de Madrid, Sevilha e Cádis. Incrível: em fevereiro seguinte o nosso médico foi encontrado a passear pelas ruas de Sevilha sem o sambenito!
Sigamos para Bayonne, em França, onde toda a família se encontrava já reunida em 24 de junho de 1660. Em setembro desse mesmo ano entrou o Dr. Baltasar Oróbio de Castro como professor na “medíocre faculdade” de medicina de Toulouse, ganhando “o miserável salário de 290 L”, no dizer de Blamont, que atesta também a falsidade do diploma apresentado. Foi ali professor por 2 anos e ao final de 1662 toda a família se encontrava já em Amesterdão, fazendo-se circuncidar, tomando nomes judaicos e abraçando abertamente o judaísmo. Na Jerusalém do Norte viverá Isaac Oróbio de Castro (nome que ali tomou – “4ª metamorfose”) os seus dias de glória, respeitado e admirado como “um dos mais fecundos apologistas do judaísmo ortodoxo” contra as ideias deístas panteístas e ateístas que ganhavam terreno entre os pensadores judeus, muito em especial os de origem sefardita, com destaque para Baruch Espinosa, João do Prado e Uriel da Costa. Desse combate pela ortodoxia ficaram as seguintes obras de Oróbio de Castro:
. Certamen Philosophicum Propugnatæ Veritatis Divinæ ac Naturalis Adversus J. Bredenburgi Principia was published at Amsterdam, 1684.
. Prevenciones Divinas Contra la Vana Ydolatria de las Gentes (Libro ii, Contra los Falsos Misterios de las Gentes Advertidas a Ysrael en los Escritos Propheticos).
. Explicação Paraphrastica sobre o Capitulo 53 do Propheta Isahias. Feito por hum Curiozo da Nação Hebrea em Amsterdam, em o mez de Tisry anno 5433.
. Tratado em que se Explica la Prophesia de las 70 Semanas de Daniel. Em Amsterdam à 6 Febrero anno 1675.
Se o perfil mental de Oróbio foi moldado na base do terror da inquisição, e as metamorfoses do nome testemunham a sua evolução intelectual, os seus livros são a expressão articulada da comunidade judaica ortodoxa contra o perigo ideológico de pensadores livres. Faleceu em 7 de novembro de 1687 (01 Lislev 5448) e foi enterrado no Beth Haim Cemetery ouder Kerk aan de Amstel, Amsterdam.

Notas e Bibliografia:
1 –  KAPLAN, Yosef, Isaac Orobio de Castro and his Circle, Hebrew University of Jerusalem, 1978.
Yosef Kaplan – From Christianity to Judaism: Isaac Orobio de Castro, translated from Hebrew by Raphael Loewe, Oxford University Press, 1989; Do Cristianismo ao Judaísmo: A História de Isaac Oróbio de Castro, trad. De Henrique Araújo Mesquita, Imago, Rio de Janeiro, 2000.
2 – MEA, Elvira Cunha de Azevedo, A Inquisição de Coimbra no Século XVI. A Instituição, os Homens e a Sociedade, pp. 474-480, Porto, 1977.
3 – BLAMONT, Jacques, Le Lion et le Moucheron: histoire des marranes de Toulouse, editions Odile Jacob, Paris, 2000.
4 – CALDAS, Victoria Gonzáles de, Judíos o Cristianos? El Processo de Fe Sancta Inquisitio, Universidad de Sevilla, Secretariado de Publicaciones, Sevilla, 2004
ANDRADE e GUIMARÃES, Isaac Oróbio  de Castro: o rigor da Lei, in: jornal Terra Quente, de 1.6.2001; IDEM, Isaac Oróbio de Castro e a Academia dos Floridos, in: T.Q. de 15.6.2001.

Por António J. Andrade / Maria F. Guimarães
in:jornalnordeste.com

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