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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - MOISES RAFAEL DE AGUILLAR (C.1620 - 15.12.1679)

Amesterdão, ano de 1681. Com a aprovação do rabi Aboad da Fonseca garantindo a verdade teológica e conformidade com as regras talmúdicas, foi ali publicado um livro que teve ampla divulgação entre a comunidade hebreia e um título pomposo, como era norma naquela época:
- “Dinim de Sechitá y Bedicá, Isto he, de degolar y visitar os animaes conforme nossa sancta Ley, coligidos do sulhan Aruh, traduzidos na língua Portugueza, por bom, e breve methodo ordenados, por o muy Docto Haham Rabi Moseh Rephael de Aguilar”.
Neste livro se patenteia de forma bem clara o rígido formalismo judaico que impõe regras minuciosas para o abate de animais e preparação da carne que se havia de consumir, sendo proibido comprar carne fora das carnicerias aprovadas e vistoriadas pelas autoridades eclesiásticas. A obra foi impressa na tipografia de David Castro Tartas, e o responsável pela edição foi José Franco Serrano, genro do autor e proprietário do manuscrito, o qual ficou com os direitos da edição por um período de 10 anos. O autor falecera dois anos antes e chamou-se Moisés Rafael de Aguilar.
Antes de mais, diga-se que o proprietário desta célebre oficina tipográfica era originário de Bragança, irmão do mártir Isaac de Castro Tartas, casualmente nascido na localidade francesa que lhe deu o sobrenome, quando seus pais iam fugidos da inquisição.
Aguilar, o autor do livro, era tio materno dos irmãos Tartas, ignorando-se a data do seu nascimento, bem como a localidade: Bragança ou Amesterdão?
Provado está que ele frequentou a Etz Haim (a escola pública da comunidade judia, espécie de seminário) e aparece entre os estudantes apoiados pela “aspaga”, um fundo de caridade para subsidiar os estudantes pobres. Os registos indicam a sua frequência entre 1637 e 1640, altura em que surgiu a polémica envolvendo Uriel da Costa, um filósofo maldito que se atreveu a pôr em causa a ortodoxia rabínica e a tradição talmúdica. E foi então que Aguilar, o brilhante aluno da Etz Haim, fez a sua estreia literária, escrevendo um tratado que circulou manuscrito, contra as ideias heterodoxas de Uriel da Costa, intitulado:
- “Respostas a certas propostas de certas pessoas contra a tradição”. 
Este facto permite concluir que Rafael usufruía já de um certo reconhecimento académico, e marca o início da sua carreira, longa e brilhante, de pensador judaico. Logo no ano seguinte, de 1641, ele partiu com o rabi Aboad da Fonseca para o chamado Brasil Holandês, acompanhando-o alguns membros da família, nomeadamente o irmão Jacob e o sobrinho Isaac Tartas. Ali foi investido nas funções de rabi / hazan da congregação Magen Abraham de cidade Maurícia, em cujo livro de atas aparece o seu nome.
Ignoramos se foi antes ou depois de embarcar para o Brasil que ele escreveu um outro trabalho que ficaria manuscrito: - “Tratado da Imortalidade da Alma”. Integra-se este na mesma polémica que envolveu os livre pensadores judeus na transição do pensamento religioso medieval para o pensamento moderno científico.
Bem diferente, mas igualmente importante para o estudo das origens da ciência moderna é um outro livro de Rafael da Aguilar que ficou manuscrito, com o título de “Significado das letras hebraicas”. É um trabalho que se rege por fundamentos da Cabala judaica e se integra na chamada “literatura curiosa”, com as letras a ganhar valor numérico e o mundo a ser encarado como um complexo campo de forças, cuja inteligência permitirá prever os acontecimentos.
Não é líquido se contraiu matrimónio em Amesterdão, antes de embarcar para o Brasil, mas sabe-se que nesta terra lhe nasceu o filho Isaac e a filha Ribka. A terceira filha, de nome Sarah, nasceria em 1654, ano em que a família regressou a Amesterdão. Mais filhas e filhos lhe deu a sua mulher Ester, que faleceu em 1702, havendo uma diferença de 23 anos entre o rebento mais velho e o mais novo do casal.
No regresso do Brasil, Rafael tinha já um nome feito como académico e intelectual, integrando o colégio rabínico da comunidade judaica de Amesterdão. De contrário, do ponto de vista económico, nunca conheceria um grande desafogo financeiro. E essa realidade fica bem patente no casamento dos filhos em alguns dos quais foram os irmãos que assumiram a função de padrinhos. Ao contrário de outros líderes religiosos, o rabi Aguilar nunca enveredou pelo mundo dos negócios, nem sequer na pátria do “ouro branco”, o açúcar.
No regresso a Amesterdão, abriu uma escola privada, que teve bastante sucesso. E o maior sucesso adveio-lhe da publicação de um livro escolar, mais precisamente, um Compêndio de Gramática Hebraica, no ano de 1660, com uma segunda edição a sair logo no ano seguinte. O editor e impressor foi Joseph Athias, poucos anos antes chegado à Jerusalém do Norte. E esta obra coloca o nosso biografado entre os grandes mestres da língua hebraica.
Académico prestigiado, Moises Aguilar, ao publicar a segunda edição desta obra, aparece já identificado com professor do Etz Haim, a prestigiada escola rabínica de Amesterdão, substituindo o grande timoneiro Menasseh Bem Israel.
Aquela foi também uma época de muita fé e esperança messiânica. E apareceu então, em Esmirna, um cabalista e rabi chamado Sabbatai Tsevi, apontado como sendo o Messias prometido por Deus a Moisés. E foram muitos os intelectuais e dirigentes religiosos que nisso acreditaram e aderiram ao movimento sabbatiano. Foi o caso de Rafael Aguilar e do seu amigo Abraão Israel Pereira, um rico mercador nascido em Vila Flor que logo deixou a sua casa em Amesterdão e se meteu a caminho de Veneza e da Terra Santa para estar com o “Messias” desde a primeira hora.
Concluindo, diremos que Moisés Rafael Aguilar passou à história como um intelectual académico defensor da tradição rabínica e da ortodoxia judaica face às novas ideias que começavam a espalhar-se pela Europa e punham em causa a visão medieval da vida e do mundo. Faleceu em 1679 e foi sepultado em beth Haim Ouderkerk Amstel, lavrando-se na sua campa a legenda e bem significativa: - “Aguilar louvou Israel durante 40 anos”. Trata-se de uma alusão aos 40 anos que mediaram entre o início e o fim da sua atividade como escritor e mestre da lei, e aos 40 anos que Moisés levou a conduzir o povo de Deus para a terra santa. Se apenas dois livros deste judeu sefardita e trasmontano viram então a luz do prelo, duas dezenas de outros ficaram manuscritos e integram o espólio da chamada “Livraria Montesinhos”, em Amesterdão.

Bibliografia:
REMEDIOS, J. Mendes dos, Os Judeus Portugueses em Amsterdam, ed. A. França Amado, Coimbra, 1911.
BERGER, S, Moshe Raphael de Aguilar, a short Biography, in: Classical Oratory and the Aephardim of Amsterdam.
GOLDFARB, José Luiz, Tratado da Imortalidade da Alma e discurso sobre significação das letras hebraicas: análise de dois documentos judaicos seiscentistas. In: MARTINS, R. A.; MARTINS, L. A. C. P.; SILVA, C. G.; FERREIRA, J. M. H. (eds.). Filosofia e história da ciência no Cone sul: 3º encontro. Campinas: AFHIC, 2004, pp. 249-256.

Por António J. Andrade /  Maria F. Guimarães
in:jornalnordeste.com

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