Ora viva, alegre gente. Como vão esses dias, agora mais pequenos, as noites maiores e mais frias. Está bom para a castanha vos fazer companhia nesses serões compridos. Por exemplo, cozidas com uma pitada de sal e outra de erva doce, uma delícia. E foi esta a sugestão culinária da semana. Por falar em sugestão permitam-me que faça deste parágrafo um pequeno tempo de antena.
Realizou-se no último mês de Outubro na aldeia de Avelanoso, concelho de Vimioso, a 2ª edição da “Feira da Castanha e dos Produtos da Terra”. Mostra de produtos, magustos, música, caça, luta de touros, um fim de semana em cheio cujo ponto alto terá sido um almoço comunitário que juntou cerca de 400 pessoas. Desde já os meus parabéns à organização por fazer deste um evento que se está a enraizar e que se desenvolveu de um ano para o outro. Deixo apenas um reparo ao departamento de comunicação.
Para além de todas as actividades, juntar 400 pessoas ao redor de uma mesa numa aldeia do nordeste é por si só matéria suficiente para se ter a comunicação social da região interessada em saber o que lá se passa. Para a próxima convém trabalhar mais esse aspecto. Fica o registo para todos. Este espaço foi da exclusiva responsabilidade dos seus intervenientes.
Ora bem, tinha-vos dito que iria falar de um assunto que me é familiar. Porque o prometido é devido, tal como gerações de governantes nos têm zelosamente demonstrado, vou trazer hoje a talhe de foice algum vocabulário muito particular que a minha mãe costuma utilizar em várias circunstâncias e do qual já se pode dizer que está em desuso, o que na verdade tem tanto de sério como de desgostoso.
São pequenos berloques de património sociolinguístico nordestino que apesar de estarem aqui fora do seu contexto – o que ajuda sobremaneira à sua compreensão – têm um significado que eu considero simultaneamente engraçado, meio esquisito e etnográfico também. Talvez nem esteja a exagerar. Em baixo deixo-vos uma dúzia de vocábulos de que me lembro de cabeça, espero não recorrer a nenhuma outra fonte de inspiração. Aí vai sem seguir ordem alfabética: cacharro, do espanhol, caçoula, panela, mas pode ser qualquer objecto, até o telemóvel por exemplo “andas sempre com o cacharrico na mão”. Estrelouçar, fazer muito barulho, com a louça ou com outros objectos. Muitas destas palavras têm um valor semântico muito ligado à sua própria fonética, isto é, o próprio som da palavra diz muito do seu significado.
Enzonar, enredar, andar a fazer que se faz, perder tempo com algo sem importância, “pára de enzonar e ajuda-me a pôr a mesa”. Espingarotar, molhar algo, pingar, deixar o chão cheio de pingas. Palôncio, homem desajeitado, pouco activo, meio aparvalhado. Tartanhos, os tornozelos – corrijam-me se estiver errado – os tornozelos/pés/pernas. “vou-me sentar aqui ao lume para aquecer os tartanhos”. Eslombeirar, deitar, estender o lombo. Estive a aquecer os tartanhos agora vou-me eslombeirar aqui um pouco no escano”; ou então “ele eslombeirou-se no chão”, estatelou-se, caiu. Esferrunchar, na internet diz que tem um uso algo corrente em espanhol, como arranjar, consertar…mas aqui o significado não é bem este, quer dizer, também pode ser, mas o mais corrente… digamos que tem bolinha vermelha no canto. Cuchifrete (não sei se é assim que se escreve), coisa ou objecto insignificante, normalmente que está a ser um pouco irritante para o interlocutor. “Larga esse cuchifrete e vem ajudar-me”.
Escarabulhar, esmiuçar, procurar, escolher com muita minúcia, “deixa de escarabulhar e escolhe as laranjas de uma vez” ou escarabulhar um castanheiro até que não fique nem uma castanha por apanhar por mais fulecra que seja. Rumiacos (ou será com o?), musgo que se forma em águas paradas, como um tanque ou um açude; pode referir também as moncas do nariz; Criatura, esta usava-a a minha avó nas poucas vezes em que se arreliava com os netos. Valia a pena chateá-la só para a ouvir dizer enervada “Ah, criatura!”. Curioso que num livro datado de 1932, Formas de tratamento em português, de Cláudio Basto podemos ler: “homem de Deus, alma de Deus ou criatura são exclamações que se usam quando o visado faz algo incorrecto”. Ehehe. E pronto por hoje é tudo.
O trabalho de casa é fácil de adivinhar qual é. Fazerem vocês mesmos um levantamento de tantas outras palavras de que vos lembrais e que se poderiam perfeitamente acrescentar a estas. Força! Um forte abraço!
Manuel João Pires
in:jornalnordeste.com
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terça-feira, 22 de novembro de 2016
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