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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

CUADAS

Gostaria de levar o leitor mais antigo a regressar à palavra cuadas para além da óbvia figuração das nádegas, sim da sua representação de acto de economia doméstica, e o leitor moderno, de idade até aos trinta anos, na fixação de um tempo que queremos ultrapassado, de modo a o conduzir a indagações acerca de quão difícil foi o viver dos seus ancestrais.
Gostaria ainda de estabelecer um paralelo entre a concordância no emprego do remendo até à quase finitude do século passado, e a discordância galhofeira (pelo menos) nos dias de hoje. Vamos ver se o consigo, de uma forma ou outra, se conseguir suscitar o interesse de quem me lê, mesmo que só um leitor, dou por bem empregue a energia despendida na confecção da presente crónica.
O leitor antigo recorda-se das brincadeiras deslizantes dos catraios e dos gandulos nas superfícies lisas e inclinadas, umas vezes as calças ou calções não dispunham de protecção alguma, outras vezes serapilheiras e borcados de cartão serviam para esse efeito, no entanto, o uso e abuso da modalidade escorrega levava ao enfraquecer do tecido protector do posterior. Podendo parecer estapafúrdio trazer à colação um Senhor de apelido Escorrega (veio do Baixo Alentejo para Bragança, trabalhar no falecido banco BNU) não deixa de ser significativo o referido apelido, embora no Alentejo proliferem apelidos esquisitos.
A maioria das famílias dispunha de recursos limitados, o constante exercício do escorregar aliado ao crescimento dos atletas resultava no esgaçar dos tecidos obrigando ao recurso às cuadas pois a nua exibição das partes pudendas ofendia o decoro e riscava a moral pública. Não era raro ver meninos de tenra idade a usarem calções rachados de forma a facilitarem os desejos ventrais evitando a retenção de despojos. Estes meninos caso ousassem imitar os maiores, de imediato sentiam o erro cometido ao resvalarem desprovidos de almofada.
O enfado contra as cuadas vinha à tona no salivar negações quando os forçados usufruidores alcançavam os dezasseis ou dezassete anos, se a teimosia materna continuava tudo faziam na presunção das cuadas serem tapadas, dissimuladas, recorrendo a casacos compridos, camisas de fralda de fora e artifícios quejando.
Ao leitor moderno pode causar espanto o acima escrito sobre cuadas até porque o termo apenas ciranda no amargo evocar de usanças antigas, no obstante o provável afloramento de risos escarninhos, faça o favor de estabelecer a diferença e coloque na coluna do crédito crédito o desaparecimento das cuadas que ampararam os fiós-fós de inúmeros avós de hoje que não nomearei devido a cerzidas razões.
O leitor moderno desembaraçado no desempenho de tarefas digitais, enquanto lança olhares interrogativos aos ancestrais amputa palavras, cospe interjeições e ri-se das vetustas censuras, assumindo presteza composta quando os «velhadas» gesticulam euros nas mãos.
O leitor moderno tem grossas dificuldades no dizer não aos filhos, psicólogos e psicólogas papagueiam citações e frases feitas no desejo de explicar as birras dos jequinhos contrariados evidenciando notável desconhecimento do significado paideia no tocante à educação dos pirralhos.
Admiramo-nos ante a enxurrada de episódios sórdidos, grotescos, hediondos, cometidos por adolescentes, bem melhor seria fazermos despudorado exame de consciência sobre a culpa de cada um no deixar crescer as monstruosidades.
Não defendo nem de longe, nem de perto, o sistema do pão numa mão e o pau noutra, no entanto, na hora certa uma leve palmada no traseiro do pequeno ditador é remédio eficaz.
Já escrevi o modo como lidei com um pequerrucho de uns seis anos atreito a pontapear todos quantos podia, também me tocou, atenuei o impacto do pé agressor colocando firme a sola do meu sapato provocando ricochete e queda do reizinho.
Ante os seus gritados choros de imediato a mãe apostrofou-me vociferando alarvidades invocando os direitos das crianças. Ripostei furioso, áspero: e os meus direitos a não ser maltratado? Os meus direitos a não ter de suportar os caprichos de meninos aal educados? O ambiente turvou-se, aconselhei a senhora a fazer chá e a partilhá-lo com o pontapeador. Os seus avós pediram desculpa olhando resignadamente.
Eu não me resigno correndo o risco de ensombrar relações e provocar azedume aos permissivos paizinhos especialistas no fazer todas as vontades aos tiranetes a fim de não serem incomodados. Sobram livros sobre o tema, milhares e milhares de tristes exemplos de maldade contra os possuidores de ripadas rêpas canosas atestam a multiplicação das pústulas a purgarem angústia, dor, medo e solidão. As cuadas traduziam escassez de meios, o sucesso dos telemóveis infantis representam o triunfo da tecnologia sobre as duas culturas. A cisão entre o velho e o novo é gritante no domínio das linguagens, da civilidade e etiqueta, veja-se a maneira despudorada da utilização dos aparelhos no decorrer das refeições, quantas vezes incentivada pelo mau exemplo dos pais dos pequenos ditadores. Se foi bom desaparecerem as cuadas, é benéfico educar os denominados homens de amanhã.



Armando Fernandes
in:jornalnordeste.com

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