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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 18 de junho de 2017

Boinas há muitas...

Boina basca, barbicha de Pai Natal, sorriso doce e olhar decidido, Alípio intenta um comício na estação do Rossio.
Início dos anos 80 - os comboios estão parados há horas, a confusão   é   tremenda,   não   há   informação aos   utentes.   Sotaque   transmontano   em construção brasileira, Alípio exorta o povo a protestar. Arrebanha ouvintes, curiosos e atentos. Até ao momento do grito de ataque. "Pessoal! Vamos ocupar os trens! Se for preciso pegamos fogo!" Aqui chegado, o povo começa a debandar, medroso e baralhado. "Quem é este maluco? Parece o ‘Che’ Guevara!" O "maluco" de boina é Alípio de Freitas, chegado há poucos meses do Brasil. Alípio, o padre Alípio, transmontano de Bragança, escorraçado pela hierarquia da sua Igreja para os confins do Maranhão, muitos anos antes. 
O padre Alípio ensinou a rezar os povos nordestinos, português e brasileiro. Depois, ensinou os sem-terra do Brasil a pegar em armas e a lutar. Ajudou a fundar as Ligas Camponesas, movimento radical que pugnava   por   uma   verdadeira   Reforma Agrária. Exilado no México, Alípio chega a Cuba a tempo de conhecer outro amante da boina,   Ernesto   ‘Che’   Guevara.   Alípio   usa boina desde os seus tempos de jovem, em Bragança (a boina à espanhola, ou galega). 
Alípio   recebe   treino   político-militar   de ‘Che’ e companheiros. Duro que nem torga, regressa clandestino ao Brasil para continuar a luta. É preso em 1970. Durante uma década é sujeito às mais violentas torturas. Fica célebre a sua reacção aos algozes: resistir a murro, resistir sempre. Zeca Afonso dedica-lhe   um   poema-canção,   intitulado simplesmente... ‘Alípio de Freitas’. Finalmente,   em   1980,   Alípio   é   libertado   como apátrida. Regressa a Portugal e avança para Moçambique, sempre com o sonho da Reforma Agrária. 
De volta a Portugal, trabalha como jornalista e professor universitário. Mas sempre, sempre, agarrado à utopia da Revolução na Terra. Instala-se em Alvito, no Alentejo. E a boina, sempre a boina, que o acompanha como uma arma. A boina, supostamente originária do País Basco, sempre foi usada por camponeses e pescadores. Na Guerra Civil espanhola era uma espécie de distintivo. 
Na Galiza e em Trás-os-Montes, o formato é ligeiramente diferente. Gente de lutas, como Jorge de Sena, Raúl Rego ou Heinrich Böll, usava boina. Só depois aparece a boina à ‘Che’ Guevara, no fundo uma boina basca. E há boinas mais prosaicas, como a bico-de-pato, a biscainha ou a escocesa. 
Um dia, numa tarde tórrida em Alvito, pergunta-se a Alípio se, no Brasil, teve saudades do butelo e das casulas da sua infância transmontana. Alípio, sorriso de menino, confessa-se. "Tive mais saudades das boinas lá da minha terra..." Alípio foi esta semana a enterrar, na sua terra emprestada de Alvito. Levou para a cova a sua boina negra. Boinas há muitas, mas a de Alípio foi única.


Antiga ortografia
Victor Bandarra
Correio da Manhã

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