(colaborador do "Memórias...e outras coisas..")
Casario da Praça Matriz de Monte Alegre do Sul |
Montanhas estas cobertas de verde, onde ainda nos dias atuais ainda são habitadas por macacos, seriemas, tucanos e tatus, etc.. Tendo limítrofes os municípios de Amparo e Serra Negra, a cidade de Monte Alegre do Sul é a menor entre as vizinhas com exceção, talvez, de Pinhalzinho; para qualquer trabalhador, um final de semana num hotel charmoso numa cidadezinha ainda mais charmosa, vale como férias e ajuda a diminuir as tensões à que estamos sendo submetidos, nestes tempos de globalização.
A Paisagem bucólica de Monte Alegre do Sul (M.A.S.) |
Lá, as pessoas recebem gratuitamente uma dose do “remédio espiritual”, como é chamada por alguns, para “fechar o corpo” contra mau olhado, inveja e outras doenças do espírito. Havia uma fila de cinquenta pessoas, logo às nove da manhã; o quê me fez desistir de participar àquela hora.
Voltei naquele mesmo dia, por volta do meio-dia e conferi a crença de quê aquela dose de cachaça, curtida com guiné, arruda e mel, acompanhada de um naco de pão com “sardela” (pasta processada de sardinha assada desfiada, pimentão assado, ervas aromáticas e azeite), pudesse atrair tanta gente. Pois, ao meio-dia cumpria-se ainda aquele mesmo ritual; só que agora se misturavam na Praça Principal, defronte a igreja Matriz de Bom Jesus de Monte Alegre do Sul, uma multidão: católicos, judeus, umbandistas, ateus, evangélicos e espiritualistas.
Placa Comemorativa do Jubileu de Ouro da morte do Sr. Zezé Valente, protagonista do mito, fixada à Porta dos seus descendentes, na Praça da Matriz de M. A. S. |
Tudo parado, tudo travado; e a fila para receberem o “fecha-corpo” nunca diminuía, ao contrário, espichava-se.
Os carros, em meio ao congestionamento, andavam no máximo com a incrível velocidade de cem metros cada meia hora; os carros dos turistas da capital e outras metrópoles interioranas, como Campinas, Ribeirão Preto, Araçatuba e São José do Rio Preto, além daqueles das cidades mais próximas, como Amparo, Serra Negra, Pinhalzinho, Jundiaí, Jarinu, Bragança Paulista, Atibaia, Itatiba, Morungaba e etc.; estacionavam na entrada da cidade e transmitia a todos nós aquela sensação de festa, coisa tão gostosa de ver e sentir, cujos valores vamos perdendo à medida que nos acostumamos a viver em uma grande cidade.
O “Fecha Corpo”, é costumeiramente realizado entre as 6:00 h e às 12:00 h, embora tal horário não seja muito rígido.
Praça da Matriz, em Monte Alegre do Sul |
A família à época tinha alguns amigos, ex-escravos, que viviam com eles, como agregados. Dentre eles, a Nhá Sabá, que quando ainda criança foi beneficiada pela Lei Áurea, que libertou os escravos em 1888.
Corria um ano da década de 1940. A Nhá Sabá, então com oitenta anos, cansada de ver médicos visitando a família e a cura nunca que se concretizava, resolveu falar com o enfermo Sr. Zezé. Disse-lhe ela que, se ele quisesse, ela poderia curá-lo. Nada pediu em troca do favor. Ele concordou e então ela passou a viver ao lado dele, rezando por ele e servindo-lhe o “fecha-corpo”, acompanhado de um naco de pão e peixe. Aos poucos o Sr. Zezé, foi melhorando até que se curou de vez.
Após a cura, pela Nhá Sabá, ele fez promessa de distribuir o “fecha-corpo” enquanto vivesse assim o fez. O Sr. Zezé só veio a falecer em1948; há 50 anos.
Os descendentes do Sr. Zezé, até hoje seguem o costume iniciado pelo patriarca. Ainda neste Séc. XXI, inúmeras pessoas seguem a tradição, e com fé participam todo ano, tomando em jejum, o “fecha-corpo”; a cachaça com guiné, arruda e mel, acompanhado por um pedaço de pão e peixe, da família Valente! Segundo me foi passado oralmente e constatado pessoalmente, os descendentes do Sr. Zezé ainda vivem naquela casa da Praça da Matriz.
Durante muitos anos eles, para cumprirem a promessa feita pelo patriarca, tinham que desfazer-se de bens, comprando tudo aos pouquinhos, com parcos recursos.
A Torre da Igreja do Bom Jesus em M.A.S. |
Nos dias atuais, a maioria dos hotéis da cidade de Monte Alegre do Sul, consegue litros e mais litros do “fecha-corpo” para servir aos hóspedes e turistas, sem que tenham que andar a pé por bom tempo e ficar na fila esperando, por horas até. Já há alguns anos, a família Valente tem “patrocinadores”: padarias, peixarias, alambiques, sitiantes, fazendeiros e a Prefeitura Municipal de Monte Alegre do Sul. Todos se esforçam para que a tradição não pare. No ano que vem, pretendo voltar a Monte Alegre do Sul. Certamente voltarei a encontrar a fila de pessoas aguardando o momento de receber o “fecha-corpo”. Se eu não puder ir ano que vem, irei ao seguinte! Bem que estou precisando do fecha-corpo para proteger-me!
- Saravá!
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.
Referências: as fotos inseridas foram feitas pelo autor
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