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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

MEMÓRIAS DA TABERNA

Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Há, entre outras, uma forma de, neste inverno frio e citadino, me sentar à lareira e, mesmo com o fogo apagado, as vacas por acomodar e sem os ralhos da vizinha por causa das pitas que debicam o renovo, sentir um calor doce e reconfortante, vindo das cinzas da lareira, ou do canto silencioso de “um rouxinol intemporal, pendurado nos ramos secos dos freixos”... Neste inverno que começou com vento gelado trazendo, do nordeste branco, o frio das manhãs de neve e gelo, fui, diariamente, lendo, um capítulo por dia (não mais, para que o pudesse saborear adequadamente) do Pão Centeio, o último livro da trilogia brigantina da autoria do meu amigo de décadas, Fernando Calado.
Em O Milagre de Bragança o escritor de Milhão desvenda-nos a Coimbra em Miniatura do início do século passado, num hino aos homens e mulheres que trouxeram o velho burgo regional e tradicional para a modernidade e o abriram ao progresso do final do milénio. Quando as mães saíram à rua retrata-nos a urbe atual, que conhecemos no virar do século, com as contradições de um período de alguma prosperidade e abundância mas que já antecipava o ciclo de crises material e de valores que se aproximavam e que já marcavam o tempo, tal como se observa no ovo da serpente, o prenúncio do nascimento do réptil. Mas é, na minha opinião, com Pão Centeio que o poeta e romancista bragançano nos envolve com o calor das recordações tradicionais e caraterísticas do povo nordestino. Tal como quando se remexe nas cinzas se sente a quentura e conforto das brasas que lhe deram origem, igualmente a leitura deste romance, nos transporta aos tempos pretéritos de um modo de vida em vias de extinção. Quiçá, para um novo renascimento, tal como a fénix que o autor convoca várias vezes, pela voz dos seus personagens. Arriscando alguma injustiça para com o escritor, atrevo-me a reclamar que os dois primeiros livros foram “apenas” a introdução e o enquadramento urbano e temporal daquele que é a verdadeira marca da vida nordestina recente. Com algumas e justificadas exceções, todos os dias, pela tardinha, senti-me, de novo, na minha aldeia natal, sentei-me, umas vezes na lareira, outras no terreiro da fonte e, na maioria das vezes, no banco de madeira da taberna abrindo as portas da minha memória e assistindo a um desfilar de velhos e reconhecidos quadros rurais. Bebi fraternos copos de vinho do pipo, na taberna, partilhei saladas de bacalhau com tomate e cebola generosamente regada com azeite da almotolia, no soto e, sobretudo, persegui, à sombra das amoreiras do terreiro, os “ladrões do tempo” do futuro que nos espera.
Os vários painéis que desfilam ao longo das mais de duas centenas de páginas trazem-me um passado recente em que o soto foi o centro da vida da aldeia de onde venho e nisso me irmano com o autor pois também os meus pais tinham um estabelecimento onde tudo se vendia, desde a agulha ao açúcar amarelo a granel, desde as meadas de tripas, às sementes e ao corte de flanela e cotim. E, sobretudo, onde convergiam todos os forasteiros, fossem latoeiros, pantomineiros, comerciantes ou simples viajantes em trânsito e visitantes esporádicos. E onde aportavam os loucos, os mendigos e os excêntricos sonhadores!
Partilhando o anseio de ver o nordeste rural renascer, partilho igualmente as memórias da taberna onde, diariamente se registava a história quotidiana das várias fainas e tarefas agrícolas e sociais.
Sem dúvida,  o último livro de Fernando Calado é a chave dourada a encerrar a trilogia, em boa hora acordada com a edilidade brigantina. É o testemunho e o testamento das mulheres e homens que “cozem o pão... lavram a terra... bebem vinho... assistem ao envelhecer e à derrocada da aldeia que paulatinamente há-de renascer.”

José Mário Leite
, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia) e A Morte de Germano Trancoso (Romance) tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.

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