quinta-feira, 19 de julho de 2018

A economia de Bragança durante a Primeira República (1910-1926)

A Primeira República herdou da Monarquia a questão financeira – as contas públicas mantinham-se cronicamente desequilibradas desde os primeiros anos do século XIX, com um aumento contínuo do défice à medida que Portugal se ia desenvolvendo economicamente –, discussão que veio a tornar-se omnipresente ao longo dos 16 anos da sua existência: o equilíbrio orçamental, o valor da dívida pública e a desvalorização do escudo, moeda criada em 1911 no Governo de José Relvas, originaram sucessivas crises ministeriais. A instabilidade governativa que daí resultava “e a mediocridade ou falta de preparação de alguns titulares das finanças… influíram também, e não pouco, no descalabro dos orçamentos e das contas públicas”.

Foi um período em que o discurso agrário se centrou no combate aos terrenos incultos, aos baldios e ao pousio. Anselmo de Andrade (1918) pronunciou-se mesmo a favor da expropriação das terras incultas, sempre que a persuasão não conseguisse modificar a atuação dos seus proprietários.
Tendo-se constituído o Ministério da Agricultura para se produzir mais e melhor, pouco ou nada aumentou a produção. A este propósito, Quirino de Jesus e Ezequiel de Campos escreviam, em 1923: “A produção de mantimentos agrícolas é muito menor, talvez dois terços da antiga, já de si deficitária. Nem podia deixar de ser assim, com menos capital e crédito, com mais emigração para as cidades e vilas e para o estrangeiro, com menos trabalhadores, com menos adubos e menos comboios e com piores estradas e serviços de transporte”.
Foi igualmente um período de grandes e acesas discussões sobre a designada questão do pão, problemática que se arrastava já dos últimos anos da Monarquia Constitucional. Com uma base económica predominantemente agrícola, Portugal dispunha de poucos terrenos apropriados à cultura do trigo, o que dificultava e/ou impedia um abastecimento que satisfizesse as necessidades dos habitantes das principais áreas urbanas daquele cereal.
Continuavam sem se transformar as anquilosadas estruturas agrícolas herdadas da Monarquia. Conheciam-se os defeitos estruturais e as medidas capazes de debelá-los, havia vontade para enfrentar estas situações, faltava era estabilidade política que permitisse implementar as medidas necessárias. Era necessário modernizar a agricultura, mediante a introdução de máquinas e tecnologias que pudessem catapultá-la para patamares mais elevados de produção. Só que, para tal, eram necessários investimentos para a compra dessas mesmas máquinas, o que implicava mais importações e mais endividamento externo, incompatíveis com os níveis que a economia portuguesa então apresentava.

Em Bragança, o setor agrícola continuou a ser o mais importante. Em 1920, a população ativa agrícola ascendia a 72,2%, contra os 24,4% nos serviços e os 3,4% na indústria. A alteração mais visível neste setor foi o agravamento da fragmentação da propriedade, o que originou um significativo número de explorações economicamente pouco rentáveis ou mesmo inviáveis. Em Bragança, as explorações com seis e mais blocos representavam, em 1922, 77,4%, enquanto a média nacional se situava nos 35,6%.
A maior parte da agricultura que se praticava no Concelho continuava a basear-se em processos ancestrais, no que respeitava a alfaias, culturas e transportes, mas também a adubações feitas a partir de estrume animal e vegetal e à preparação dos solos e seleção de espécies (Gráfico n.º 17).
O centeio viu aumentar a área semeada em 3,7% entre 1914 e 1919, graças à diminuição da área de baldios, mas com produtividades muito baixas: 734 kg em 1914, 708 em 1915, 614 em 1916, 609 em 1917, 713 em 1918 e 758 em 1919, contra os 1 750 kg de média nacional.

Estas baixas produtividades, para além das razões já invocadas de atraso da agricultura concelhia, encontram também explicação no facto de serem destinadas a esta cultura as piores terras, pouco profundas e delgadas, alocando-se as melhores à cultura do trigo. Embora parente pobre, sempre desfavorecido e enjeitado, o centeio continuou a ser fundamental e imprescindível na dieta alimentar da população concelhia (Gráfico n.º 18).Apesar do aumento da área semeada, o nível de produção do trigo, embora maior do que o verificado no período entre 1900-1910, foi por demais irregular. Para além das condições climatéricas que sempre condicionam os níveis de produção, a manutenção de uma baixa produtividade e os cada vez maiores períodos de pousio das terras explicam, também, esta tão acentuada irregularidade produtiva, como mostra o Gráfico n.º 18.

Este pequeno aumento da produção de trigo deveu-se, sobretudo, aos preços definidos pelo Governo, sempre crescentes de 1914 a 1924 (Gráfico n.º 19). Embora tais medidas protecionistas tivessem promovido e incentivado a produção concelhia e nacional de trigo, diminuindo assim as importações deste cereal e impedindo o agravamento do deficit externo, oneraram e muito o preço do pão. Para os consumidores de Bragança, como do País, tais medidas foram encaradas com total indignação, já que encareciam artificialmente, em 40% a 50%, o preço do pão. Daí o terem ficado conhecidas como leis da fome.
O Concelho exportava os excedentes da produção de trigo, em grão ou em farinha, transformada em pequenas e artesanais indústrias de moagem que começavam então a despontar.
Embora a cultura do milho já fosse praticada no Concelho há muitos anos, é durante o período da 1.ª República que se encontram relatos circunstanciados desta produção. Segundo o Boletim Nordeste, “aproveitando o afolhamento bienal com um ano de pousio que se praticava em Bragança, o milho ganhou importância crescente nos anos de 1914 e seguintes, sobretudo a partir do momento em que a sua conservação permitiu ser utilizado na alimentação animal ao longo do ano”. Embora pequeno, o volume da produção concelhia foi, em 1914, de apenas 1 208 toneladas, aumentando em 1918 para 1 281, diminuindo ligeiramente para 1 245 em 1920, para se fixar nas 1 289 toneladas em 1924.
A cultura da batata, sobretudo da batata de semente, conheceu um apreciável incremento neste período.
As boas condições edafoclimáticas do Concelho, a par de uma melhor fertilização dos terrenos, contribuíram para produções significativas e de boa qualidade. Contudo, a grande variação de preços (Gráfico n.º 20), motivada pela atomização da oferta e pelas baixas produtividades e custos de produção relativamente elevados, fizeram com que as produções tivessem igualmente alterações significativas. De 1914 a 1924, a produção média anual foi de 120 300 toneladas.

A cultura do castanheiro diminuiu consideravelmente ao longo dos anos da Primeira República. Vários fatores explicam este decréscimo. Se até finais do século XIX a castanha foi a base da alimentação das populações rurais do Concelho, a batata e os cereais, de forma gradual, começaram a ocupar o espaço detido pela castanha na alimentação. Por outro lado, a escassez de madeiras de qualidade nacionais – e a proibição de importá-las devido ao excessivo endividamento – fizeram com que o preço da madeira de castanho aumentasse, incentivando-se desta maneira o abate de extensas áreas de souto. Parte significativa desta madeira de castanho foi vendida para a região do Porto, tendo a restante servido para revitalizar e/ou melhorar a ainda incipiente indústria de mobiliário existente no Concelho, sobretudo na Cidade de Bragança.
Os bovinos, sobretudo da raça mirandesa, continuaram a ser predominantes – animais de trabalho nas explorações agrícolas, viram aumentar o efetivo duas vezes e meia. Os ovinos e caprinos mais do que duplicaram entre 1914 e 1925. O porco foi durante muitos anos a principal fonte de proteína animal dos bragançanos. Na maioria das casas do Concelho, abatia-se pelo menos um por ano para autoconsumo da carne e dos enchidos, o que levou à duplicação do seu número. As raças cavalar, muar e asinina, destinadas a transportes mas também a trabalho, aumentaram os respetivos efetivos. Estes aumentos significativos do efetivo pecuário (Gráfico n.º 21) obrigaram a Câmara Municipal de Bragança a construir o Matadouro Municipal, em 1910, como forma de melhorar as condições de abate.

A indústria viu nascer um conjunto de pequenas unidades, de tecnologia rudimentar, destinadas a satisfazer necessidades internas. Para além das iniciadas nos primeiros anos do século e que continuaram a sua atividade, há a registar uma fábrica de laranjadas e gasosas, uma tipografia, uma pequena metalurgia que fabricava alfaias agrícolas, e oficinas mecânicas para arranjo não só dos poucos automóveis e camionetas existentes, mas também dos motores de combustão dos equipamentos de rega e das marcenarias que apareceram devido ao já aludido corte dos soutos.
A eletricidade surgiu em 1921, graças ao empenho e profissionalismo do engenheiro francês Lucien Guerche.
Um tão grande melhoramento originou o aparecimento dos motores elétricos, o que melhorou a fraca produtividade daquelas unidades industriais.
O comércio, mas sobretudo a função pública, ocupavam muitos cidadãos naturais e/ou residentes na Cidade de Bragança, pese embora os fracos progressos registados pela atividade comercial, quer no que respeita ao número, quer quanto à variedade de estabelecimentos.
As trocas comerciais intra e interconcelhias continuaram a ser dificultadas pelas más vias de comunicação existentes. A nível nacional, a rede ferroviária cresceu de 3 000 km em 1910 para 3 367 em 1927, o mesmo sucedendo com a rede de estradas que passou dos 16 000 km em 1910 para os 17 000 em 1925. No entanto, nenhum destes novos quilómetros foi construído no Concelho de Bragança, quer na ferrovia quer na rodovia.
Este isolamento do Concelho foi responsável, em grande medida, pelo não aproveitamento do boom económico dos anos 1919-1920, que se seguiu ao fim da Grande Guerra. Podemos assim dizer, em síntese, que durante a Primeira República pouco melhoraram as estruturas económicas do Concelho de Bragança.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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