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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 25 de abril de 2020

A Adega Cooperativa de Bragança. Uma saudade.

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Passei hoje uma vez mais em frente do edifício que foi, na década de 60 do século passado lugar de grande azáfama e de produção de vinho que resultava das uvas dos produtores de Bragança. Não conheço suficientemente a história desta Cooperativa que teve uma época áurea em meados de 60 e nos anos 70 perdeu a pujança e em declínio acelerado fechou portas. Não conheço por ignorância assumida, da estrutura da Sociedade, nem das causas subjacentes à sua incapacidade para continuar com a produção que naquele tempo me parecia a mim, ter uma qualidade de bom nível e um agradável método de "Marketing", já que os rótulos das garrafas eram agradáveis à vista e a variedade de vasilhame cumpria com a diversidade de garrafeira…
Vamos ao que me levou a escrever esta crónica.
Vale de Álvaro era um local pacato, mas que começava a ser local de construção de vários edifícios destinados à residência de população com origem nas aldeias do Concelho que decidiam passarem a viver na cidade.
Lembro-me de o meu pai haver construído logo a seguir às Obras Públicas, duas casas em sequência ao Sr. Fernando Lelo de Rabal e uma outra no seguimento das já construídas à face da estrada para o Senhor Leal, camionista de França. O Arquiteto Manuel Ferreira construiu ali a sua residência, sendo "vox populi" que era uma residência moderna e de qualidade.
É impossível que eu possa descrever a imagem ou imagens que tenho na memória da distribuição do edificado e suas caraterísticas mais ou menos rústicas das Quintas que hoje são o local ocupado pelas centenas de edifícios que nos mais variados modelos foram sendo construídos e alteraram definitivamente a paisagem e o ritmo de vida no que foi em tempos um espaço rural que apenas a Estrada Nacional construída pelo Estado Novo descaraterizava pelo seu quê de coisa nova.
Passando o Armazém das Obras Públicas entrava-se num espaço desafogado, com vistas de longo alcance que se espraiava pelas terras da Lombada e mais para a esquerda, Norte, Montesinho. Era um estradão cujo pavimento era em paralelepípedos que largo e ladeado por muro de granito com capa em ambos os lados separava a Quinta do Dias à direita e um espaço gigante de lameiro também com muro do lado esquerdo que terminava onde foi construída a Adega e perto mas oposto à chamada Quinta do Silvano. Esta visão da paisagem apagar-se-á quando a minha geração findar. Não conheço fotos que tenham registo do que foi o espaço chamado Vale de Álvaro nesse tempo. Mas era para mim um sítio agradável e onde se podia andar com à vontade e do qual tenho recordações agradáveis.
Era a porta de saída para o outro Sabor que na adolescência substituía o Sabor da Ponte Nova e nos deslocava para a cosmopolita (?!) Presa de Oleirinhos.
Há uma infinidade de imagens e sentimentos que me ligam a este lado da cidade, que durante décadas, me passaram despercebidas e hoje me chegam em vagas que tenho sentido e classificado como o último preenchimento e atualização das minhas memórias do que já não existe.
Chegou entretanto o tempo da Adega Cooperativa. Devia ter os meus treze, catorze anos e deliciava-me com a fila interminável de tratores carregados de cachos de uvas que, acabadas de vindimar, eram transportadas, assim a céu aberto para a Adega. A garotada fazia carreira ao longo da estrada e não só pelas uvas que facilmente e com agilidade tiravam dos atrelados como pelo ar de festa que a azáfama da safra transmitia, esse tempo outonal e tépido, quase morno, tinha um encanto de sonho e vida, que só o Outono confere. As tinas gigantes de cimento ainda hoje, já escuras do tempo e do clima, me recordam passagens alegres e também algumas tristes dos vários estádios que compõem o mapa das idas a Vale de Álvaro em tempo de vindimas. Resistem como testemunhas dum tempo passado que se perdeu e de quem já ninguém fala.
Como em todas as unidades fabris, há regras de trabalho que têm a sua aplicação explicitada e que os trabalhadores devem cumprir. Máquinas e ferramentas devem usar-se com cuidado e sempre em estado de alerta. Só assim se evitam situações que podem redundar em drama como aquela que vou contar.
Por razões de higiene foi necessário fazer-se uma limpeza e desinfeção às tinas de cimento que estão à ilharga do edifício principal da Adega. Depois de vazias entraram dois operários numa delas. Levavam equipamento para procederem à limpeza e utilizaram uma escada para descerem entrando pela boca das tinas que está no topo e tem um raio suficientemente grande para caber um homem. Já no interior apercebera-se que havia ainda algum vinho que não havia sido retirado. Começaram a sentir tonturas e procuraram pedir auxílio. Mas o ambiente dentro estava saturado com o cheiro causado pelos vapores e ambos desmaiaram. Os outros operários aperceberam-se que algo corria mal e chamaram socorro. 
Chegaram os Bombeiros e depois de os resgatarem levaram os dois homens para o Hospital da Misericórdia, ambos inconscientes. Assim permaneceram algum tempo, o bastante para que um deles fosse considerado morto e o outro continuasse a resistir teimando em agarrar-se à vida. Foi um tempo de luta dos médicos e enfermeiros para lhe salvar a vida.

Muito tempo após, o homem começou a dar de si e mais esforço e expectativa foram postos na ação até que finalmente o homem abriu lentamente os olhos e vagamente começou a recuperar os sentidos. O pessoal médico estava eufórico e expectante até que o médico responsável sentindo-o com alguma lucidez lhe perguntou: -Então como se sente? O homem encarou-o perplexo e responde por sua vez, perguntando: -Onde está o meu chapéu? Foi uma risada incontida. Como é possível que o desfecho de um acidente de gravidade tal, seja relativizado com uma preocupação tão pueril? Mas o cérebro é que comanda o corpo e o resto limita-se a obedecer-lhe.
Ressalvo aqui que a história é verdadeira não sabendo eu datá-la. Aconteceu no tempo em que a Adega trabalhava em "full time". Pode eventualmente haver pormenores que eu desconheço em absoluto. Foi-me contada pelo meu irmão Luís que era o naquele tempo, Enfermeiro de Serviço.

E por hoje despeço-me da Adega Cooperativa de Bragança e do Vale de Álvaro dos meus anos de menino e moço. 




Bragança 22/04/2020
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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